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Análises irreverentes dos fatos essenciais de política e cultura no Brasil e no resto do mundo, com base na regra de Lima Barreto: "Troça e simplesmente troça, para que tudo caia pelo ridículo".
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ANÁLISE: As falhas da Folha e de Jucá

Blog faz estudo de caso sobre gravação e repercussão da conversa do ministro agora afastado

Por Felipe Moura Brasil Atualizado em 30 jul 2020, 22h39 - Publicado em 23 Maio 2016, 22h26

Tuitei no domingo:

PGR Juca

Nesta segunda, a Folha revelou a gravação de março passado em que o ministro do Planejamento, senador licenciado Romero Jucá (PMDB-RR), fala com o ex-presidente da Transpetro e aliado de Renan Calheiros, Sérgio Machado, sobre o que o jornal chamou de “pacto para deter avanço da Lava Jato”.

Por enquanto, porém, não há qualquer mandado de prisão contra os participantes da conversa, assim como tampouco há contra Lula, Dilma Rousseff e José Eduardo Cardozo, todos eles investigados por tentativa de obstrução da Lava Jato e agora felizes com a nova companhia no time.

Juca

O “fato de um cidadão se preocupar com o andar de investigações, conversando privadamente, fazendo questionamentos e críticas, não configura nada de ilegal ou imoral”, disse o advogado de Jucá, Antonio Carlos de Almeida Castro, o Kakay.

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Habilidoso no uso das palavras, Kakay ameniza a gravidade do caso, mas convém analisar se – e o quanto – sua frase se aplica ao comportamento de Jucá, bem como se – e o quanto – a descrição feita pela Folha se aplica ao conteúdo da gravação que está em poder da Procuradoria-Geral da República.

Abaixo, este blog analisa, por partes, os fatos e nuances do caso, mas avisa de antemão:

Embora questões factuais, opinativas, morais, legais, políticas, governamentais e jornalísticas se misturem no debate público, imersas em toda a indignação e a militância que um caso como este desperta, aqui vamos distingui-las sem histeria nem pressa para concluir sobre escolhas e responsabilidades, ok?

1) Jucá disse o que está no título e na matéria de capa da Folha?

capa folha juca

Capa da edição impressa desta segunda-feira, 23 de maio de 2016

folha juca

Chamada na home do site da Folha

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Na semana passada, publiquei aqui o artigo “Folha distorce fala de ministros e depois inventa ‘recuo’“, mostrando como o jornal dava destaque no título de uma matéria e na introdução de outra a supostas declarações de Ricardo Barros e Alexandre Moraes cujos sentidos e formas de expressão passavam longe das falas originais de ambos.

A distorção teve um efeito cascata (literalmente) e até hoje jornalistas incluem entre inegáveis “recuos” do governo de Michel Temer as duas invenções da Folha.

O caso de Jucá tem elementos semelhantes e distintos, em diferentes graus, em relação àquelas supostas reportagens.

a) Uma semelhança é que o ministro não fala com todas as letras, em momento algum do diálogo transcrito, em “pacto para deter avanço da Lava Jato”.

Que Jucá se refere a “deter avanço da Lava Jato” é mais uma inferência do jornal, por mais que haja elementos no diálogo que deem margem a essa conclusão.

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Em diferentes momentos e – podendo-se alegar – contextos, Jucá usa, na verdade, as seguintes expressões, uma vez cada uma: “tem que ter impeachment, não tem saída”, “poder estancar essa sangria”, “delimitava onde está, pronto” e “tem que ter um pacto”.

Juridicamente, a princípio, nenhum desses trechos o compromete, se não houver qualquer evidência ou mesmo indício de que praticou ilegalidades para obstruir a operação.

(Ao contrário de Dilma Rousseff com Lula, o presidente Michel Temer tampouco incorreu em qualquer desvio de finalidade quando nomeou o já investigado Jucá como ministro, posto que, como senador eleito, ele já dispunha de foro privilegiado no Supremo Tribunal Federal.)

Neste sentido, Kakay tem razão ao dizer que a conversa não configura nada de ilegal.

b) Quem toma a iniciativa de falar, em tom de proposta, em possível “acordo” que “protege o Lula, protege todo mundo” é Machado, não Jucá.

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Machado ainda repete mais duas vezes a palavra “acordo”, possivelmente em outro contexto, como já se verá.

“Tem que separar o que ele disse do que eu digo”, afirmou Jucá em entrevista coletiva, não sem razão neste ponto, após a repercussão negativa da matéria.

c) Ao contrário do então senador Delcídio do Amaral, preso após ser flagrado em gravação, Jucá não aparece em áudio planejando fuga de detento, nem tentando comprar silêncio de delator, nem mesmo falando abertamente em obstruir a Justiça.

“A única relação, se assim podemos dizer, é porque ambos foram gravados sem terem conhecimento”, disse Kakay, não sem razão neste ponto também, pelo menos em termos de legalidade, não de moralidade e decência.

d) A matéria original da Folha, logo na introdução, afirma que Jucá sugeriu “que uma ‘mudança’ no governo federal resultaria em um pacto para ‘estancar a sangria’ representada pela Operação Lava Jato, que investiga ambos” (ele e Machado).

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O trecho “representada pela Operação Lava Jato” é novamente uma inferência da Folha, já que Jucá não deixa explícito no diálogo à qual sangria se refere.

Tanto é assim que, após a repercussão, o ministro logo alegou ao jornal:

“É estancar a sangria da economia, do que está ocorrendo com o país, qual é a vantagem de mudança do governo.”

Em tese – e não estou entrando em matéria de opinião ainda –, Jucá podia estar se referindo à Lava Jato e pode agora estar mentindo a respeito, assim como – em tese, repito – podia estar se referindo à economia – mencionada por ele próprio no início do diálogo, como se vê abaixo – e pode agora estar falando a verdade.

Juca economia

e) Após o pronunciamento de Jucá, no entanto, a Folha publicou nova matéria, revelando o áudio da gravação e tentando desmentir o ministro: “Jucá não falou sobre economia ao citar ‘sangria’; ouça“.

O jornal diz que, “ao contrário do que tem afirmado”, Jucá “não mencionou a situação econômica brasileira quando falou sobre ‘estancar a sangria’”.

Ao contrário do que diz a Folha (sem aspas que a confirmem), Jucá não disse que MENCIONOU a economia ao falar da sangria: ele simplesmente alegou que se REFERIA à economia ao falar da sangria.

Não satisfeita com as inferências iniciais, portanto, a Folha ainda faz inferências sobre o desmentido do ministro para então publicar um falso desmentido e aumentar a confusão.

O jornal não precisava disso para informar o que afirmou em seguida:

“Nesse contexto de impedir que a Lava Jato conseguisse uma confissão de Machado é que Jucá sugeriu ‘estancar a sangria’.”

Esta frase da Folha não está errada (como se pode ver no item ‘g’ deste post), mas a nova matéria omite que “a expectativa da economia” já havia sido citada por Jucá no contexto de argumentações em favor do impeachment, de modo que – em tese, pelo menos – ele podia estar remetendo à sangria a este que era um dos panos de fundo da conversa.

Há uma diferença considerável entre alguém dizer algo com todas as letras e dizer uma frase em determinado contexto que faça supor que algo foi dito, mesmo quando algo parece óbvio.

Se houve um desmentido neste ponto específico, portanto, foi o da nova matéria da Folha, que desmentiu, na prática, a matéria original.

A primeira cravou. A segunda associou a um contexto, mostrando involuntariamente que não dava mesmo para cravar.

f) Este blog repudia, mais uma vez, que inferências sejam divulgadas como fatos inequívocos em matérias de repórteres que se passam por noticiosas, independentemente de quem seja o alvo da vez e do grau de ilegalidade e/ou imoralidade dos atos revelados.

Lugar de inferências é em blogs e colunas de análise e opinião e, mesmo assim, convém deixar clara ao leitor, na medida do possível – e quando a obviedade não é patente –, a distinção entre elas e os fatos.

Em notícia, essa distinção é imprescindível, sem prejuízo algum à liberdade do jornal de apontar interpretações possíveis sobre o material divulgado, até mesmo no título da matéria, como fez a própria Folha, por exemplo, no caso da gravação de Lula e Dilma Rousseff:

folha juca 2

Quem “sugere”, naquele caso, é a gravação – ou seja: que Dilma agiu para evitar a prisão de Lula era uma interpretação possível do diálogo, segundo a manchete; sendo que tal interpretação não era nem mesmo feita pelo jornal, mas sim pelos próprios investigadores do caso, como informava a matéria:

“Os investigadores da Lava Jato interpretaram o diálogo como uma tentativa de Dilma de evitar uma eventual prisão de Lula.”

Em nenhum momento, portanto, a Folha fazia inferências a respeito dos petistas, como fez agora na primeira matéria sobre Jucá, atribuindo ao peemedebista uma sugestão não explícita no diálogo, sem mencionar que se trata de interpretação da fala original feita pelo repórter Rubens Valente, não por investigadores mencionados no texto.

g) O trecho abaixo sobre a “sangria” dá margem, sim, aos piores pensamentos sobre Jucá, mas convém fazer as devidas distinções.

O contexto é o medo de Machado de “descer” para a alçada do juiz Sergio Moro.

“Machado – A Camargo vai fazer ou não. Eu estou muito preocupado porque eu acho que… O Janot está a fim de pegar vocês. E acha que eu sou o caminho.

Jucá – [inaudível]

Machado – Hum?

Jucá – Mas como é que está sua situação?

Machado – Minha situação não tem nada, não pegou nada, mas ele quer jogar tudo pro Moro. Como não tem nada e como eu estou desligado…

Jucá – É, não tem conexão né…

Machado – Não tem conexão, aí joga pro Moro. Aí fodeu. Aí fodeu para todo mundo. Como montar uma estrutura para evitar que eu “desça”? Se eu descer…

Fica clara, no trecho acima, a insinuação de Machado de que, se ele “descer” para Moro, “fodeu para todo mundo” – ou seja: ele poderia envolver “todo mundo” em sua delação, como de fato está fazendo agora. É nesse contexto de aparente chantagem que Machado pede ajuda a Jucá para evitar que “desça”.

Jucá – O que que você acha? Como é que voc…

Machado – Eu queria discutir com vocês. Eu cheguei a essa conclusão essa semana. Ele acha que eu sou o caixa de vocês, o Janot. Janot não vale “cibazol” [algo sem valor]. Quem esperar que ele vai ser amigo, não vai… […] E ele está visando o Renan e vocês. E acha que eu sou o canal. Não encontrou nada, não tem nada.

Jucá – Nem vai encontrar, né, Sérgio.

Machado – Não encontrou nada, não tem nada, mas acha… O que é que faz? Como tem aquela delação do Paulo Roberto dos 500 mil e tem a delação do Ricardo, que é uma coisa solta, ele quer pegar essas duas coisas. ‘Não tem nada contra os senadores, joga ele para baixo’ [Curitiba]. Tem que encontrar uma maneira…

Jucá – Você tem que ver com seu advogado como é que a gente pode ajudar. […] Tem que ser política, advogado não encontra [inaudível]. Se é político, como é a política? Tem que resolver essa porra… Tem que mudar o governo pra poder estancar essa sangria.

A expressão “estancar essa sangria” é vaga e há duas lacunas na fala de Jucá que dificultam sua interpretação, embora a Folha crave, sem a menor cerimônia, que ela dizia respeito à Lava Jato. Parece que se referia? Pode até parecer. Mas não é explícito.

“Naquela época, o país sangrava por todos os poros”, alegou Kakay. “Ele diz que era preciso estancar essa sangria.”

É uma alegação plausível (ainda que possa ser apenas uma saída jurídica mentirosa)? É, sim. Até porque a palavra “sangria”, assim como a metáfora sobre o Brasil sangrar, era frequentemente utilizada para descrever a situação do país, e especialmente da Petrobras, sob o governo Dilma.

A menção sobre “mudar o governo”, assim como outros trechos do diálogo (reproduzidos adiante), indica, em primeiro lugar, que Jucá tentava convencer e fornecer argumentos a seu interlocutor de que, por motivos variados, o impeachment era a melhor opção, ao contrário do que acreditava o presidente do Senado, Renan Calheiros, aliado de Machado.

Jucá, aparentemente, buscava persuadir Renan, por meio de Machado, a embarcar no impeachment, sendo esta busca, em tese, um procedimento legítimo do jogo político. Já Machado, autor da gravação (e também de outras com Renan e José Sarney), pedia ajuda a Jucá para escapar da cadeia – o que é bem menos republicano (talvez insinuando que poderia comprometê-lo caso visse a ser preso – o que configuraria chantagem).

Esses dois interesses se sobrepõem e se confundem no diálogo, somando-se a eles a possível tentativa de Machado de induzir Jucá a dar com a língua nos dentes e a oferecer-lhe ajuda. (Aparentemente, o ex-presidente da Transpetro já colhia material para sua delação premiada, seja em articulação com a PGR, seja na esperança de entregar os outros para se safar mais cedo da prisão.)

Jucá pode ter visto no medo de Machado de ser preso uma brecha para persuadi-lo dos argumentos em favor do afastamento de Dilma, de modo que a indecência mais grave no comportamento do então senador estaria em consentir com Machado que o futuro governo poderia deter a Lava Jato em seu favor.

A ocorrência desse consentimento, no entanto, não é um fato inequívoco. Inequívoca é a intenção de Jucá de “mudar o governo”.

h) Na primeira matéria, a Folha diz:

“Jucá concordou que o caso de Machado ‘não pode ficar na mão desse [Moro]’.”

Essa suposta concordância não aparece em transcrição alguma da gravação revelada pelo jornal.

i) Outro trecho da primeira matéria relata:

“O senador relatou ainda que havia mantido conversas com ‘ministros do Supremo’, os quais não nominou. Na versão de Jucá ao aliado, eles teriam relacionado a saída de Dilma ao fim das pressões da imprensa e de outros setores pela continuidade das investigações da Lava Jato.”

Que as pressões supostamente referidas pelos ministros eram “pela continuidade das investigações da Lava Jato” é mais uma inferência da Folha, como se vê pela transcrição do respectivo trecho no diálogo original:

“JUCÁ – [Em voz baixa] Conversei ontem com alguns ministros do Supremo. Os caras dizem ‘ó, só tem condições de [inaudível] sem ela [Dilma]. Enquanto ela estiver ali, a imprensa, os caras querem tirar ela, essa porra não vai parar nunca’. Entendeu? Então… Estou conversando com os generais, comandantes militares. Está tudo tranquilo, os caras dizem que vão garantir. Estão monitorando o MST, não sei o quê, para não perturbar.”

Quem substituiu “inaudível” e “essa porra” por “pressões pela continuidade das investigações da Lava Jato” foi a Folha. Que havia pressão da sociedade pela saída de Dilma, todos sabem, de modo que “essa porra não vai parar nunca”, pode ser simplesmente a constatação de que a pressão pela saída de Dilma jamais pararia.

Quanto ao restante do trecho acima, nada há de comprometedor em argumentar que os militares garantiriam o cumprimento da Constituição, caso houvesse qualquer perturbação da ordem em caso de impeachment legal, não havendo, portanto, motivo para temer uma eventual guerra civil, por exemplo.

Trata-se apenas de mais um argumento de Jucá em favor do impeachment.

j) A continuação imediata da conversa resulta na palavra “pacto” dita por Jucá:

“MACHADO – Eu acho o seguinte, a saída [para Dilma] é ou licença ou renúncia. A licença é mais suave. O Michel forma um governo de união nacional, faz um grande acordo, protege o Lula, protege todo mundo. Esse país volta à calma, ninguém aguenta mais. Essa cagada desses procuradores de São Paulo ajudou muito. [referência possível ao pedido de prisão de Lula pelo Ministério Público de SP e à condução coercitiva ele para depor no caso da Lava jato]

JUCÁ – Os caras fizeram para poder inviabilizar ele de ir para um ministério. Agora vira obstrução da Justiça, não está deixando o cara, entendeu? Foi um ato violento…

MACHADO –…E burro […] Tem que ter uma paz, um…

JUCÁ – Eu acho que tem que ter um pacto.”

Quem falou em “acordo” que “protege o Lula, protege todo mundo” foi Machado.

Jucá não especifica o “pacto” que quer. Antes, ele vinha falando dos argumentos em favor do impechment, em torno do qual, obviamente, ele queria um pacto.

Se o mencionado “pacto” incluía atrapalhar a Lava Jato, isto não foi dito por Jucá. Concluir que incluía, portanto, é fazer outra inferência.

l) O trecho do diálogo sobre Renan deixa clara a busca por persuadi-lo:

“MACHADO – Rapaz, a solução mais fácil era botar o Michel [Temer].

JUCÁ – Só o Renan [Calheiros] que está contra essa porra. ‘Porque não gosta do Michel, porque o Michel é Eduardo Cunha’. Gente, esquece o Eduardo Cunha, o Eduardo Cunha está morto, porra.”

Jucá claramente busca quebrar a tese atribuída a Renan de que Temer é Cunha, argumentando que esquecessem Cunha – que tirassem Cunha da equação do impeachment – porque ele “está morto” – prestes a ser cassado (como acabou sendo) ou preso – em função de seus notórios problemas com a PGR, o STF e a Comissão de Ética da Câmara.

m) A continuação imediata do diálogo ainda dá margem a outra polêmica:

“MACHADO – É um acordo, botar o Michel, num grande acordo nacional.

JUCÁ – Com o Supremo, com tudo.

MACHADO – Com tudo, aí parava tudo.

JUCÁ – É. Delimitava onde está, pronto.”

Quem fala em “acordo”, “grande acordo nacional”, repito, é Machado.

Quando Jucá fala “Com o Supremo, com tudo”, seus adversários obviamente inferem que ele se refere a um acordão que inclui até o STF, mas o fato é que não fica claro nem mesmo se ele ainda está falando de Cunha em continuação à sua própria frase anterior, que resultaria perfeitamente coerente assim:

“Cunha está morto, porra… Com o Supremo, com tudo”. De fato: está (ao menos, sob certo ponto de vista).

É comum em qualquer diálogo, real ou virtual, que frases de um interlocutor se sobreponham às de outro e a ordem tumultue a compreensão do sentido e da intenção de cada um.

(Ainda que não fosse assim, um “grande acordo nacional” não é necessariamente algo ilegal. O afastamento de Dilma, no sentido de ser desejado pela maioria da sociedade e do Congresso, pode ser entendido como um “grande acordo nacional”, sem prejuízo algum à base legal do processo e ao enquadramento dos crimes de responsabilidade de que a petista é acusada.)

Machado, no entanto, pendurou-se nos termos usados por Jucá e soltou a frase “Com tudo, aí parava tudo”, talvez dando um sentido diferente ao que Jucá pretendia, e talvez não, embora nenhum dos dois sentidos resulte claro e explícito.

Jucá então concorda – seja lá com o que entendeu – dizendo: “É. Delimitava onde está, pronto”.

Cada cidadão pode achar o que quiser sobre esse trecho, de acordo com seus níveis de leitura, imaginação, ideologia ou partidarismo, mas o fato é que o verbo “delimitar” numa frase tão carente de complementos não delimita, com o perdão do trocadilho, sentido algum que possa ser cravado como inequívoco.

Entre “delimitava onde está” e “deter avanço da Lava Jato”, vai uma distância enorme.

Em entrevista coletiva, Jucá alegou o seguinte:

“Delimitar responsabilidade é definir quem tem culpa e quem não tem. Não é paralisar a investigação. Ninguém em sã consciência pode entender que há como barrar a Lava Jato.”

É uma explicação plausível? É, sim, como provavelmente seriam outras centenas.

Se o jornal considera uma delas a mais provável, que a deixe explícita como opinião.

Caso contrário, é militância disfarçada.

n) O trecho mais controverso do diálogo talvez seja o que contém a expressão “boi de piranha”, usada por Jucá:

“[…]

MACHADO – O Renan [Calheiros] é totalmente ‘voador’. Ele ainda não compreendeu que a saída dele é o Michel e o Eduardo. Na hora que cassar o Eduardo, que ele tem ódio, o próximo alvo, principal, é ele. Então quanto mais vida, sobrevida, tiver o Eduardo, melhor pra ele. Ele não compreendeu isso não.

JUCÁ – Tem que ser um boi de piranha, pegar um cara, e a gente passar e resolver, chegar do outro lado da margem.”

A expressão “boi de piranha”, como resume a Wikipédia, “vem do meio rural, onde criadores de gado, ao atravessar um rio infestado de piranhas, abatiam um dos touros, já velho e/ou doente, e atiravam seu corpo, sangrando, ao rio, para atrair os peixes carnívoros enquanto eles passavam com o rebanho”.

A expressão pode designar “o ato de alguém se sacrificar para livrar uma outra pessoa de alguma dificuldade”.

Jucá aparentemente se refere a Cunha como boi de piranha e fala em “a gente passar e resolver”, mas não diz passar para onde, nem resolver o quê.

Passar para o governo após o impeachment? Passar no sentido de sobreviver às investigações da Lava Jato? Resolver a questão do impeachment? Resolver no sentido de “chegar do outro lado da margem” (que poderia ser apenas o governo)? Resolver frear a Lava Jato quando estiver no governo?

Todas essas (e possivelmente outras) opções são possíveis, sendo somente a última de fato indecente. Considerá-la a verdadeira ou a mais provável é, mais uma vez, uma inferência. A aplicação da expressão “boi de piranha”, quanto mais num diálogo oral, não implica necessariamente que o rebanho tenha a mesma doença (no caso, a culpa) que o touro doente (Cunha).

o) A conversa também menciona tucanos:

MACHADO – A situação é grave. Porque, Romero, eles querem pegar todos os políticos. É que aquele documento que foi dado…

JUCÁ – Acabar com a classe política para ressurgir, construir uma nova casta, pura, que não tem a ver com…

(Neste trecho, Jucá parece Lula falando com Eduardo Paes em conversa interceptada sobre os “meninos do Ministério Público” que “se sentem enviados de Deus”.)

MACHADO – Isso, e pegar todo mundo. E o PSDB, não sei se caiu a ficha já.

JUCÁ – Caiu. Todos eles. Aloysio [Nunes, senador], [o hoje ministro José] Serra, Aécio [Neves, senador].

MACHADO – Caiu a ficha. Tasso [Jereissati] também caiu?

JUCÁ – Também. Todo mundo na bandeja para ser comido.

Que a Lava Jato, na opinião de Jucá e Machado, queira pegar todo mundo e construir uma casta pura, e que Jucá insinue que tucanos estão com medo, não implica que, para Jucá e Machado, esses tucanos são culpados de qualquer crime. Isto não está dito em lugar algum.

Não implica, tampouco, que a descrição de Jucá feita na conversa informal com Machado corresponda à verdade sobre o sentimento desses tucanos, nem que estes lhe tenham confessado tal coisa.

“[…]

MACHADO – O primeiro a ser comido vai ser o Aécio.

JUCÁ – Todos, porra. E vão pegando e vão…

MACHADO – [Sussurrando] O que que a gente fez junto, Romero, naquela eleição, para eleger os deputados, para ele ser presidente da Câmara? [Mudando de assunto] Amigo, eu preciso da sua inteligência.”

O PSDB divulgou a seguinte nota a respeito deste trecho, atendo-se obviamente aos fatos de conhecimento público:

“Não existe nos diálogos nenhuma acusação ao PSDB e aos senadores citados. No que diz respeito à menção à eleição do senador Aécio Neves para presidente da Câmara dos Deputados, em 2001, ela se refere ao entendimento político pelo qual o PSDB apoiou o candidato do PMDB para presidente do Senado e o PMDB apoiou o candidado do PSDB para presidente da Câmara. Entendimento legítimo, feito de forma correta e amplamente acompanhado pela imprensa na época.”

O resto é inferência.

2) Feitas todas essas distinções, relembro meu tuíte da manhã (que, como de costume, inspirou posts em outros sites):
tuite juca 1

Sim: eu defendi de cara a saída de Jucá do ministério do Planejamento, não pelo que a Folha disse que ele disse, mas pela margem inegável que, indecentemente, ele deu para que esta hipótese – que deve, sim, ser investigada – seja verdadeira, conturbando ainda mais um país em crise e dando munição aos inimigos de um governo que assumiu o poder de modo constitucionalmente legítimo.

Mesmo que interessado na intermediação de Machado em prol do impeachment, a obrigação moral e até política de Jucá, como presidente interino do PMDB, era cortar (ou blindar-se contra) qualquer tentativa do interlocutor de associar o futuro governo à possibilidade de barrar a operação que mais combateu neste país a corrupção institucionalizada pelos governos do PT.

Temer paga o preço de ter investigados em seu governo, mas evitou um desgaste ainda maior ao decidir em menos de 12 horas, antes do Jornal Nacional, afastar Jucá, forçando-o a pedir demissão.

(Pode-se dizer até que as distorções da Folha contribuíram para o afastamento necessário do ministro – mas este blog, que é decente, se recusa a aplaudi-las.)

“O meu gesto é um exemplo de que somos transparentes e nada temos a esconder. Sei que não fiz nada de errado”, disse o protagonista do dia, acrescentando que vai esperar fora do governo a PGR se manifestar sobre o áudio.

Dilma teve 21 ministros investigados (contra 8 de Temer) e nunca afastou qualquer um deles por ser alvo da Lava Jato. A petista não apenas manteve na Esplanada gente do naipe de Aloizio Mercadante, Edinho Silva, Jaques Wagner, Ricardo Berzoini, Carlos Gabas e, claro, José Eduardo Cardozo, mas também nomeou Lula para impedir sua prisão, como indicam os pareceres de Gilmar Mendes e Rodrigo Janot.

Por mais que esperneiem os petistas, no embalo da indecência de Jucá, potencializada pelas inferências da Folha – e obviamente sem criticar o vazamento que tanto atacavam quando era com eles –, Temer é bem melhor que Dilma.

* Veja também o próximo post: “Retroceder a Dilma, nunca; render-se ao PT, jamais“.

Felipe Moura Brasil ⎯ https://veja.abril.com.br/blog/felipe-moura-brasil

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