(Passei a terça na rua, mas estou de volta. Vamos lá.)
A frase do dia é do comediante Renato Aragão, que completa 80 anos na próxima terça-feira. Em entrevista à edição de janeiro da PLAYBOY, da Editora Abril, que também publica VEJA, ele falou sobre a dificuldade de se fazer humor atualmente com a patrulha do politicamente correto:
“Hoje todas as classes sociais ganharam a sua praia, e a gente tem que respeitar muito isso. Eu sou até a favor. Mas, naquela época, essas classes dos feios, dos negros, dos homossexuais, elas não se ofendiam. Elas sabiam que não era para sacanear.”
Na revista, Aragão defende que ele e Mussum, seu companheiro de Trapalhões, se divertiam com as piadas raciais. “Na época, a gente fazia como uma brincadeira. Como se fôssemos duas crianças em casa brincando. A intenção não era ofender ninguém.”
Em matéria de junho de 2014 do Fantástico, o assunto também foi abordado:
Fantástico: Eram racistas as piadas que vocês faziam com o Mussum?
Renato Aragão: Ninguém entendia isso como racismo. Ninguém. Era uma brincadeira, era uma caricatura.”
(…) Dedé Santana: “Eu falei, ‘Renato, por que a gente não põe um afrodescendente?’, hoje é afrodescendente, né? No meu tempo eu falei: ‘por que a gente não bota um negão com a gente?”
O humorista e apresentador do SBT Danilo Gentili também tocou em pontos importantes sobre o tema em entrevista publicada nesta segunda (5) no Estadão:
“A primeira coisa que a patrulha do politicamente correto faz é se travestir de opinião pública. Isso acontece em todas as áreas. A mais corriqueira é a propaganda. Vamos pegar um anúncio com a Gisele Bündchen, por exemplo. Pois dez patrulheiras se reúnem e passam o dia inteiro ligando para o Conar [Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária] para reclamar. E o Conar ‘conclui’ que as mulheres do Brasil estão muito ofendidas com o anúncio da Gisele Bündchen. Só que não é verdade, não tem ninguém ofendido. O problema é que a patrulha é muito organizada.“
Exato. Foi assim quando o Conar determinou que o Bom Negócio retirasse de um comercial de TV a palavra “ordinária”, dita apenas em parte (“vem, vem, ordiná…”) pelo cantor popular famoso por esse bordão, Cumpadre Washington, interrompido em cena justamente pelo marido da mulher que ele estava “cantando”. O Conar alegou ter recebido reclamações de 50 consumidores, a maioria do sexo feminino, dizendo-se ofendidos. Como escrevi na ocasião:
“Hoje, pelo visto, basta reunir uma equipe de ativistas para reclamar de peças publicitárias que lhes firam suscetibilidades e logo uma censura ao menos parcial é executada pelo órgão responsável. O resultado desse moralismo travestido com o nome de ‘politicamente correto’ é sempre este: um autoritarismo fofo, aplaudido pelos melindrosos.”
Por conta da péssima repercussão da punição – isto é: da vigilância da sociedade -, o Conar felizmente decidiu refazer seu julgamento. O número de queixas contra a medida chegou a 100 – o dobro das originais – e a empresa afetada nem precisou recorrer.
Como disse Gentili ao Estadão: “Esses patrulheiros não representam, de maneira nenhuma, a opinião das pessoas. As pessoas são muito mais bem-humoradas do que se supõe, muito mais inteligentes.”
O problema mesmo é o poder dos patrulheiros sobre as demais. Henry Ward Beecher dizia: “Uma pessoa sem senso de humor é como uma carroça sem molas – sacudida por cada seixo na estrada.” O politicamente correto tenta tirar as molas de todo mundo e entregar outros seixos (pedrinhas) na mão dizendo: atira em quem te sacudir!
É uma ferramenta desenvolvida para fomentar o melindre pessoal (o “mimimi”) e legitimar assim a censura.
Que os brasileiros – feios, negros, gays, ou quaisquer outros – aprendam a não cair no truque enquanto é tempo. Agora que o governo pretende criar um órgão de “regulação da mídia”, já imaginou quantas queixas os militantes fariam a cada notícia desfavorável?
Felipe Moura Brasil ⎯ https://www.veja.com/felipemourabrasil
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