Assine VEJA por R$2,00/semana
Imagem Blog

É tudo história Materia seguir SEGUIR Seguindo Materia SEGUINDO

Por Coluna
O que é fato e ficção em filmes e séries baseados em casos reais
Continua após publicidade

Palácio invadido e rixas com Thatcher, a história por trás de ‘The Crown’

Quarta temporada da série da Netflix se equilibra entre rumores e fatos para narrar um dos períodos mais conturbados da monarquia moderna

Por Amanda Capuano Atualizado em 23 nov 2020, 17h24 - Publicado em 23 nov 2020, 11h05

Para além dos dramas entre Charles e Diana, a quarta temporada de The Crown, ambientada entre os anos 80 e começo dos 90, trouxe para as telas outros momentos marcantes da monarquia britânica. Caso da complicada relação entre a rainha Elizabeth II e a então primeira-ministra Margaret Thatcher, a “dama de ferro”, e uma curiosa invasão ao Palácio de Buckingham, situações que despertam no espectador a curiosidade do que realmente aconteceu no período. Confira o que é verdade e ficção na série da Netflix:

A morte do lorde Mountbatten

(Reprodução/VEJA.com)

Em 27 de agosto de 1979, lorde Mountbatten, tio do príncipe Phillip, saiu para pescar com a família no condado de Sligo, na Irlanda. Pouco depois de deixar a costa, a embarcação explodiu, matando imediatamente o nobre, seu neto de 14 anos, Nicholas, e Paul Maxwell, um adolescente local que ajudava com os barcos. O atentado foi reivindicado pelo IRA, sigla inglesa para Exército Republicano Irlandês — grupo paramilitar contrário à influência britânica no país. Também estavam na embarcação os sobreviventes Thimothy, irmão gêmeo de Nicholas, a filha de Mounbatten, Patrícia, e o marido, além de lady Brabourne, sogra de Patrícia e quarta vítima fatal do atentado, falecida no dia seguinte à explosão. Na série, a morte de Mountbatten acontece logo no primeiro episódio, e adiciona uma boa carga dramática à narrativa, mas apenas o lorde e os dois garotos são retratados em cena, morrendo na hora em meio a completa pulverização do barco.

Conselho póstumo

Continua após a publicidade
(Reprodução/VEJA.com)

Pouco depois da morte do lorde Moutbatten, Charles recebe uma carta do tio-avô, de quem era bem próximo. Na mensagem, o mentor do príncipe aconselha que ele esqueça Camilla Parker-Bowles e encontre uma mulher adequada para se casar e prover herdeiros ao trono, como manda o seu dever. Embora os dois tivessem o hábito de trocar cartas, esta, em específico, nunca existiu, mas é um momento decisivo para o desenrolar da trama. Peter Morgan, diretor da série, disse que a cena em que Charles lê a carta do tio “Dickie”, como era conhecido, foi pensada para passar a visão que o tio tinha sobre o futuro do sobrinho.

O machismo de Margaret Thatcher 

(Reprodução/VEJA.com)

Na primeira reunião com a rainha, Thatcher diz que não terá outras mulheres em seu governo por considerar o gênero feminino emotivo demais. Dada a confidencialidade das reuniões entre monarca e chefe de estado, os diálogos dos encontros são ficcionalizados, mas é improvável que ela considerasse o próprio gênero incapaz para o trabalho. Em uma de suas frases famosas, Thatcher disse: “se quiser que algo seja dito, peça a um homem. Se quiser que algo seja realmente feito, peça a uma mulher.” Apesar disso, em 11 anos à frente do parlamento britânico, a dama de ferro promoveu apenas uma mulher ao seu gabinete. Líder do Partido Conservador, ela era contra medidas inclusivas e costumava justificar a falta de companheiras femininas a uma escolha meritocrática, no qual as poucas mulheres na política não passariam no crivo — daí a imagem pintada pela produção. De sua vida pessoal, pouco se sabe. Na série, ela é mostrada como uma mãe com preferências pelo filho homem, dedicada aos afazeres domésticos e a dona da “última palavra”. Em sua biografia, Carol Thatcher, filha de Margaret, descreve a relação com a mãe como complicada: ela fazia as tarefas domésticas, sempre havia correria entre a casa e o parlamento, e impunha exigências elevadas.

Desavenças entre poderosas 

(Reprodução/VEJA.com)

Muito se fala sobre a relação entre Margaret Thatcher e a rainha Elizabeth I. Na série, a relação é carregada de tensão em alguns momentos, e raramente foge do âmbito formal, com Elizabeth tendo uma clara discordância de sua primeira-ministra. Essa imagem de frieza é embasada em uma série de declarações de pessoas que acompanharam o convívio entre as duas, embora as reuniões fossem confidenciais. Em entrevista ao The Guardian, a pesquisadora da série Annie Sulzberger afirmou que ambas nunca falaram diretamente sobre os conflitos, embora as histórias sejam muitas. Em sua biografia oficial, Thatcher cita a rainha logo no começo, de forma muito breve, dizendo que a atitude da monarca em relação ao governo era “totalmente correta” e que “histórias de desavenças entre duas mulheres poderosas eram boas demais para não serem inventadas”. Em um dos pontos mais altos de tensão, a rainha autoriza seu assessor de imprensa, Michael Shea, a confirmar para o jornal Sunday Times que havia, sim, uma tensão entre ambas e que ela discordava de Thatcher. Depois da repercussão negativa, o assessor serve como “bode expiatório” e a realeza nega qualquer declaração da rainha. A matéria realmente existiu, e Shea foi revelado como fonte pouco depois, mas não deixou o palácio imediatamente. Até hoje se discute se houve ou não autorização da monarca, mas o Palácio de Buckingham nega veementemente.

Continua após a publicidade

Thatcher e as sanções ao apartheid 

(Reprodução/VEJA.com)

Em The Crown, o início da tensão que desencadeou o escândalo do The Sunday Times foi a resistência de Thatcher em aprovar sanções contra o regime racista do apartheid, em voga na África do Sul. Nas cenas, ela se recusa a assinar o documento e inicia um martírio dos demais envolvidos para achar uma palavra que passe pelo crivo da primeira-ministra, até que ela, por fim, se rende ao termo “sinais” em vez de “sanções”. Thatcher, de fato, se opunha às restrições contra a África do Sul: ela considerava que o apartheid não se sustentaria por si só. Assim, não haveria a necessidade de interferência econômica. Ela também teria sido influenciada pela lógica da Guerra Fria, e não apoiava a resistência de Nelson Mandela, rotulado como uma espécie de “terrorista” alinhado aos soviéticos. Não se sabe se houveram tantas trocas de palavras quanto mostra a série, mas a última realmente foi “sinais”. No anúncio de sua assinatura, assim como na produção, Thatcher debocha dos demais líderes dizendo que ela apenas cedeu “um pouquinho” e que foram eles que “se juntaram a ela”, e não o contrário, causando reações assustadas até mesmo de membros do próprio partido conservador.

Invasão aos aposentos reais

Continua após a publicidade
(Reprodução/VEJA.com)

Um dos pontos mais altos da quarta temporada se dá no quinto episódio, que gira em torno da invasão de Michael Fagan, um pai desempregado, ao Palácio de Buckingham e ao quarto da rainha Elizabeth I. Com dificuldades financeiras e proibido de ver os filhos, Fagan recorre à monarca como uma última esperança, depois de ser ignorado por diversos órgãos governamentais. Enquanto a rainha aguarda por socorro, ele discursa sobre a situação dos pobres sob o comando de Margaret Thatcher, apontando a falta de emprego e cortes de auxílios sociais. Usado para inserir a questão social na série, Fagan realmente existiu, mas sua motivação ou história passam longe de como foi retratada. Segundo um artigo do Times, de 1982, Fagan invadiu o quarto de Elizabeth e “sentou na cama, a poucos metros da rainha, disse que a amava e ameaçou se matar com um pedaço de vidro quebrado”. Para distrair o invasor, a monarca conversou com ele sobre seus filhos, e não sobre as mazelas inglesas, como mostra a produção. O Fagan verdadeiro ainda revelou ao The Independent, em 2012, que não sabe por que invadiu os aposentos da rainha, mas que, provavelmente, a decisão foi efeito da ingestão de “cogumelos mágicos”. A parte em que ele toma uma garrafa de vinho que encontra no palácio, no entanto, é verídica.

As primas escondidas

(Reprodução/VEJA.com)

Durante uma sessão de terapia, a princesa Margaret descobre a existência de duas primas que teriam sido internadas em um hospital psiquiátrico. Ela conta a história à rainha e as duas checam nos registros reais que Nerissa e Katherine Bowe-Lyons, sobrinhas de sua mãe, foram dadas como mortas. Margaret, porém, não se contenta com a informação, e acaba descobrindo que as primas foram escondidas da sociedade pela família real. A história trágica é verdadeira: em 1987, o The Sun criou um escândalo ao revelar a existência das mulheres que eram irmãs, e passaram a maior parte da vida trancafiadas em um hospital psiquiátrico, e dadas como mortas nos registros da realeza. Além delas, outras três meninas da família Bowes-Lyon também foram internadas, como mostra a série. Não há, porém, nenhum indício de que a princesa Margaret tenha ido atrás das primas — na verdade, não há registros de que qualquer membro da família tenha sequer prestado uma visita a elas. A justificativa dada pela mãe da rainha no episódio também é ficcionalizada já que, até hoje, a família real não reconhece oficialmente a existência das “primas perdidas”.

A queda e honraria da Dama de Ferro

(Reprodução/VEJA.com)

Na última reunião de Thatcher com a rainha, mostrada no episódio final, Elizabeth aclama a “dama de ferro” com uma medalha da Ordem ao Mérito. Isso, de fato, aconteceu, mas apenas no dia 7 de dezembro de 1990, cerca de duas semanas depois de sua saída do cargo. A reunião, como pinta a série, mal aconteceu. Thatcher nunca pediu à monarca que dissolvesse o parlamento depois de perder apoio. Como bem retratado na produção, após a renúncia e discurso bombástico (e verdadeiro) de seu braço direito Geoffrey Howe, a então primeira-ministra chamou os membros do parlamento um a um para questioná-los sobre a permanência no governo — a maioria negou o apoio, dizendo que “os números estavam contra ela”. Na manhã seguinte, Thatcher foi à câmara dos comuns e renunciou, não houve qualquer visita ao palácio neste meio tempo.

Publicidade

Matéria exclusiva para assinantes. Faça seu login

Este usuário não possui direito de acesso neste conteúdo. Para mudar de conta, faça seu login

Domine o fato. Confie na fonte.

10 grandes marcas em uma única assinatura digital

MELHOR
OFERTA

Digital Completo
Digital Completo

Acesso ilimitado ao site, edições digitais e acervo de todos os títulos Abril nos apps*

a partir de R$ 2,00/semana*

ou
Impressa + Digital
Impressa + Digital

Receba Veja impressa e tenha acesso ilimitado ao site, edições digitais e acervo de todos os títulos Abril nos apps*

a partir de R$ 39,90/mês

*Acesso ilimitado ao site e edições digitais de todos os títulos Abril, ao acervo completo de Veja e Quatro Rodas e todas as edições dos últimos 7 anos de Claudia, Superinteressante, VC S/A, Você RH e Veja Saúde, incluindo edições especiais e históricas no app.
*Pagamento único anual de R$96, equivalente a R$2 por semana.

PARABÉNS! Você já pode ler essa matéria grátis.
Fechar

Não vá embora sem ler essa matéria!
Assista um anúncio e leia grátis
CLIQUE AQUI.