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Análises irreverentes dos fatos essenciais de política e cultura no Brasil e no resto do mundo, com base na regra de Lima Barreto: "Troça e simplesmente troça, para que tudo caia pelo ridículo".
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O Relatório Moura Brasil sobre a pesquisa fajuta do IPEA (e a cabeça dos ativistas). E não é que os especialistas de verdade concordam comigo? Ai, que chato! Manchetes comprovam: verbo “atacar” não é só estuprar! Jura?…

Por Felipe Moura Brasil Atualizado em 31 jul 2020, 04h07 - Publicado em 1 abr 2014, 23h15

[Acréscimo de 4 de abril: FIM DA FARSA DO IPEA! ATENÇÃO! VÁ PRIMEIRO PARA ESTE ARTIGO: País de estupradores, uma ova! IPEA admite que… eu estava certo! Ai, que chato! Maioria discorda de ataques às mulheres! Só falta o instituto, os jornais, a TV e os ativistas admitirem o proselitismo ideológico também]

* Sim, o texto abaixo é grande, mas tem história em quadrinhos para os militantes! Divirtam-se!

Emocionado com o fenômeno de audiência do meu blog nos últimos dias, fiquei pensando em como eu poderia agradecer aos milhares de ativistas que divulgaram meus textos sobre a pesquisa fajuta do IPEA, com aquele jeitinho todo militante de ser, de quem realmente acredita refutar alguma coisa: “Olha o que o cara escreve!”, “Tinha que ser da VEJA!”, “Kkkkkkkkk”.

Acabei pensando o de sempre: eles querem que eu desenhe? Ok! Eu desenho.

Ou melhor: como também fui atacado, perdão, acusado de fazer uma grande “ginástica” para atribuir ao verbo “atacar” outros significados além daqueles que esses patriotas adoram porque comprovam todas as suas teorias prévias de que a população brasileira não presta mesmo (ainda que as três finalistas do Big Brother sejam mulheres, claro), decidi ilustrar o post com prints das manchetes virtuais que julguei mais interessantes para eles e que mostram o uso corriqueiro – imagine! – justamente dos significados que eu atribuí. Como são manchetes, não deixam de ser textos, mas creio que eles irão gostar da homenagem.

I. 

Como era mesmo uma das frases polêmicas do IPEA? Ah sim:

MULHERES QUE USAM ROUPAS QUE MOSTRAM O CORPO MERECEM SER ATACADAS.

Sei que, a essa altura, os ativistas já pularam para as imagens, mas tenho de fazer um preâmbulo não muito delicado.

Olavo de Carvalho (ele mesmo) já alertava no artigo “O futuro da boçalidade”, na página 360 do nosso best seller “O mínimo que você precisa saber para não ser um idiota“:

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Para desgraçar de vez este país, a esquerda triunfante não precisa nem instaurar aqui um regime cubano. Basta-lhe fazer o que já fez: reduzir milhões de jovens brasileiros a uma apatetada boçalidade, a um analfabetismo funcional no qual as palavras que lêem repercutem em seus cérebros como estimulações pavlovianas, despertando reações emocionais à sua simples audição, de modo direto e sem passar pela referência à realidade externa.

Há quatro décadas a tropa de choque acantonada nas escolas programa esses meninos para ler e raciocinar como cães que salivam ou rosnam ante meros signos, pela repercussão imediata dos sons na memória afetiva, sem a menor capacidade ou interesse de saber se correspondem a alguma coisa no mundo.

Um deles ouve, por exemplo, a palavra “virtude”. Pouco importa o contexto. Instantaneamente produz-se em sua rede neuronal a cadeia associativa: virtude-moral-catolicismo-conservadorismo-repressão-ditadura-racismo-genocídio. E o bicho já sai gritando: É a direita! Mata! Esfola! “Al paredón!”

De maneira oposta e complementar, se ouve a palavra “social”, começa a salivar de gozo, arrastado pelo atrativo mágico das imagens: social-socialismo-justiça-igualdade-liberdade-sexo-e-cocaína-de-graça-oba!

Não estou exagerando em nada. É exatamente assim, por blocos e engramas consolidados, que uma juventude estupidificada lê e pensa. Essa gente nem precisa do socialismo: já vive nele, já se deixou reduzir à escravidão mental mais abjeta, já reage com horror e asco ante a mais leve tentativa de reconduzi-la à razão, repelindo-a como a uma ameaça de estupro.

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Recebi comentários de horror e asco de centenas, senão milhares, desses “milhões de jovens” descritos acima, muitos dos quais já bem adultos, exatamente como se eles repelissem (quase que duplamente, no caso) uma ameaça de estupro.

E quanto mais o sujeito é ativista de uma causa, como a luta contra o machismo, mais automática e instantaneamente se produz a cadeia associativa.

Ao ouvir que a maioria da população (o que é mentira: ver item III) concorda, parcial ou totalmente, que mulheres que usam roupas que mostram o corpo merecem ser atacadas, a rede neuronal do ativista associa de imediato: “mulher-liberdade-vestir-ataque-violência-homem-agressão-estupro-culpa-sociedade-machismo”. E o bicho já sai gritando até na novela: “É reacionário!”, “Cultura do estupro!”, “Cultura machista!”, “Sociedade patriarcal!”, “Tira a roupa!”, “Faz campanha!”, “Eu não mereço!”…

Só há um pequeno detalhe, entre tantos outros: nem todo brasileiro faz essas associações imediatas diante dessas palavras, ainda que possa produzir cadeias associativas equivalentes diante de outras. Por exemplo: quando um flamenguista fanático ouve falar de Vasco da Gama (serei educado), pensa imediatamente: “Vasco-timinho-freguês-bacalhau-rebaixado-cocô-bosta-vai-tomar-no-(…)”. (Até você explicar que se refere à pessoa do navegador português demora um bocado e, mesmo assim, ele não terá tanta simpatia pela figura…)

Não é porque para o ativista (incluindo aí os pesquisadores do IPEA que escreveram o relatório final) a expressão “merecem ser atacadas” significa obviamente “estupradas”, ou pelo menos “agredidas” covarde e fisicamente por homens, que a expressão também será entendida deste modo pelos demais cidadãos de fora da sua patota.

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O problema é que dizer isto, na cabeça dele, já é uma prova de reacionarismo-conservadorismo-repressão-ditadura-VEJA-lixo-desserviço-ao-país, mesmo que outros significados da palavra “atacar” estejam inclusive no dicionário, assim como em toda a mídia popular (e que ninguém tenha especificado sequer qual era o sexo daqueles que “atacam”).

CRITICAR

Eu mencionei o sentido óbvio de “criticar”, o que, mesmo entre aqueles que aceitaram a possibilidade de os entrevistados terem entendido assim, gerou mais polêmica ainda, porque, na cabeça desses ativistas, quando se fala em criticar “mulheres que usam roupas que mostram o corpo”, imagina-se de imediato algo como um grupo de homens reacionários-conservadores-repressores-ditadores-machistas passando sermão de dedo em riste ao vivo na rua para uma mulher qualquer que eles sequer conheciam antes do choque de vê-la assim vestida. Ou seja: algo que continuaria provando a grosseria machista e a “tolerância à violência sexual contra as mulheres”, senão a violência mesma.

Acontece que “Mulheres que usam roupas que mostram o corpo” não são uma mulher específica seminua na esquina do metrô chamada, sei lá, Paula. São uma abstração, um grupo imaginário de pessoas. E, no sentido de “criticadas”, tanto se pode criticar alguém ao vivo cara a cara (e, neste caso, os entrevistados ainda podem ter imaginado apenas amigos íntimos da pessoa fazendo isso, ou mesmo os pais!, e não necessariamente todos os homens) quanto fazê-lo de maneira genérica e indireta, exatamente como a pergunta enuncia, e como todo mundo faz em relação aos tipos que – como direi? – “não curte”, incluindo os próprios ativistas em relação aos “machistas”, por exemplo. Então finalmente chegamos (“iupiiiiiii!”) à primeira figura! – um exemplo do verbo “atacar” usado como crítica genérica, o que é bastante comum na mídia brasileira:

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Viram? Pois bem. Agora imagine se a frase da pesquisa para concordar ou discordar fosse a seguinte: “Homens machistas merecem ser atacados.

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Thiago Fragoso poderia concordar se supusesse o sentido de “crítica”, não é mesmo? Quantos que criticam agora a população pela resposta dada não concordariam totalmente com essa frase? Ainda mais se a recebessem do nada, após dezenas de outras aborrecidas, sem ter vivenciado a repercussão da pesquisa do IPEA… “Ah, Felipe, mas quando se fala em homem ‘atacado’ não é a mesma coisa!” Ah não? Só porque é mais difícil uma mulher abusar sexualmente de um homem o sentido que os ativistas deram deixa de existir? Mas e o de agredi-lo? E o de estapeá-lo em bando? Ok, dou de lambuja – a frase poderia ser até sobre elas:

Mulheres machistas merecem ser atacadas.

Essa certamente daria um “bug”, um “tilt” na cabeça das feministas…

(E repare como o sentido de “crítica/criticadas” soa mais óbvio, mais evidente, passa mais facilmente pela cabeça quando o objeto do ataque são pessoas cuja opinião ou comportamento você despreza. Para o cidadão comum, que pode ter lá suas críticas comportamentais a mulheres que andam seminuas, o sentido de crítica também é mais natural.)

Para as feministas, no sentido de crítica, as “mulheres machistas” merecem (e muito!) ser atacadas! (Como de fato foram!) E quantas, entre as pessoas menos radicais, não diriam que concordam apenas parcialmente que elas merecem ser atacadas, como que a depender do próprio sentido da palavra? Seria compreensível, aliás. Talvez até digno da parte delas. A concordância parcial, afinal, também é isto: um “olha, até concordo, mas depende…”.

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Roupa

Na pesquisa do IPEA, 22,4% dos brasileiros concordaram somente parcialmente com a frase “Mulheres que usam roupas que mostram o corpo merecem ser atacadas.” Podem ter pensado: “Olha, até concordo, mas depende…”, possivelmente querendo dizer: no sentido de estupradas ou agredidas, não; no de criticadas, sim…

Não estou dizendo que foi assim que pensou fulano ou beltrano, estou dizendo que isto é uma possibilidade que a má formulação da questão admite.

E esclareço: quem concorda totalmente não necessariamente acha que elas merecem (já tratarei dessa palavrinha vaga também) ser estupradas ou agredidas. Basta que os entrevistados tenham pensado apenas no sentido de “crítica” do verbo “atacar” e pronto: responderam assim. * Atenção! Esta pode ter sido até mesmo a questão 27(!!!) do questionário do IPEA, cujas “perguntas foram dispostas em ordem quase aleatória (não na ordem de apresentação neste documento), de forma a alternar os assuntos e perguntas negativas e positivas, para inviabilizar a entrada dos entrevistados em ‘modo automático’”, como o próprio relatório informa na página 28, sendo que, antes da seção específica com as 27 perguntas, ainda houve uma “parte inicial de caracterização socioeconômica dos respondentes” e “alguns módulos fixos do SIPS (perguntas da iniciativa My World e sobre satisfação com a vida)”. Você teria ainda paciência para pensar em todas as consequências possíveis das suas respostas depois de dezenas de perguntas – possivelmente até 26 ou mais, se contarmos as prévias – de um pesquisador desconhecido na sua casa, em horário comercial? Pois é… Agora imagine se você fosse alguém de educação inferior, como os 63,8%(!!!) dos entrevistados que, segundo o próprio relatório do IPEA (p. 22), foram os que mais concordaram com isso. Pois é de novo!…

Entendo, contudo, que é um esforço psicológico muito grande para um ativista admitir que muita gente pode interpretar uma frase de maneira diferente da dele, isto é, da sua reação automatizada; mas sinto dizer: a frase também TEM este significado, que pode ser captado imediatamente pelo cidadão comum, sem ginástica alguma. (A única verdadeira ginástica que eu faço, cansativa, sem dúvida, mas muito divertida também, é para mostrar como um ativista pensa.)

E a propósito: dizer que um comportamento humano, qualquer que seja ele, merece ser criticado só é machismo em cabeça de ativista. Todo comportamento humano é passível de crítica e não há quem critique mais os outros (genérica e especificamente) do que os próprios ativistas. Não é intelectualmente honesto, portanto, fazer uma inferência moral, que dirá para a maioria da população brasileira, a partir de uma assertiva como aquela, com tal margem de interpretações. Caberia ao instituto formular questões mais precisas.

Se a frase fosse “Homens de regata merecem ser atacados“, a maioria da população também poderia concordar… Ainda mais se fosse “de regata e polchete”… Imagine então de “regata, polchete e calça jeans”…

Quando uma assertiva começa por enunciar um tipo de comportamento que o entrevistado não aprecia ou que lhe soe de mau gosto, ou diante do qual ele se sinta no dever de repudiar para parecer uma boa pessoa ao entrevistador, a tendência é que ele o repudie, principalmente se a forma de repúdio expressa no restante da assertiva não lhe causar impacto negativo maior do que o do comportamento inicial, que, por vir primeiro, tem mais peso. Por exemplo:

O entrevistado ouve “Homens de regata” e torce o nariz, depois “merecem ser atacados” e pensa: “ok! concordo!”, não só porque o sentido de “crítica” pode lhe ser natural, mas porque a cadeia associativa que ele faz da primeira parte (homem-regata-mau-gosto-cafona-exibicionista-ninguém-merece! etc.) pode ser mais pesada do que a que faz da segunda.

É bem diferente de quando ele ouve “Homens de regata” e depois “merecem ser ESTUPRADOS“, ou “espancados”, ou “mortos”, ou “assassinados”, porque desse jeito o entrevistado pode pensar: “Aí não, né… Aí também já é demais.”

Da mesma forma, a expressão “Mulheres machistas” soa inicialmente tão ruim que “merecem ser atacadas” pode não ter peso suficiente para gerar discordância. É bem diferente de “merecem ser estupradas”, ou “espancadas”, ou “mortas”, ou “assassinadas”.

“Mulheres que usam roupas que mostram o corpo” pode não soar bem para a população e “merecem ser atacadas” nem de longe tem o peso demerecem ser estupradas”, ou “espancadas”, ou “mortas”, ou “assassinadas”, para gerar maior discordância.

Mas veja o que o próprio relatório do IPEA faz. Coloca esta frase seguida da outra que fala de estupro (repito: não foi assim no questionário real! a ordem era aleatória!) e…

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…conclui em seguida, na página 23, fazendo inferência sobre o pensamento da população brasileira: “A mulher merece e deve ser estuprada para aprender a se comportar.” CUMA!??? (Pausa. Respira. Lê de novo.) Deu para perceber o tamanho da sem-vergonhice? Quem disse que a mulher merece ser ESTUPRADA? Quem disse que a mulher DEVE ser estuprada? Quem disse que o estupro é uma lição “para aprender a se comportar”? Eu digo quem: foram os responsáveis pelo relatório ideologicamente sem-vergonha do IPEA e todos os órgãos de mídia que divulgaram e potencializaram suas conclusões forçadas até o limite do ridículo, sem a menor análise de como se chegou até elas.

* Veja, para citar um exemplo entre milhares, como o Infográfico do Estadão agrupou as perguntas por tema, dando um título como “Estupro” a cada grupo delas. Fica parecendo que o questionário respondido pelos entrevistados era assim também e que eles sabiam que estavam falando de estupro ao responder a questão sobre se “merecem ser atacadas”. Não sabiam não! Essa pergunta apareceu para eles misturadas com outras dos demais temas. Isto não é “OPINIÃO PÚBLICA”, como diz a imagem. Isto é OPINIÃO DO IPEA e do ESTADÃO.

IPEA questionário

E acredite: esta notícia chegou até a Dinamarca! (Uma leitora me mandou a tradução.) Agora o mundo inteiro despreza a suposta crueldade “machista” da população brasileira.

Mas vamos a mais uma figurinha especial (“viva!”) para a turma sem preconceitos, com um “ataque” tão genérico quanto o da pesquisa do IPEA:

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Frases possíveis: “Mulheres lésbicas que falam com quem se deitam merecem ser atacadas.” “Homens gays que falam com quem se deitam merecem ser atacados.” A população seria homofóbica se concordasse com essas assertivas? O Gianecchini seria homofóbico se concordasse com isso? Tá Serto

[Para quem precisa de legendas: o que está em jogo não é o ódio e o desejo de violência contra homens ou mulheres gays, mas a crítica genérica àqueles que saem por aí falando de seus parceiros sexuais. O cidadão comum, ou o Gianecchini, pode achar isso um despudor, por exemplo, o que não faz dele um homofóbico de maneira alguma, por mais que os ativistas também possam criticar quem acha um despudor falar essas coisas. Transformar qualquer crítica genérica a um tipo específico de comportamento em preconceito (ou machismo) é coisa de militante mesmo, que, repito, faz a mesma coisa com os tipos que despreza.]

Agora alguns exemplos bastante comuns do verbo “atacar” no sentido de “criticar”, direcionado a pessoas específicas, o que lhe confere um peso maior, é claro, que estava ausente na frase da pesquisa:

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Mundo engraçado este em que todo mundo ataca todo mundo, e ninguém é estuprado, nem acha que ninguém merece sê-lo, não é mesmo? O mais engraçado é que esse mundo é o Brasil. Aquele da pesquisa… Mas vamos para a frase da vez: “Mulheres que detonam o Justin Bieber merecem ser atacadas.” Concorda? Discorda? Parcialmente? Totalmente? Neutro?… Oh, que malvada seria a população brasileira se dissesse ‘sim, eu concordo totalmente! principalmente se for a Xuxa’!… (Legenda: Qualquer um poderia dizer que a população brasileira tem um péssimo gosto musical por isso, mas não que é preconceituosa, que deseja a violência, muito menos que as mulheres que detonam o Justin Bieber merecem e devem ser estupradas para aprender a ter um gosto musical melhor. Ah, o IPEA!…)

No print abaixo (“mais uma figurinha!”), o verbo “atacar” parece ganhar um sentido venenoso de “tentar ferir emocionalmente” (mas, no fundo, ainda é uma crítica):

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XAVECAR etc.

Também mencionei em artigo anterior o sentido de “xavecar”, de tentar a sorte sexual ou amorosa de forma até mais incisiva, mas nem por isso necessariamente deselegante ou sem educação – e vieram dizer que essa interpretação é só de jovem, dos meus “amigos de noitada” e outras bobagens. Ainda que fosse só de jovens, eles eram 28,5%(!!!) dos entrevistados do IPEA. E obviamente não é coisa só deles. Isto é a linguagem da cultura popular. A linguagem das novelas, das celebridades, da indústria do entretenimento, das pessoas comuns em suas conversas com os amigos: a linguagem sobretudo das babás, das faxineiras, das empregadas domésticas, que são boa parte das pessoas que estavam em casa em horário comercial, sendo entrevistadas pelo sistema falho do IPEA, sobre o qual já falarei no item III. Eis, entre milhares, alguns exemplos de “atacar” neste sentido:

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Alguém foi estuprado nos episódios acima? Agredido? Não, né. Pois é. “Mulheres que usam roupas que mostram o corpo merecem ser atacadas”? Neste sentido de xaveco, não há mal algum em “merecer”. Enquanto o ativista associa “mulheres que usam roupas que mostram o corpo” a “mulheres-livres-para-se-vestir-do-jeito-que-quiserem-e-serem-felizes-como-desejem-sem-ser-oprimidas-por-homem-nenhum-nem-pela-sociedade”, o homem comum pode imaginar simplesmente mulheres atraentes de minissaia diante das quais ele sente desejo de tentar a sorte e/ou acha que outros sentirão. E a mulher comum pode imaginar simplesmente que uma mulher assim vestida “merece ser xavecada” pelos homens, sem que isto signifique qualquer violência contra ela.

Possivelmente, ela mesma, quando quer ser xavecada, se veste de uma forma menos coberta, não porque a sociedade é “machista”, mas porque é natural que isto atraia mais os olhares dos homens, atiçando seus desejos e sua vontade de lhe dirigir a palavra, muitas vezes sem cometer qualquer deselegância. Quantas mulheres não colocam uma roupinha mais ousada para atrair mais a atenção? Neste sentido, portanto, ela pode pensar que MERECE mesmo ser atacada quando é OUSADA assim, a ponto até de achar ruim não ter sido! Até porque um dos significados de MERECER é justamente “SER DIGNO DE”. Sei que isto (essa coisa estranha chamada idioma) parece loucura para um ativista desacostumado a pensar fora da sua caixinha de azeitona, ou para qualquer um que não tenha conhecimento da linguagem para além do seu meio social imediato, mas é uma das várias interpretações possíveis – e consagradas pelo uso! – que o cidadão comum pode fazer de imediato daquela frase. (Se tiver visto alguma novela no dia, então, há mais chances de fazê-la mesmo…)

Imagine se as questões fossem:

Kayky Brito com pouca roupa merece ser atacado.

Brunno Camargo com pouca roupa merece ser atacado.

Caio Castro com pouca roupa merece ser atacado.

Segurança do metrô merece ser atacado…

Boa parte das mulheres decerto concordaria totalmente, sem nem pensar em agressão, não é mesmo? Apenas em xavecar e tietar – ou mesmo em conquistar sexualmente. Sim, eu sei, os galãs são homens. Substitua por uma mulher, então: “Bruna Marquezine com pouca roupa merece ser atacada.” Não parece natural que boa parte dos homens (e até das mulheres que a admiram) concorde, sem pensar em agressão nem estupro, mas em tietagem, xaveco ou tentativa de conquista sexual? Ainda que pense em ataque sexual, ele poderá concordar, com certo humor automático, de tão inalcançável e fantasioso que aquilo lhe parece.

O verbo “atacar” aí soa facilmente como xavecar, tietar ou tentar conquistar. “Ah, mas nome de galã ou beldade é coisa bem diferente de ‘Mulheres que usam roupas que mostram o corpo’!” Ah é? Mas como você sabe que tipo de mulher os entrevistados imaginaram? E como você sabe que as entrevistadas mulheres não pensaram apenas em xavecos? Tudo é possível nas questões vagas do IPEA.

Há ativistas radicais que querem porque querem que as mulheres menos cobertas nem sequer “mereçam” (palavra, repito, que também tem os sentidos de “ser digna de”, “atrair sobre si”…) ser mais xavecadas que as outras, mas o fato de elas serem só tem a ver com “machismo” em suas histéricas cabecinhas! Isto tem a ver é com chamar mais atenção e despertar maior desejo nos homens. É evidente que uma mulher de burca no Brasil vai chamar menos a atenção do que uma de biquíni, e é evidente que a de biquíni tende a ser mais XA-VE-CA-DA. Uma mulher é tanto mais, para usar outra palavra, PAQUERADA quanto mais atenção atrai sobre si; e, não sei se os ativistas sabem, mas, fora os casos de estupro, para que eles mesmos tenham nascido, papai precisou em algum momento ATACAR mamãe neste sentido, ou mamãe precisou ATACAR papai, não é mesmo? Ou será que os ativistas vieram amarradinhos no bico da cegonha?

Sei que os radicais acham até o “fiu-fiu” uma prova de machismo, só falta agora querer impedir as reações quase que automáticas diante de uma mulher seminua: “Uau!”, “Que isso!”, “Nossa!”, “Meu Deus!”, “Jesus!”, “Ah, que pecado!”, “Assim você me mata”… Que algumas queiram impedir o “Cruz credo!”, vá lá: a gente até entende… Mas, mais um pouco e vamos proibir as pessoas de rirem do que acham engraçado sob acusação de preconceito; e todas as reações instintivas serão estranguladas pelas leis, para manter o cidadão preso dentro de si. Que bela contribuição para o “pogréçu” da espécie!

A FARSA – “Atacar” como sinônimo de “estuprar”

Mas retomo: os pesquisadores do IPEA e toda a mídia consideraram “atacar” como sinônimo de “estuprar”, como se até mesmo no sentido de violência do verbo não houvesse várias formas possíveis para além da sexual, como a violência física, a psicológica, a patrimonial e a moral, enumeradas na própria L. n. 11.340/2006, como lembrou o professor de Direito Penal Francisco Ilídio Ferreira Rocha (Doutor pela PUC-SP), após observar, como eu fiz desde o primeiro dia, outros sentidos do verbo polêmico.

Para o professor Francisco, que resolveu estudar o relatório após ler o meu blog, “a pesquisa se utiliza de sentenças vagas, interpreta equivocadamente dados, falha em inter-relacioná-los e parte de uma interpretação ideologicamente orientada”. Escreve ele, na mesma linha dos meus artigos (os grifos são meus):

(…) os pesquisadores, indevidamente, consideram que o verbo “atacar” é um sinônimo de agressão sexual e sustentam que a maioria dos entrevistados concorda que uma mulher vestindo roupas provocantes mereceria o estupro. Uma conclusão completamente divorciada das respostas coletadas.
 
Aliás, tal interpretação de “atacar” como “estuprar” parece ser demasiado contraditória quando verificadas outras respostas na própria pesquisa:
 
a)  91,4% concordam que o homem que bate na esposa deve ir para a cadeia;
 
b) 82,1% discordam que a mulher que apanha em casa deve ficar quieta para não prejudicar os filhos;
 
c) 68,1% reconhecem que é uma violência falar mentiras sobre uma mulher para os outros;
 
d) 89,2% discordam que o homem pode xingar ou gritar com a própria esposa.
 
Destaca-se que noutro estudo, quando perguntado ao brasileiro “se uma pessoa foi infiel ao seu(ua) parceiro(a) ele(a) mereceria apanhar” a discordância absoluta alcançou notáveis 70,9%. Ninguém concordou totalmente com tal licença à violência.
 

Lembram quando eu falei sobre o pensamento: “Aí, não! Aí também já é demais…”? Pois é.

 
Ou seja, considerando respostas de outras questões e outras pesquisas, existe um repúdio à violência contra a mulher, inclusive àquelas agressões verbais e morais. Nestes termos, não parece ser razoável supor que as mesmas pessoas que repudiam a violência contra a mulher nestas questões, defendam o estupro noutra.
 
Parece ser certo que se o termo “atacar” fosse substituído pelo “estuprar” o número de concordantes seria significativamente menor. Lamentavelmente não seria nulo.

Parece ser certo, também, que se os ativistas estudassem o idioma antes de entrar no debate público, o número deles seria significativamente menor. Lamentavelmente não seria nulo.

II.

SE AS MULHERES SOUBESSEM COMO SE COMPORTAR, HAVERIA MENOS ESTUPROS

Só de aperitivo para esta questão, vale o comentário de Douglas Henrique Marin dos Santos, o Procurador Federal da AGU, Graduado pela USP, Especialista em Direito pela Unesp, Mestrando em Direito pela Universidade do Porto (Portugal) e Doutorando em Ciências pela Unifesp, que também criticou a metodologia do IPEA nesta e noutras pesquisas e a falta de validação de questionários (questionnaire validation). Diz ele:

A afirmação mais controversa do estudo assim se apresenta: “Se as mulheres soubessem se comportar haveria menos estupros”. Reparem que é natural que as assertivas que estabeleçam causa e efeito sejam, em um primeiro momento e instintivamente, respondidas positivamente. Veja o seguinte exemplo: “Se o Palmeiras tivesse um ataque mais organizado teria ganho o campeonato” tende a ser respondido com uma concordância ou com uma concordância parcial, porque simplesmente aparenta ser uma afirmação bastante verdadeira.

Mas isto é apenas mais um motivo para desconfiança. Para que esta parcela mínima de ativistas curáveis se sinta ainda mais idiota por ter sido tão enganada pela propaganda do IPEA e da mídia, transcrevo (com grifos meus) a análise impecável do mesmo professor de Direito Penal Francisco Ilídio Ferreira Rocha, lembrando que seu texto trata também dos absurdos relativos às frases “TODA MULHER SONHA EM SE CASAR” e “TEM MULHER QUE É PARA CASAR, TEM MULHER QUE É PARA LEVAR PARA CAMA”.

Repito a que está em pauta:

SE AS MULHERES SOUBESSEM COMO SE COMPORTAR, HAVERIA MENOS ESTUPROS

Se as mulheres soubessem se comportar existiriam menos estupros

Talvez um dos pontos da pesquisa que mais gerou polêmica, resume-se a este. Segundo os pesquisadores, tais números permitiriam a seguinte conclusão:

“A culpabilização da mulher pela violência sexual é ainda mais evidente na alta concordância com a ideia de que ‘se as mulheres soubessem como se comportar, haveria menos estupros’ (58,5%). Por trás da afirmação, está a noção de que os homens não conseguem controlar seus apetites sexuais; então, as mulheres, que os provocam, é que deveriam saber se comportar, e não os estupradores. A violência parece surgir, aqui, também, como uma correção. A mulher merece e deve ser estuprada para aprender a se comportar. O acesso dos homens aos corpos das mulheres é livre se elas não impuserem barreiras, como se comportar e se vestir ‘adequadamente’”.

Mais uma vez, respeitosamente, discordo das conclusões dos pesquisadores, uma vez que é verdadeiro que se as mulheres soubessem se comportar, de fato, existiriam menos estupros. Calma, calma, calma. Antes do apedrejamento, deixem-me explicar minhas razões.

Segundo estudos de vitimologia, é possível destacar 10 (dez) fatores que implicam em diferentes níveis de vitimização ou seja, 10 (dez) diferentes componentes que, conforme o caso, aumentam ou diminuem os risco de tornar-se em uma vítima. São eles, sinteticamente:

a) Oportunidade: que é intimamente relacionada com as características dos potenciais alvos, especialmente suas atividades e comportamento;

b) Fatores de risco: particularmente aqueles elementos demográficos, como idade, gênero, local de residência, ausência de protetores, etc;

c) Ofensores motivados: Quando o criminoso ataca um particular grupo de vítimas, como é o caso de crimes motivados por discriminação de gênero ou por racismo;

d) Exposição: A colocação em situações de proximidade com potenciais criminosos ou em situações de periculosidade aumentam as possibilidades de vitimização;

e) Associação: A relação pessoal, profissional ou social com potenciais criminosos aumenta a chance de tornar-se uma vítima por proximidade;

f) Locais e horários perigosos: As possibilidades de se tornar uma vítima também decresce ou se incrementa conforme as condições de tempo e lugar. Frequentar determinados espaços públicos em determinados horários pode, muito bem, aumentar as chances de vitimização;

g) Comportamentos perigosos: Isso porque certos comportamentos, como a provocação, podem implicar em aumento do riso de violenta vitimização enquanto outros comportamentos como negligência podem aumentar as possibilidades de vitimização patrimonial, por exemplo;

h) Atividades de alto risco: Por exemplo, certas ocupações, como a prostituição, carregam em si um alto potencial para a criminalização violenta. Policiais, também, estão expostos aos riscos inerentes à atividade;

i) Comportamento defensivo: A tomada de precauções relativamente simples podem muito bem diminuir as chances de vitimização. Andar em grupo, proficiência em métodos de defesa pessoal, podem diminuir as possibilidades de agressão;

j) Marginalização: A marginalização de determinados grupos sociais, especialmente minoritários, podem deixar os indivíduos pertencentes à tais categoriais, especialmente expostos à possibilidades de vitimização.

Para melhor ilustrar as variáveis acima, tomemos como exemplo os cuidados recomendados na prevenção de crimes patrimoniais. Neste caso pouquíssimos desafiariam o bom senso e a prudência de alguns conselhos básicos como não deixar bolsas ou mochilas desacompanhadas, usar cadeados em bicicletas ou evitar ostentar um celular em certas localidades e em determinados horários. Tratam-se todos os conselhos acima de diretrizes comportamentais que qualquer pessoa pode tomar para si com o escopo de diminuir as possibilidades de vitimização.

Aliás, é de se notar que em um país de “espertos”, não raro, as vítimas são reconhecidas nalguns casos como “trouxas” ou “otários”. Chama-se a atenção para aquela pessoa que deixa o celular completamente sem vigilância em uma mesa de bar enquanto vai ao banheiro. As chances de ser vitimado por um crime patrimonial são sensivelmente incrementadas pelo próprio comportamento negligente do proprietário. Não é raro nestes casos, quando eventualmente ocorre o furto, que inclusive amigos da vitima a censurem por ter sido tão descuidada. Evidentemente, isso não significa que a pessoa mereceu ser vitimada, porém, a falta de cuidado com seus próprios interesses é visto como uma ingenuidade censurável. Foi o que aconteceu, para destacar um caso de considerável repercussão, com Luciano Huck que foi assaltado quando trafegava em seu veículo usando um rolex. Muitos o criticaram por ostentar um relógio caríssimo em uma cidade deveras perigosa. Não se trata de afirmar que a culpa é da vítima. A censura aqui é por não proceder a cuidados elementares que poderiam preservar não somente o patrimônio, mas também a integridade física e até a vida do vitimado.

Nestes casos, portanto, dizer que eles mereceram o acontecido não implica dizer que existiria um dever moral de praticar crimes contra estas pessoas. Não se trata de desculpar o malfeitor, mas de criticar a vítima por não reconhecer a importância de preservar seus próprios interesses.

[Felipe Moura Brasil comenta: está aí muito bem desfeita parte da confusão em torno do verbo “merecer”, que os ativistas, obviamente, só veem pelo lado mais cruel.]

A ideia de que é possível diminuir o perfil de vítima é aplicado perfeitamente na prevenção de crimes sexuais. Nestes termos e observando as variáveis acima, é de se reconhecer que alterando determinados comportamentos, qualquer pessoa, homem ou mulher, pode diminuir seu perfil de vítima, mitigando sua vulnerabilidade. Nestes termos, saber se comportar é, justamente, não se comportar de forma a aumentar as possibilidades de vitimização.

Exemplos de comportamentos que diminuem as possibilidades de vitimização sexual da mulher:

a) Não deixar copos de bebidas desacompanhados ou não aceitar bebidas de estranhos, evitando o famigerado estupro por violência química, vulgarmente conhecido por “boa noite, cinderela”;

b) No caso de menores de idade, especialmente crianças, não conversar ou confiar em estranhos, seja na rua, seja na rede mundial de computadores. Tal comportamento defensivo evitaria muitas situações de crimes de estupro de vulneráveis e de exposição de imagens eróticas;

c) Zelar pela privacidade evitando expor informações de sua vida particular em redes sociais. No caso de ofensores motivados, a internet por funcionar como uma importante fonte de informações que aumentam o perfil de vulnerabilidade do alvo;

d) Evitar situações no qual permanece-se sozinha com pessoas desconhecidas em ambientes fechados ou locais ermos; e

e) No caso de assédio sexual no ambiente de trabalho, é recomendado, nalguns estudos sobre prevenção, que a vítima evite roupas reveladoras ou impróprias ao desempenho da atividade profissional.

É evidente que a apresentação sintética de algumas precauções, como são as citadas anteriormente, não esgotam o rol de possibilidades defensivas para diminuir as possibilidades de ser vitimada por um crime sexual, nem mesmo evitam por completo a possibilidade de um estupro, especialmente considerando crimes passionais ou um agressor altamente motivado. Também é certa a injustiça de um mundo no qual uma pessoa é forçada a mudar sua rotina para evitar ser brutalizada por criminosos. Entretanto, deixar de reconhecer que vivemos numa sociedade perigosa e não tomar providências simples e eficazes que aumentam a segurança pessoal é de uma ingenuidade ou temeridade sem tamanho. Nesta esteira, trata-se de um enorme desserviço à prevenção dos crimes sexuais aquelas ações e discursos que afirmam que a mulher não deve alterar seu comportamento, pois tal discurso, em verdade, afirma que a mulher não deve se preocupar e/ou tomar providências contra os horrores que podem, injustamente, lhe atingir.

Em suma: A modificação da rotina e do comportamento de uma pessoa pode diminuir a vulnerabilidade individual e, por consequência, mitigar as possibilidades de tornar-se vítima. Neste sentido, portanto, é correto afirmar que se a mulher souber se comportar, o número de estupros possivelmente diminuirá.

Perfeito. Os ativistas já podem tirar o sorvete da testa.

III.

Por fim, o doutor em economia Adolfo Sachsida – que algumas semanas atrás participou de um hangout com meu vizinho de blog Rodrigo Constantino sobre outros assuntos – mostrou como o SIPS (Sistema de Indicadores de Percepção Social) usado pelo IPEA é falho.

Ele resumiu assim em seu blog:

(…) a AMOSTRA DA PESQUISA NÃO PODE SER EXPANDIDA PARA O BRASIL. A amostra que baseou o estudo do IPEA (SIPS) sofre de viés de seleção amostral. Essa amostra NÃO serve para se fazer inferências para a população brasileira. Eu já fiz um vídeo explicando isso. A amostra da SIPS entrevista as pessoas em casa durante o horário comercial. Isso acaba tirando a aleatoriedade da mesma. Afinal, existe um padrão estatístico para pessoas que estão em casa, em dias de semana, no horário comercial, diferente do padrão do restante da população. Te pergunto: durante a semana você está em casa durante o horário comercial? Você verá que, numa ampla gama de casos, quem está em casa nessa hora são empregadas domésticas, faxineiras, babás e afins. Ou seja, a pesquisa SIPS acaba sobre-representando pessoas com tal característica na amostra. Prova disso é que 66% dos entrevistados eram mulheres, participação feminina bem acima da participação delas na população geral.
Eis o vídeo. Transcrevo em seguida a parte principal, lembrando que Adolfo Sachsida fala espontaneamente, lembrando frases de cabeça, o que gera algumas imprecisões eventuais. No fim, de passagem, em parte que não transcrevi, ele estranha a resposta sobre a questão do “merecem ser atacadas”, mas o leitor que chegou até aqui neste post já sabe que ela, também, era absurda – e já está preparado para avaliar com o que concorda, afinal.
[youtube https://www.youtube.com/watch?v=Eai83tWBFVU?wmode=transparent&fs=1&hl=en&modestbranding=1&iv_load_policy=3&showsearch=0&rel=1&theme=dark&feature=share&list=UUdivG5uywW1-UHNG5NGpExQ&w=620&h=349%5D

Eu conheço mais ou menos essa base de dados. Essa pesquisa do IPEA foi feita com base numa [metodologia de] pesquisa chamada SIPS [Sistema Integrado de Percepção Social]. (…) Meu ponto aqui é o seguinte: tem gente lendo essas entrevistas da maneira errada, tem gente colocando resultado que não está nessas entrevistas. Então olha só: eu já tive uma experiência com a SIPS. Coisa de um ano atrás, mais ou menos, me chamaram pra participar da SIPS, eu fiquei superfeliz, por quê?

Porque é a chance de você construir um banco de dados. E aí eu bolei um bando de dados para replicar um estudo da American Economic Review, que era o quê? Era um estudo para verificar a probabilidade de as pessoas terem arma de fogo em casa. Fiquei feliz da vida. Aí fizeram o estudo. Aí quando eu rebebi os dados, eu comecei a trabalhar neles… Cara! Com uma hora, uma hora e meia trabalhando nos dados, eu comecei a checar coisas normais que você faz quando você mexe com estatística.

Aí eu fui atrás tentar saber o que é que estava acontecendo. Qual que era o problema meu? Tinha mulher demais na minha pesquisa! Quando você faz uma pesquisa aleatória, mais ou menos a participação de cada grupo dentro da amostra tem que bem ou mal corresponder à participação desse grupo na população geral. É por isso que se faz desenho amostral. Só que, cara, tinha mulher demais na minha amostra, daí eu falei: não, tem algo errado com isso aqui. E aí, na minha época, um ano atrás, eu descobri algo errado.

A SIPS, ela entrevista a pessoa dentro da casa dela. Só que em horário comercial. Cara, pra quem não é acostumado em estatística, quando você faz uma amostra, essa amostra tem que ser aleatória, ou seja, ela não pode ter uma característica que gera algum processo de distribuição que mude a probabilidade de você ser sorteado pra responder… Eu tô confundindo aqui [vocês], mas quem entende de estatística sabe do que eu estou falando. As pesquisas têm que ser aleatórias.

A SIPS, quando ela vai na casa da pessoa em horário comercial, isso não é mais aleatório. Eu pergunto pra você que está me ouvindo: você estava na sua casa hoje em horário comercial. Não tava! Praticamente ninguém está na sua casa em dia de semana em horário comercial. Então, quem é que está em casa em dia de semana em horário comercial? Eu vou dizer pra você: é a babá, é a faxineira, é a sua empregada e, às vezes, você. Bom, eu fui olhar a SIPS atual agora…

Então, na minha época, eu parei o estudo. Eu falei: ó, não dá para usar a SIPS para fazer esse estudo de arma de fogo. Por quê? Porque a amostra não está aleatório, isso aqui não está certo. Passou um tempo, me chamara pra participar de outra SIPS sobre percepção de imigração. Eu escrevi um e-mail – eu registrei! -, dizendo por que eu não concordava em usar a SIPS e ressaltando os problemas amostrais. Então, o que é que eu estava falando? Tem que tomar muito cuidado para divulgar resultado da SIPS.

Por quê? Porque o desenho amostral dela não é o desenho amostral que as pessoas estão querendo fazer inferência. Então hoje está lá manchete em tudo quanto é jornal: “IPEA mostra que a população brasileira é machista”. Cuidado! Não dá para inferir dessa pesquisa resultado sobre a população brasileira. Por quê? Porque você fez uma pesquisa que está entrevistando as pessoas dentro de casa em horário comercial. Antes de eu fazer esse vídeo, eu fui dar uma lida na pesquisa.

Adivinha o que acontece de novo? 66% das pessoas que responderam a entrevista são mulheres, entenderam? Eu vou repetir: 66% das pessoas que responderam a entrevista são mulheres. Cara! A participação da população feminina na população brasileira não é de 66%. Então você logo vê que o mesmo problema antigo que tinha na SIPS continua. Aí eu fui dar uma outra olhada: raça, ou seja, cor. Meus amigos, 60% das pessoas que responderam a pesquisa são não brancos. Até mais, tá? [Na verdade, são 61,3% não brancos; e 38,7% brancos]

Resumindo: nós tivemos 66% de mulheres e mais de 60% de não brancos respondendo a essa pergunta, entenderam? Quem é que é mulher e não branco, e está em casa em horário comercial? É a empregada doméstica, é a faxineira, é a babá… É claro: tem outros também! Mas eu estou falando o seguinte: você está supra-representando uma população! Então você não pode fazer inferência para a população brasileira como um todo, como alguns jornais estão fazendo.

Outra coisa: eu li a pesquisa. Nessa pesquisa, 91% das pessoas dizem que homem que bate em mulher tem que ir pra cadeia, tem que ir preso! Bicho: como que uma população – 91%! – que diz que homem que bateu em mulher tem que ser preso… Você vai me dizer que essa população é machista, cara!? Tá complicado… Aí, tão fazendo um escarcéu danado em duas perguntas…

Cara, essa SIPS, eu acho que tem 27 perguntas. Em 25 perguntas, você vai ver que o homem brasileiro, que a mulher brasileira, que a sociedade brasileira NÃO TOLERA VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER. Na esmagadora maioria das respostas, não existe tolerância à violência contra a mulher. Você [os entrevistados] quer que homem que bata em mulher seja preso, você não aceita um homem xingar uma mulher…

Então isso mostra uma sociedade que de maneira alguma é machista. Agora: tem duas perguntas lá que a imprensa está dando destaque. A primeira é a seguinte: uma mulher que se veste de uma maneira inadequada, ela está estimulando a agressão? Uma parcela significativa dos entrevistados disse que sim: que a mulher, quando se veste de maneira inadequada, ela está estimulando a agressão. Bom, você pode ler isso como sinal de que a sociedade brasileira é machista: “Tá vendo? Só porque a mulher está se vestindo aí de uma maneira um pouco mais à vontade, as pessoas dizem que ela merece ser estuprada!” Isso é uma leitura. Isso realmente é errado, se as pessoas estão pensando isso.

Agora tem outra maneira de ler esta questão. Veja: imagina uma mulher de calça jeans, imagina uma mulher de minissaia. Qual mulher é mais fácil de ser estuprada? Isto não é uma questão de opinião. Isto não é o Adolfo que está falando. Isso é uma questão fatídica. É um fato. Uma mulher que está usando calça jeans, fisicamente é mais difícil de ela ser violentada do que uma mulher que está usando minissaia. Isso não quer dizer que eu concorde que alguém deva mexer com uma mulher só porque ela está usando uma minissaia. Não, de maneira alguma, discordo, eu desprezo completamente quem faça isso. Mas a pergunta…

Se você perguntar pra mim: “Adolfo, uma mulher que se veste de tal maneira, ela estimula a agressão sexual?” A resposta é óbvia: é claro que sim! Por quê? Porque, para o agressor, é muito mais fácil agredir uma mulher sexualmente que está usando do que uma mulher que está usando calça jeans. Isto não é que eu concorde com o agressor, de maneira alguma! Mas isso é um fato.

Então boa parte dessa resposta que chocou as pessoas pode estar refletindo não um grau de machismo da população brasileira, mas uma constatação básica. Que, quando uma pessoa está usando jaqueta e calça jeans, é mais difícil ser estuprada do que quando está usando minissaia e um bustiê. Isso não quer dizer que eu concorde. Se você perguntar pra mim: “Adolfo, o fato de a mulher estar usando menos roupa facilita o estupro?” É claro que facilita! É um fato físico! Então, gente, muito cuidado com o que vocês estão vendo na imprensa!

Aliás, não é a primeira vez que o IPEA solta uma pesquisa [suspeita], sabe… Há pouco tempo soltou uma pesquisa dizendo que negros eram mortos só porque eram negros. Essa pesquisa está errada! Está errada! Eu vi a pesquisa. Cara, não vou nem discutir aqui, para não falar mais. Mas essa pesquisa que diz que negro no Brasil é assassinado só porque é negro… [Isto] pode até ser verdade, mas a pesquisa está errada! Aquilo que está ali publicado está errado. A conclusão, pelo menos. A parte econométrica está certa. A conclusão é que está errada.

Mas enfim: essa pesquisa da SIPS que o IPEA fez de violência doméstica, dá para notar que a sociedade brasileira está totalmente contra a violência a mulher! A sociedade brasileira despreza o homem que xinga a mulher, a sociedade brasileira está desprezando a pessoa que bate na mulher. Mas tem uma pergunta lá que dá uma leitura um pouco confusa e que está dizendo aí que o brasileiro, ele aceita que a mulher é culpada da violência sexual. (…)

UFA. Artigos anteriores:
Reportagem, não! Fantástico faz propaganda da campanha “Eu não mereço ser estuprada” e da pesquisa do IPEA
– Estupro? Machismo? Culpa? Levante a plaquinha: “Eu não mereço ser enganada pelo IPEA!” E mais: maioria defende pena de morte ou prisão perpétua a estupradores!
– A culpa do estupro não é da mulher, mas a da confusão é da pesquisa do IPEA! Essa, sim, merece ser “atacada”!

* Parágrafos acrescentados ou editados com mais informações horas após a publicação deste artigo.

Felipe Moura Brasil – https://www.veja.com/felipemourabrasil

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PS: A moderação dos comentários atrasou nesta terça, mas será feita agora. A propósito: Se os ativistas soubessem se comportar, haveria mais aprovações…

[Acréscimo de 4 de abril: FIM DA FARSA DO IPEA! ATENÇÃO PARA ESTE ARTIGO: País de estupradores, uma ova! IPEA admite que… eu estava certo! Ai, que chato! Maioria discorda de ataques às mulheres! Só falta o instituto, os jornais, a TV e os ativistas admitirem o proselitismo ideológico também]

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