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Por Coluna
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A confusa verdade do filme ‘Eu, Tonya’

Roteirista do filme indicado em três categorias do Oscar fala sobre como foi encontrar o que é real na absurda história de Tonya Harding

Por Mariane Morisawa, de Los Angeles
Atualizado em 27 Maio 2021, 10h31 - Publicado em 23 fev 2018, 09h20

Em 1994, um drama daqueles de novela aconteceu na patinação artística. Até quem nunca tinha visto o esporte se ligou para acompanhar o caso de Tonya Harding, acusada de estar envolvida num ataque promovido por seu ex-marido a sua rival Nancy Kerrigan para tirá-la da Olimpíada de Inverno daquele ano. Harding era conhecida por fazer um salto que nenhuma americana tinha conseguido ainda, o “triple axel” – até hoje, apenas outras duas patinadoras do país conseguiram o feito. E também pela falta de graça e delicadeza, o que sempre atrapalhou sua carreira.

É essa a história contada no filme Eu, Tonya, de Craig Gillespie, indicado em três categorias no Oscar 2018: atriz (Margot Robbie), atriz coadjuvante (Allison Janney) e montagem. O filme mostra a trajetória de Harding desde a infância até o momento em que foi banida de praticar o esporte, passando pela relação difícil com a mãe LaVona (Janney) e o relacionamento violento com o marido Jeff Gillooly (Sebastian Stan). Steven Rogers baseou seu roteiro principalmente em entrevistas feitas com Tonya Harding e Jeff Gillooly. “Havia muitos assuntos que me interessavam pessoalmente, como a questão das classes sociais, como dizemos às mulheres o que elas devem ser e também a percepção da verdade”, disse em entrevista ao blog É Tudo História. O problema foi que as histórias não batiam. “Eram tão contraditórias que percebi que seria meu ponto de entrada no roteiro. Colocaria os pontos de vista e deixaria o público decidir em que acreditar”, afirmou Rogers. Sendo assim, fica difícil atestar qual é a verdade absoluta.

A infância

Eu, Tonya
(//Divulgação)

No filme, a mãe de Tonya Harding, LaVona Golden, leva a filha ainda pequenininha para a pista de patinação no gelo comandada pela treinadora Diane Rawlinson (Julianne Nicholson). Ela obriga a filha a fazer uma apresentação para convencer a treinadora, que não estava aceitando novas alunas. Tonya acabou sendo campeã pela primeira vez aos 4 anos. Muito competitiva e rígida, LaVona briga com Tonya quando ela fica de conversa com uma outra patinadora. “Ela é sua inimiga!”, diz. Também não deixa que ela saia para fazer xixi, o que causa acidentes. Mais tarde, Tonya é obrigada a usar um de seus figurinos de competição no dia de tirar a foto na escola, para assim poder usar a mesma imagem nos torneios e divulgação. “Tonya Harding me contou tudo isso quando a entrevistei por dois dias”, disse Steven Rogers. “Ela afirmou que não tinha amigos quando era criança, que sua mãe afastou muitos amigos na escola e também no ringue.”

 

A violência de todo dia – da mãe

Eu, Tonya
(//Divulgação)

LaVona não é a mais paciente e tranquila das mães. Uma vez, ataca a filha com uma escova de cabelos. Em outra, joga uma faca em seu ombro. “Tonya e Jeff discordaram em tudo, a não ser em como LaVona agia. Essa descrição veio dos dois”, explicou Rogers, que não conversou com LaVona. “Há entrevistas de arquivo em que LaVona disse que bateu na Tonya uma vez, com a escova de cabelo. Mas muitas testemunhas disseram que não é verdade, que ela sempre batia.”

 

A treinadora paciente

Eu, Tonya
(//Divulgação)

Diane Rawlinson começa a treinar Tonya quando ela é bem pequena. Em dado momento, sentindo a falta de comprometimento, elas rompem. Depois de um tempo, quando Tonya está trabalhando de garçonete, Diane vai procurá-la dizendo que a Olimpíada de Inverno foi antecipada. “Sim, foi como Tonya me contou. Tentei falar com Diane, mas ela queria deixar isso tudo para trás, e eu entendi”, disse Rogers.

 

A mãe, o passarinho e o gravador

Eu, Tonya
(//Divulgação)

Nas entrevistas que dá no filme, LaVona aparece com um passarinho no ombro, o que é verdade. Mas Rogers nunca falou com LaVona, então isso vem de imagens de arquivo e entrevistas antigas. “Tive de criar todo o seu ponto de vista”, explicou Rogers. “Para ela, estava sendo uma boa mãe e fazendo um sacrifício.” Segundo o roteirista, LaVona sabia que Tonya patinava melhor quando estava com raiva, então ela pagava pessoas para provocá-la. Durante as investigações do incidente com Nancy Kerrigan, Tonya Harding conta que LaVona estava usando um gravador para registrar qualquer confissão possível da filha. “Tonya disse que aconteceu, mas no ringue. Como não tínhamos dinheiro para filmar no ringue, com figurantes e tudo, fizemos a cena no apartamento. No fim achei que funcionou mais porque ficou mais íntimo”, disse Rogers. LaVona também obriga fotógrafos e repórteres a ficar atrás de uma corda de veludo na frente de sua casa. “As coisas mais doidas realmente aconteceram. Se eu tenho certeza absoluta que aconteceu? Não. Mas li em matérias da época.”

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Primeiro encontro com a mãe

Eu, Tonya
(//Divulgação)

Tonya e Jeff se conhecem na pista, quando ela ainda era uma adolescente. No dia do seu primeiro encontro, Tonya é atacada pelo meio-irmão, que vai preso. “A maior parte das coisas que escolhi colocar no roteiro é verdade e parte fundamental da formação de Tonya. Ela prestou queixa, e ele foi para a cadeia. Ele foi morto não muito tempo depois.” No encontro, LaVona vai ao restaurante com os dois. “Segundo Tonya, eles foram ao cinema, e o pai dela acompanhou. Mas Jeff contou a versão de que foram jantar, e LaVona foi junto. É a cena que está no filme.” Mas havia mais do que aparece em Eu, Tonya. Segundo Jeff, o garçom veio dar uma bronca em LaVona porque ela estava tentando roubar uns pedaços de frango, colocando-os na bolsa. “Chegamos a filmar, mas ficou de fora da edição final”, explicou Rogers.

 

A violência de todo dia – do marido

Eu, Tonya
(//Divulgação)

Cansada do tratamento que recebe da mãe, Tonya acaba se casando cedo com Jeff. Mas as coisas degringolam em pouco tempo. O filme mostra Jeff batendo em Tonya, fechando a porta do carro em sua mão e, em dado momento, ela o ameaçando com uma arma e vice-versa. “Seus relatos não coincidem”, disse Rogers. “Jeff me disse que jamais bateu nela. Ela contou que Jeff batia e que era tudo o que ela conhecia: ‘Minha mãe me batia, ela me amava, Jeff me batia, ele me amava’. Era o que ela estava acostumada. A polícia foi inúmeras vezes interromper as brigas.”

 

Confronto com os juízes

Eu, Tonya
(//Divulgação)

Desde sempre, Tonya tem muita dificuldade em conseguir notas boas em suas apresentações. O filme mostra que ela era considerada pouco elegante, com suas roupas feitas em casa e comportamento grosseiro. Ao receber as notas de uma performance, Tonya confronta os juízes, que deixam claro que suas maneiras são o problema. E ela grita: “Então chupem meu p…”. Essa parte foi inventada. “Ela queria ter dito aquilo, mas não disse! Achei importante para frisar que os juízes não davam as notas que ela merecia. Só tornei mais engraçado e dramático porque é meu trabalho!”, disse o roteirista.

 

Viagem para xingar

Eu, Tonya
(//Divulgação)

Numa das muitas brigas entre Tonya Harding e Jeff Gillooly, ele viaja de carro até outra cidade só para xingá-la. “Ele fez isso mesmo! Recebi um e-mail dele quando assistiu ao filme. Jeff ficou feliz que aquela cena está no filme. Ele achou engraçado”, disse, frisando que Gillooly não aceitou dinheiro para dar entrevista. “Ele disse que não queria porque sabia que de forma indireta tinha arruinado a carreira de Tonya. E não queria lucrar com isso. Achei interessante, porque não era como ele tinha sido retratado na mídia.”

 

O segurança que dizia ser agente antiterrorista

Eu, Tonya
(//Divulgação)

Shawn (Paul Walter Hauser) é o segurança de Tonya Harding que contrata os dois capangas para bater no joelho de Nancy Kerrigan no treinamento durante um torneio. Shawn é pego porque ele e seu pai ficam se gabando para um monte de gente na cidade. E, depois, em entrevista, mente, dizendo que era um agente antiterrorismo do governo. Tudo isso é verdade. “Ele disse para todos que trabalhava no combate ao terrorismo, como dá para ver na entrevista real da época no final do filme. E, sim, eles ficaram se gabando, seu pai também. É maluco.”

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O ataque

Eu, Tonya
(//Divulgação)

O homem que bate no joelho de Nancy Kerrigan com um bastão, encurralado, usa a cabeça para quebrar uma porta de vidro. “É verdade, ele estava com um taco na mão, mas resolveu usar a cabeça!”, disse Rogers. O objetivo era tirá-la da Olimpíada de Inverno. No filme, Jeff Gillooly tinha pedido apenas que Shaun enviasse cartas ameaçadoras. Tonya Harding parece não saber de nada. O fato é que ninguém sabe direito quem sabia o quê e quem participou do quê. O julgamento é adiado até depois da Olimpíada, para que Harding pudesse competir.

 

O drama da Olimpíada

Eu, Tonya
(//Divulgação)

No fim, Nancy Kerrigan se recupera e pode competir. Tonya Harding, porém, tem um problema com o cadarço de seus patins, o que faz com que quase perca sua oportunidade de competir. Nervosa, acaba não fazendo uma boa apresentação. Nancy Kerrigan termina com a prata. Tudo isso é verdade, e o filme reproduz em detalhes – a ucraniana Oksana Baiul ficou com o ouro. O mais terrível é que, antes do incidente, Tonya e Nancy dividiam o quarto às vezes nas competições. “Tonya me contou que, na Olimpíada, foi se desculpar pelas ações provocadas por seu ex-marido, apesar de dizer que não sabia de nada. E que pela maneira como Nancy olhou para ela, Nancy achava que ela estava envolvida. E que isso machucou mais do que tudo. Porque Nancy a conhecia e achou que ela estava envolvida. Isso acabou não entrando no filme, mas achei interessante”, afirmou o roteirista. “Porque é incrível, claro que ela ia achar isso! O que Tonya estava pensando?” No julgamento, Tonya é banida do esporte.

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