Primeira Infância e o poder das evidências
Um artigo sobre o impacto do Programa Vila Sésamo publicado na última edição do American Economic Journal ilustra bem o poder das evidências.
Um artigo sobre o impacto do Programa Vila Sésamo publicado na última edição do American Economic Journal ilustra o poder das evidências e como seu uso judicioso pode contribuir para reduzir a desigualdade de oportunidades educacionais com custos relativamente modestos.
O Programa Vila Sésamo (Sesame Street) foi ao ar nos Estados Unidos por volta de 1969 e tinha como objetivo principal promover a prontidão para a alfabetização, tendo como contexto um ambiente multi-cultural e multi-racial. Quando começou, apenas 2/3 dos estados norte-americanos tinham acesso aos canais nos quais ele era transmitido. Essa limitação – e o acesso generoso dos pesquisadores às bases de dados que existe nos Estados Unidos – permitiram aos pesquisadores comparar o impacto do programa em crianças que viviam dentro ou fora das áreas atingidas pelo programa. A sofisticação metodológica do artigo é digna de nota, mas os detalhes escapam ao escopo deste blog. Vamos aos resultados.
O programa teve impacto educacional importante para todos, em especial para os meninos (sexo masculino), hispânicos e negros. O impacto foi detectado ao final das séries iniciais do ensino médio – mas não foi detectado nem na conclusão do ensino médio nem em indicadores do mercado de trabalho. Ou seja: houve impacto, ainda que limitado. O mais incrível: o que foi medido foi apenas a disponibilidade ou não do sinal da TV, não necessariamente se as pessoas viram o programa ou durante quanto tempo o fizeram.
Tem mais. Os autores compararam o impacto da oferta deste programa – que teve um custo estimado de 5 dólares por potencial telespectador – com o impacto do programa Head Start – um programa de creches destinado a populações carentes, regulamentado pelo governo e operado pelo terceiro setor. O impacto – pasme, caro leitor! – é comparável. Este deve ser um importante aviso aos que apregoam que “fora das creches públicas não há salvação para a Primeira Infância”.
Há várias lições a aprender deste estudo. A meu ver, a mais importante é a importância de avaliar programas sociais tanto na dimensão da sua eficácia quanto de seus custos – o que os economistas chamam de custo/efetividade. A segunda é que o impacto do Programa Vila Sésamo não se deu ao acaso – desde a sua concepção, no final da década de 60, o programa foi desenvolvido e monitorado com base em pesquisas e evidências. A terceira é que é importante reter o que dá certo – Vila Sésamo continua no ar e evoluindo ano a ano – sem perder seu caráter e compromisso original. A quarta é que o Brasil teria muito a ganhar se o acesso aos dados coletados pelos vários ministérios pudesse ser mais amplo e democrático. E a quinta, para ficar em cinco, é que uma política eficaz para a Primeira Infância deve contemplar recursos para iniciativas alternativas que sejam comprovadamente eficazes.
O termo “evidências” começa a ser aceito no Brasil e já corre o risco de ser trivializado (lembremo-nos da advertência de Jô Soares de que o Brasil esculhamba até a Máfia). Tão importante quanto respeitar as evidências é entender com profundidade como elas são obtidas. A qualidade metodológica do estudo sobre Vila Sésamo constitui uma boa iniciação para quem quer entrar no jogo das evidências.