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Análises irreverentes dos fatos essenciais de política e cultura no Brasil e no resto do mundo, com base na regra de Lima Barreto: "Troça e simplesmente troça, para que tudo caia pelo ridículo".
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A burocratização das mulheres

Por Felipe Moura Brasil Atualizado em 31 jul 2020, 03h13 - Publicado em 24 ago 2014, 15h26

Juveninho não consegue criar vínculo amoroso exclusivo com mulheres desprovidas de curiosidade intelectual autônoma.

No Rio de Janeiro, a maioria delas, mesmo quando o escuta com atenção, ou até quando lhe faz perguntas, nunca o faz pelo interesse pessoal no conteúdo efetivo de seu discurso ou, em outras palavras, pelo desejo genuíno de adquirir conhecimento, mas apenas pela satisfação imediata de ouvi-lo discorrer com inteligência e desenvoltura (e graça, diz Juveninho) sobre um tema qualquer. É como se estivessem pensando: “Que charmoso que ele é! Não vejo a hora de mostrar para as minhas amigas, junto com a bolsa e os sapatos que eu comprei!”

Há algumas providas de certo desejo, mas que transferem para Juveninho a função de transmitir-lhes conhecimento, acomodando-se em receber dele e somente dele a instrução que poderiam, também, buscar alhures, com uma autonomia que as faria decerto mais interessantes, ainda que Juveninho já soubesse tudo que elas viessem a aprender por conta própria. O problema, diz ele, não é a eventual incapacidade das moças de ensinar-lhe algo que não saiba, mas a absoluta ausência do senso de dever moral e amoroso de buscar saber, nem que seja só para enriquecer a conversa do casal. É como se estivessem pensando: “Agora que eu tenho um Juveninho para me ensinar tudo, posso cuidar só do cabelo, da pele e das miguxas longe dele.”

Não podem, diz Juveninho. Não se quiserem ter um Juveninho para chamar de seu. Poucas coisas, diz ele, são mais descartáveis do que uma mulher sem curiosidade; e, em matéria de descartar mulheres, Juveninho só não é uma sumidade porque, segundo os amigos, ele vai enrolando todas o quanto pode. Como poderia ele, afinal, vislumbrar um relacionamento longo com mulheres que lhe perguntam burocraticamente “como foi seu dia?” ou “trabalhando muito?” como quem bate um ponto na relação, sem a vontade de conhecer os pormenores e maiores da experiência laboral e seus assuntos? Como pode Juveninho namorar uma mulher para quem não apenas o trabalho é um simples modo de “ganhar a vida” desvencilhado de qualquer vocação autêntica (e nem mesmo usado para servir financeiramente a alguma), mas que é incapaz de conceber que alguém trabalhe por mais do que o dinheiro para aproveitar as férias?

Há mulheres para as quais falar do trabalho é mais entediante do que o próprio trabalho, de modo que, por pura projeção, elas não só imaginam que para o homem também o é, como creem que namorar é apenar sair junto para brincar no parquinho. Juveninho não gosta de dizer em público o que dirá no fim desta frase, e isto porque a patrulha politicamente correta desprovida do senso das nuances o acusaria de chamar mulheres de cachorras, mas o tipo mais comum de namorada na Disneylândia carioca, segundo Juveninho, é a do tipo poodle: aquela que está sempre esperando você levá-la para passear.

Tudo em profundidade, à exceção do sexo (em alguns casos, segundo Juveninho), parece a estas mulheres tremendamente aborrecido, sem contar os temas que, mesmo superficialmente, soam-lhe intragáveis, como, por exemplo, a política. Não que não seja, diz Juveninho, especialmente a política com “p” minúsculo, pequeno-partidária, que Juveninho também abomina porque, como dizia Joaquim Nabuco, “não só um mundo de coisas me parece superior a ela, como também minha curiosidade, o meu interesse, vai sempre para o ponto onde a ação do drama contemporâneo universal é mais complicada ou mais intensa”. Mas a incapacidade de enxergar o drama contemporâneo universal contido em acontecimentos de pano de fundo político – assim como esportivo, artístico, literário, cultural etc. – afunila as possibilidades de assimilação do conhecimento humano de tal forma que ninguém, segundo Juveninho, deveria se dar ao luxo de desprezar completamente aquilo que à primeira vista lhe parece chato.

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Juveninho não despreza. Tudo, absolutamente tudo lhe interessa, e uma mulher capaz de discorrer sobre qualquer tema, seja a botânica, o balé, o jazz, a arquitetura ou a engenharia mecatrônica, é-lhe sempre uma companhia mais enriquecedora do que aquelas que, mesmo quando empenhadas em qualquer atividade profissional ou extracurricular, não demonstram saber dela mais do que o necessário para, bem ou mal, exercê-la. No Rio de Janeiro, ninguém quer saber de nada, diz ele, a não ser do que tem de bom no fim de semana, e o “de bom” significa geralmente uma festinha pop. A melhor forma de constranger uma carioca seria perguntar-lhe que livro ela está lendo, mas a maioria das cariocas, segundo Juveninho, nem sequer se constrange de não estar lendo coisa nenhuma. É como se a única autonomia que elas desejassem fosse, quando muito, a financeira; e Juveninho só não vai a outros estados conhecer e namorar seus casinhos virtuais, porque, segundo os amigos, morre de medo de avião.

Antigamente, diz ele, as mulheres que estudavam psicologia, letras, história, filosofia e outras ciências sociais e humanas tinham alguma curiosidade intelectual autônoma, de modo que talvez bastasse aos Juveninhos da época fazer plantão na saída desses cursos para encontrar um grande amor. Agora, com o predomínio da ideologia de esquerda nesses ambientes, quando Juveninho faz plantão na saída, tudo que encontra são ativistas incuráveis, dançarinas de forró, maconheiras ou, na melhor das hipóteses, nerds feinhas que ele jamais pegaria. Juveninho nega ter a dificuldade confessada por outros autores lisos, segundo ele, para conquistar as primeiras, e tampouco declina da tarefa de educá-las durante o processo; apenas lamenta que sejam tão avessas a aprender o que está fora de sua bolha acadêmica enfumaçada.

E o que sobra? Sobram as burocráticas estudantes ou profissionais de administração e direito, aparentemente duas modas entre as moças do seu tempo, que em geral, diz ele, escolheram o primeiro curso por não saber o que fazer e o segundo na esperança de passar em concurso público, trabalhar pouco e ganhar muito para se sustentar e “curtir a vida”. São tão raras as administradoras que buscaram na área apenas as ferramentas para concretizar o sonho de montar determinado negócio e as advogadas movidas pelo verdadeiro ideal da justiça, o qual supõe uma entrega na compreensão das coisas do mundo para muito além da especialidade, que Juveninho, assim de cabeça, não se lembra de ter conhecido nenhuma. De médicas e engenheiras, Juveninho nem fala, porque o orgulho que a maioria sente de seguir carreiras outrora mais restritas aos homens e já recheadas por eles de uma vaidade pueril, infunde-lhes tamanho ar de sabedoria que tudo o mais parecem tratar como uma grande brincadeira. Não que Juveninho de vez em quando, segundo os amigos, não brinque de médico com elas.

Para ele, no entanto, a consequência mais nefasta da cultura brasileira de ódio ao conhecimento é a burocratização das mulheres. Quando os amigos o acusam de fazer generalizações descabidas sobre as brasileiras ou cariocas, ele manda todos procurarem as ativistas de esquerda nos forrós universitários, dizendo que o discurso deles combina e a relação tem tudo para dar certo. Quando as amigas, mais compreensivas e capazes de refletir sem melindres, insistem em dizer que os homens não são diferentes das mulheres descritas por ele, que o problema é nacional etc., Juveninho responde sempre a mesma coisa:

“Ok, mas… de que me interessam os homens?”

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Longe dos amigos, Juveninho reza todas as noites para que Nossa Senhora das Exceções lhe brinde com uma bela mulher que o ache charmoso, sim, mas que, provida de curiosidade intelectual autônoma, não tenha se esquecido de ser interessante também.

Juveninho pode até ser mala para muitos, porque alguém tem de sê-lo e ele adora; mas deixa claro que não veio ao mundo para ser bolsa nem sapato de mulher.

Felipe Moura Brasil ⎯ https://www.veja.com/felipemourabrasil

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