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A saga para proteger um santuário de araras-azuis do fogo no Pantanal

Brigadistas revezam turnos para impedir que chamas avancem sobre árvores usadas há décadas como dormitório pelas aves no bioma

Por Jennifer Ann Thomas Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 14 ago 2020, 11h59 - Publicado em 14 ago 2020, 11h14

Na década de 60, Luiz de Figueiredo Barretto comprou a Fazenda São Francisco do Perigara para a produção pecuária em Barão de Melgaço, no Mato Grosso. Desde então, algo como 95% da área de 25.000 hectares foi conservada. Ao perceber que um pedaço específico da propriedade, equivalente a um quarteirão, era um ponto de encontro de araras-azuis, o local foi cercado para proteger as árvores. Ao longo dos anos, o pequeno bosque se tornou uma região única no mundo: dezenas de araras-azuis se reúnem ali todos os dias, ao final da tarde, para repousar.

Em quinze anos de censo populacional, pesquisa conduzida pelo ornitólogo Pedro Scherer-Neto, o número médio de indivíduos passou de 234 a 708. Com o tempo, a concentração de aves alcançou uma marca recorde: entre 2013 e 2015, mais de 1.000 espécimes foram avistadas no mesmo local.  A arara-azul, maior representante da família dos psitacídeos, saiu do Livro Vermelho de Espécies Ameaçadas de Extinção do Brasil em dezembro de 2014, mas continua como vulnerável na IUCN (União Internacional para Conservação da Natureza).

Com a seca histórica deste ano e a explosão de queimadas no Pantanal, a fazenda São Francisco também foi atingida pelo fogo – cerca de 35% da área da propriedade foi queimada. Ao contrário da Amazônia, o bioma pantaneiro convive com o fogo e ele pode acontecer de forma espontânea durante o período chuvoso, com raios. Nos meses de seca, a partir de julho, as queimadas são causadas pela ação humana. Ao queimar lixo ou limpar uma roça, as brasas podem se espalhar e dar início a um incêndio de grandes proporções. Agora, o esforço consiste em evitar que as chamas avancem e impedir que elas destruam o local usado como refúgio pelas araras-azuis. Uma equipe de brigadistas montou guarda na fazenda e faz o monitoramento ao longo das 24 horas do dia.

De acordo com Ana Maria Barretto, filha do proprietário original e que herdou a terra junto sua irmã, Maria Ignez Marcondes Barretto, o fogo começou fora da fazenda. “Tentamos controlar por nossa conta, com a ajuda de vizinhos, e não conseguimos. O fogo entrou de uma forma dolorosa e dramática”, afirmou. Segundo Ana Maria, diversos parceiros ofereceram ajuda: vizinhos, o Sesc Pantanal, bombeiros, brigadista, etc. “Estão fazendo o possível e o impossível. A área é grande, é difícil o combate entre homem e fogo. São momentos de desespero”, relatou.

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Para as araras, compartilhar o espaço com o gado da fazenda tem vantagens importantes. Durante o dia, as aves, na maioria jovens e que ainda não alcançaram idade reprodutiva, seguem os animais pelos campos em busca de alimentos. Elas aproveitam os frutos das palmeiras, que são trazidos do interior da mata e regurgitados em montículos após a alimentação natural dos bois. Essa parceria facilita a busca das araras, especializadas nas castanhas de Acuri e Bocaiúva. No fim do dia, é possível ver centenas de aves no pasto ao lado dos bovinos. O Pantanal é característico pela pecuária extensiva e conhecido por ser o bioma mais protegido do Brasil. De acordo com dados da Embrapa, cerca de 86% do bioma está preservado, sendo que, do total, 90% da área é de responsabilidade da iniciativa privada.

Araras-azuis seguem os bois em busca de alimentos (Luciano Candisani/ Instituto Arara Azul/Divulgação)

O Instituto Arara Azul monitora os ninhos na região desde 2005 e instalou vinte ninhos artificiais em 2010. De acordo com a instituição, são mais de trinta berços naturais cadastrados e várias cavidades em formação, principalmente na árvore Manduvi. Desde então, mais de sessenta filhotes nasceram na propriedade. De acordo com a bióloga Neiva Guedes, fundadora do Instituto Arara Azul, a vegetação pode se recuperar dos impactos causados pela queimada, mas as relações entre as espécies são mais sensíveis. “Visualmente, o ambiente pode parecer saudável, verde, mas não significa que está tudo bem. Pode levar anos para reconstruir a relação entre as espécies”, explicou.

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Ao considerar que mais de 1.000 araras-azuis foram vistas no mesmo local, o número representa 15% da população global da espécie e 20% da população que vive no Pantanal. A área que serve de refúgio é tão única que foi objeto de estudo para um artigo publicado no ano passado pelo ornitólogo Pedro Scherer-Neto, por Neiva e pela também bióloga Maria Cecília Barbosa Toledo.

De acordo com os autores do estudo, em regiões com ameaças ao habitat natural, como fogo, agricultura, pecuária e ocupação humana, locais para o descanso em grupo se tornam importantes refúgios para espécies ameaçadas. O comportamento gregário em aves leva a uma proteção maior contra predadores e a busca por alimentos se torna mais eficiente. “Com essa quantidade de araras, o lugar é inigualável. Todas as araras da região vão dormir na fazenda”, disse Neiva.

Este é o segundo ano consecutivo com cenas dramáticas para o Pantanal. Apesar de o fogo fazer parte do ciclo do ecossistema, a combinação entre fatores climáticos e a ação humana fez com que a situação saísse de controle. De acordo com o diretor-executivo do Instituto SOS Pantanal e membro da Rede de Especialistas em Conservação da Natureza, Felipe Augusto Dias, entre outras medidas, é necessário investir na conscientização da população. “Chegamos a um patamar de seca extrema e a possibilidade que ela continue é bem plausível. Temos que entender como lidar com isso para diminuir as consequências dessas perdas da biodiversidade”, afirmou.

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