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Mais acertos que erros na Independência do Brasil de ‘Novo Mundo’

Capítulo em que Caio Castro proclama a separação de Portugal do lombo de uma mula branca destoará menos dos livros de história do que a novela costuma fazer

Por Maria Carolina Maia Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 8 set 2017, 12h40 - Publicado em 7 set 2017, 16h39

Os autores de Novo Mundo, a novela das 6 da Globo, não têm grandes pruridos em brincar com a História do Brasil – o folhetim, afinal, é uma obra de ficção, já alegaram Thereza Falcão e Alessandro Marson em entrevista. O capítulo desta quinta-feira, porém, parece ter recebido um tratamento mais cuidadoso da dupla. No episódio que vai ao ar neste 7 de Setembro, Caio Castro subirá em uma mula branca para proclamar, às margens do Ipiranga, a Independência do Brasil, mais ou menos como se deu há 195 anos.

 

Sim: Dom Pedro I declarou o Brasil livre de Portugal do lombo de uma mula, e não de um cavalo, como mostra aquele famoso quadro do paraibano Pedro Américo. Esse é um dos acertos do capítulo, um dos afinados da novela com os livros históricos. Confira abaixo:

 

As motivações de Dom Pedro

É verdade que, perto de retornar a Lisboa depois de treze anos no Brasil, em 1821, Dom João VI recomendou ao filho Pedro que, se fosse o destino do Brasil se separar de Portugal, essa separação fosse feita por ele mesmo. Assim, como se diz, ficaria tudo em casa. “Pedro, se o Brasil tiver de se separar, antes seja para ti, que me hás de respeitar, do que para qualquer um desses aventureiros”, disse, em referência aos republicanos.

Isso não impediu que, após o retorno de Dom João VI, crescesse em Portugal uma conspiração para que o Brasil, transformado pela presença da família real, que fez dele um reino unido ao se instalar aqui fugindo de Napoleão Bonaparte, retornasse à condição de Colônia. Segundo escreve o jornalista Laurentino Gomes em 1822, livro de divulgação histórica em que cruza e consolida pesquisas e textos de diversos autores, os meses anteriores à Independência “tinham sido de grande tensão e confronto entre portugueses e brasileiros. Havia ressentimentos e desconfianças acumulados dos dois lados do Atlântico. Em Portugal, conspirava-se para que o Brasil voltasse à condição de Colônia”.

Como mostrará a novela nesta quinta-feira, as tensões chegam ao ápice quando aporta no Rio de Janeiro o navio Três Corações. “No dia 28 de agosto o navio Três Corações atracara no porto do Rio de Janeiro trazendo as últimas novidades de Portugal. Eram papéis explosivos. Incluíam os decretos em que as cortes constituintes portuguesas na prática destituíam D. Pedro do papel de príncipe regente e o reduziam à condição de mero delegado das autoridades de Lisboa”, diz Laurentino em 1822. “Suas decisões tomadas até então estavam anuladas. A partir daquele momento, seus ministros seriam nomeados em Portugal. (…) As cortes também determinavam a abertura de processo contra todos os brasileiros que houvessem contrariado as ordens do governo português. O alvo principal era o ministro José Bonifácio, defensor da Independência e grande aliado de D. Pedro. Convocadas à revelia de D. João VI, as cortes vinham tomando decisões contrárias aos interesses do Brasil desde o ano anterior. No final de 1821, tinham ordenado a volta de D. Pedro a Portugal. (…) O príncipe decidira ficar no Rio de Janeiro, mas desde então o seu poder vinha sendo reduzido.”

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Na trama da Globo, Dom Pedro (Caio Castro) é avisado da chegada do Três Corações por Joaquim (Chay Suede). “Chegou um navio de Portugal, o Três Corações”, diz Joaquim. “E mais: seus ministros serão destituídos e outros serão nomeados por Lisboa, para onde o governo do Brasil vai ser transferido. José Bonifácio (Felipe Camargo) será preso por ter participado da convocação dos representantes das províncias…” Dom Pedro está viajando por São Paulo – ele sai por Minas, Rio e São Paulo para conhecer o Brasil e acalmar tensões e rebeliões –, a primeira viagem que faz pelo interior desde que chegou aqui, em 1808, aos 9 anos.

O porém: o perfil heroico do personagem, que vem sendo realçado por Novo Mundo. A novela já fez dele até um defensor da causa indígena – algo que nenhum documento histórico jamais demonstrou.

 

 

Independência pelo correio

Como a novela vai mostrar nesta quarta-feira, com alguns ajustes no texto, Dom Pedro ergue o braço e proclama a separação do Brasil de Portugal depois de ler cartas do leal ministro José Bonifácio e da mulher, a austríaca Leopoldina, que ficaram no Rio e tramaram juntos a Independência, porque eram grandes amigos – e não amantes como no folhetim. “O Brasil será em vossas mãos um grande país. O Brasil vos quer para seu monarca. Com vosso apoio ele fará sua separação”, escreve Leopoldina (Letícia Colin).

“De hoje em diante estão quebradas as nossas relações; nada mais quero do governo português e proclamo o Brasil para sempre separado de Portugal!”, dirá o Dom Pedro de Caio Castro depois das missivas. “Brasileiros, a nossa divisa de hoje em diante será: Independência ou Morte!”

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De acordo com 1822, de Laurentino Gomes, foi isso mesmo o que aconteceu. “A correspondência entregue pelos dois mensageiros a D. Pedro na colina do Ipiranga refletia esse momento máximo de confronto entre Brasil e Portugal. Uma carta da princesa Leopoldina recomendava ao marido prudência e que ouvisse com atenção os conselhos de José Bonifácio. A mensagem do ministro dizia que informações vindas de Lisboa davam conta do embarque de 7.100 soldados que, somados aos seiscentos que já tinham chegado à Bahia, tentariam atacar o Rio de Janeiro e esmagar os partidários da Independência”, escreve o jornalista.

“Diante disso, Bonifácio afirmava que só haveria dois caminhos para D. Pedro. O primeiro seria partir imediatamente para Portugal e lá ficar prisioneiro das cortes, condição na qual já se encontrava seu pai, D. João. O segundo era ficar e proclamar a Independência do Brasil, ‘fazendo-se seu imperador ou rei’.”

Segundo Laruentino, a carta de Leopoldina foi ainda mais enfática sobre a Independência como saída. “Senhor, o pomo está maduro, colhe-o já!”, escreveu a princesa, lançando mão de uma metáfora agrícola.

 

 

Leopoldina assina a Independência

“A partir desse instante, está aprovada a separação definitiva e absoluta do Brasil, de Portugal”, anuncia a Leopoldina de Letícia Colin depois de assinar o documento que declara o Brasil livre.

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Pode parecer uma firula da ficção, mas foi mesmo a austríaca Leopoldina quem assinou aquele que talvez o documento mais importante da História do Brasil. “A declaração de Independência, em setembro, escrita por José Bonifácio, foi assinada por ela e enviada a D. Pedro, que ainda estava em São Paulo. Ou seja, do ponto de vista formal, a Independência foi feita por Leopoldina e Bonifácio, cabendo ao príncipe apenas o papel teatral de proclamá-la na colina do Ipiranga. Depois disso, Leopoldina se empenhou a fundo no reconhecimento da autonomia do novo país pelas cortes europeias, escrevendo cartas ao pai, imperador da Áustria, e ao sogro, rei de Portugal”, afirma Laurentino Gomes em 1822.

 

Domitila, uma caloura

Quando proclamou a Independência, Dom Pedro estava apaixonado por Domitila de Castro Canto e Melo, jovem que ele – pasmem os espectadores de Novo Mundo, onde a personagem é figurinha obrigatória há meses – havia acabado de conhecer.

Diz Laurentino Gomes sobre os dias que antecederam a Independência: “Ao chegar a São Paulo, D. Pedro começou a trabalhar em ritmo acelerado. (…) No dia 29 de agosto (…), o jovem príncipe iniciaria ‘a mais séria e mais escandalosa de suas aventuras de amor’, na definição do historiador Tarquínio de Sousa. Foi seu primeiro encontro com Domitila de Castro Canto e Melo, futura marquesa de Santos, a mulher cuja influência no coração do primeiro imperador brasileiro haveria de mudar os rumos de sua vida e a do próprio país. No dia 5 de setembro, finalmente, desceu a serra do Mar até Santos. E de lá voltou como herói”.

 

 

Rebanho muar

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Novo Mundo respeitou até um detalhe curioso da Independência do Brasil. Diferentemente do que pintou Pedro Américo no quadro Independência ou Morte, Dom Pedro não estava montado em um elegante cavalo quando declarou o Brasil livre de Portugal. Ao contrário: ele chegou à colina do Ipiranga carregado por uma mula.

“Uma segunda construção mitológica na história oficial da Independência é o próprio quadro que celebra o Grito do Ipiranga. A obra de Pedro Américo, hoje exposta no Museu Paulista da Universidade de São Paulo (também conhecido como Museu do Ipiranga), em nada lembra a simplicidade e os transtornos enfrentados por D. Pedro na cena real da Independência descrita por padre Belchior e o coronel Manuel Marcondes de Oliveira Melo. O príncipe aparece montado em um belo cavalo cor de canela e não em uma mula”, escreve em 1822 Laurentino Gomes. “O quadro de Pedro Américo foi apresentado ao imperador Pedro II na Academia Real de Belas Artes de Florença no dia 8 de abril de 1888, ou seja, 66 anos depois da Independência. No texto de apresentação da sua obra, Pedro Américo disse que trocou a mula por um cavalo porque tal montaria não condizia com a cena da Independência.”

Segundo Laurentino Gomes, mulas eram a melhor opção para subir a perigosa Serra do Mar. “Era esta a forma correta e segura de subir a serra do Mar naquela época de caminhos íngremes, enlameados e esburacados. Foi, portanto, como um simples tropeiro, coberto pela lama e a poeira do caminho, às voltas com as dificuldades naturais do corpo e de seu tempo, que D. Pedro proclamou a Independência do Brasil.”

Com ares de super-produção, a cena da Globo contou com 23 mulas e sete cavalos, de acordo com a emissora. A sequência, que levou quatro horas para ser gravada, também contou com 20 armas longas, 10 espadas e 80 figurinos. Ao todo, trabalharam na sequência 160 pessoas, entre equipe e figuração.

Resta saber se a novela vai trazer outro detalhe curioso, porém escatológico: diversos historiadores contam que Dom Pedro fez uma paradinha na colina do Ipiranga, na verdade, porque estava com dor de barriga.

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