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Por João Batista Oliveira
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O decreto da alfabetização

No decreto sobre a Política Nacional da Alfabetização, há avanços a ser comemorados. Com vinte anos de atraso, o MEC define com clareza o que é alfabetizar

Por João Batista Oliveira Atualizado em 12 abr 2019, 16h20 - Publicado em 12 abr 2019, 10h18

Finalmente saiu o Decreto sobre a Política Nacional da Alfabetização. O decreto 9.765 pode ser encontrado aqui.

Há avanços conceituais importantes, que por si só merecem comemoração. No meio de tantas ameaças, sabotagem e atos de guerrilha, a equipe responsável pelo decreto deve ser parabenizada pelo feito. Comecemos pelos avanços.

Primeiro, o MEC define com clareza o que é alfabetizar. Finalmente – e com pelo menos vinte anos de atraso. Segundo, diz claramente que a alfabetização deve ser feita no primeiro ano do ensino fundamental. A linguagem aí é ambígua: “priorização da alfabetização no primeiro ano do ensino fundamental”. No espírito do decreto, interpreto que alfabetizar no primeiro ano do ensino fundamental deve ser a principal tarefa dessa etapa escolar. Terceiro, escreve com todas as letras que a política implicará “orientações curriculares e metas claras e objetivas para a educação infantil e para os anos iniciais do ensino fundamental”. Isso significa reescrever importantes parcelas da BNCC, tanto nos capítulos da educação infantil quanto do 1º ano e das séries iniciais. Quarto, diz que as crianças na primeira infância estão incluídas como parte do público-alvo.

Para quem acompanha o tema há mais de vinte anos, essas afirmações do governo representam um grande avanço. Claro que nada disso deveria ser matéria de decreto. Mas pelo menos temos um ponto de partida para conversar com o MEC. E o MEC precisará, com urgência, rever uma série de documentos, programas e iniciativas que incluem a BNCC e os livros didáticos.

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Parece que também haverá um documento técnico acompanhando o projeto – e, pelo que consegui apurar, será de excelente qualidade. Em outros países, esse tipo de documento é sempre elaborado por conselhos de cientistas qualificados –, mas no Brasil tudo é diferente…

O decreto também reflete um compromisso que enfraquece a mensagem, mas não joga tudo por terra. Eis o trecho:

IV – ênfase no ensino de seis componentes essenciais para a alfabetização:

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  1. a) consciência fonêmica;
  2. b) instrução fônica sistemática;
  3. c) fluência em leitura oral;
  4. d) desenvolvimento de vocabulário;
  5. e) compreensão de textos; e
  6. f) produção de escrita;

Os dois últimos itens não se enquadram nas definições científicas de alfabetização – devem ser parte importante do ensino da língua antes e durante o primeiro ano – mas é incorreto incorporá-las à definição de alfabetização. Ao final do 1º ano, crianças não são capazes de produção escrita autônoma – a não ser escrever palavras ou frases isoladas ou compreender textos que elas mesmas leem -, dadas as limitações de fluência. Os textos que elas precisam compreender já no 1o ano são muito mais avançados do que os textos que elas devem ser capazes de ler.

Daqui em diante, é necessário que estados e municípios se compenetrem a respeito das questões que o decreto suscita. O mesmo se aplica às universidades e às entidades não governamentais que militam nessa área. Não dá mais para colocar adjetivos junto com a definição da alfabetização. Não dá mais para falar em alfabetização até os 8 anos ou no 2º, 3º ou qualquer outro ano. Não dá mais para falar em evidências científicas e não mencionar a importância de usar o método fônico. Não dá mais para o vale-tudo e a falta de evidências.

No ano de 2000, junto com Simon Schwartzman, publiquei o livro A Escola Vista por Dentro, em que, pela primeira vez, registrei os desacertos das políticas e práticas de alfabetização no Brasil. No ano de 2003, a Câmara dos Deputados, sob iniciativa do deputado Gastão Vieira, patrocinou a realização de um seminário internacional sobre o tema que nunca foi levado a sério pelo governo nem pelos educadores. Em 2008, o então ministro Fernando Haddad tentou levar o tema para dentro do MEC, mas foi massacrado e, embora convencido da importância do tema, não levou adiante o seu projeto. Em 2011 a Academia Brasileira de Ciências produziu um documento a respeito, também solenemente ignorado pela comunidade educacional e pelo MEC. Em 2014, o Instituto Alfa e Beto promoveu um Seminário Internacional para discutir a Avaliação Nacional da Alfabetização, concluindo pela total inadequação e inutilidade do teste do Inep, e essas recomendações também foram ignoradas pelas várias gestões do Inep desde então. Durante a elaboração da BNCC, um grupo de cientistas tentou colaborar, mas foi de novo ignorado pelas autoridades do MEC. Portanto, é com muita alegria que comemoro – com as crianças brasileiras e com a equipe da Secretaria de Alfabetização a abertura de um novo cenário. O novo ministro demonstrou coragem e prudência. Ponto para ele também.

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Quanto à implementação do que está no decreto… São outros quinhentos. Não vamos falar disso agora para não estragar a festa.

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