Tesouro da natureza
É temporada do tartufo bianco italiano, uma das mais raras e caras iguarias – o preço de um prato pode chegar a 700 reais em São Paulo
Não foi um grande ano na Itália para o tartufo bianco ou trufa branca, o cogumelo subterrâneo que é considerado uma das iguarias mais raras e caras do mundo, junto com o caviar. Na atual temporada, compreendida entre meados de outubro e os primeiros dias de janeiro, o quilo dessa preciosidade gastronômica custa na origem cerca de 6 mil euros, o equivalente a 23 mil reais. Fez muito calor, choveu pouco em 2017 e o tartufo bianco depende apenas da natureza. Para se desenvolver, necessita de solo frio e úmido.
Como fazem todos os anos, alguns restaurantes de São Paulo – os do Grupo Fasano, o Ristorantino, a Vinheria Percussi e o Piselli, por exemplo – trouxeram o perfumadíssimo tartufo bianco e o ofereceram por diferentes semanas em receitas vendidas por até 700 reais. Em cada prato, serve-se em torno de 20 gramas de lâminas cruas do cogumelo subterrâneo.
Vão muito bem sobre ovo frito, carpaccio, tagliolini (massa de fios finos) na manteiga, risotto de parmesão, carnes não condimentadas etc. Existem também o tartufo nero ou trufa negra (Tuber melanosporum) e o tartufo estivo ou trufa de verão (Tuber aestivum). São encontrados na Itália, França e Espanha. Exalam aroma menos acentuado, têm a superfície mais enrugada e são mais resistentes ao manuseio.
O mais cobiçado é de longe o tartufo bianco italiano. Procede da região do Piemonte, mas também pode ser encontrado na Toscana, Úmbria, Emilia-Romagna, Lombardia e Marche. Seu tamanho oscila entre uma cereja a um abacate (difícil de encontrar). Chega à mesa geralmente com o formato de uma noz ou de uma batata-inglesa e pesando de 20 a 60 gramas. Excepcionalmente, consegue-se um tartufo bianco gigante. Mas em 2014, os italianos acharam um que pesava 1,89 quilo. Venderam-no em leilão por 50 mil euros, o equivalente a mais de 193 mil reais.
A cor original é bege e os gastrônomos dizem lembrar o mármore travertino. Logo que o colhem (também se diz caçar), começa a escurecer. A consistência firme amolece rapidamente. O perfume combina gás metano, alho, terra molhada, mel, especiarias e feno. Entretanto, perde até 2% do peso por dia e o aroma desaparece com a mesma velocidade.
Consegue-se prolongar por uma semana suas características organolépticas (que impressionam os sentidos) quando o envolvemos em guardanapo de papel, colocamos dentro de um recipiente tampado e conservamos na geladeira. Alguns preferem mergulhar o cogumelo subterrâneo no arroz, sem o mesmo resultado.
Os esporos do tartufo bianco se desenvolvem espontaneamente de julho a agosto, entre 5 e 60 centímetros abaixo do chão, junto às raízes de árvores como carvalho, álamo, salgueiro, tília e aveleira. Ainda não se descobriu uma maneira satisfatória de cultivá-lo. Sob certas condições ambientais – o solo fresco e úmido, do qual já falamos – começa a germinar. Em dois ou três dias cresce e amadurece. É localizado com a ajuda de um cachorro, que o identifica pelo aroma. Antigamente, usava-se o porco.
O suíno foi substituído por devorar o tartufo bianco. No período do acasalamento, o animal confundia seu perfume com uma substância odorífica liberada para atrair a fêmea. Muitas vezes o tartufaio ou trifulau – nome do caçador do cogumelo subterrâneo – teve que se atracar com o porco, rolando colina abaixo, para retirar uma “batatinha” de qualidade que o animal insistia em comer.
Cada tartufaio explora um território secreto, não revela a ninguém sua localização. Só informa os lugares dos seus tesouros na hora da morte, a um descendente ou amigo dileto. Por isso, quase sempre caça de madrugada, a fim de driblar os espiões. Diz a lenda que o tartufo é encontrado todos os anos no mesmo local, dia e hora. Sem o cachorro, porém, o tartufaio não conseguiria achá-lo.
O animal encosta o nariz no chão e vai farejando o solo repleto de folhas derrubadas pelo inverno. Se encontra um tartufo bianco, revolve a terra com a pata e a seguir recebe do dono, como prêmio, um pouco de ração. Então, o tartufaio completa o trabalho de extração da joia com ajuda do zappino (espécie de picareta).
O adestramento do cachorro leva dois anos e, aos 5 ou 10 de idade, ele alcança completo desempenho. Aos 13 ou 14 pode ser dispensado, pois o olfato diminui. Não há uma raça mais indicada, os italianos preferem o bastardino (bastardinho, em português), ou seja, o vira-latas. Quando começa o treinamento, o cachorro vale 5 mil euros ou cerca de 19 mil reais. Devidamente treinado, o preço sobe para 30 mil euros, aproximadamente 116 mil reais.
Calcula-se existirem 18 000 caçadores de tartufo na Itália, entre cadastrados pelas autoridades e clandestinos. Entretanto, apesar da grande concorrência, um tartufaio experiente fatura entre 20 000 e 30 000 euros (entre 77 000 e 116 000 reais), o suficiente para passar o resto do ano em casa, sem fazer nada.
Um problema é que, além das modificações climáticas dos últimos anos, a política ambientalista italiana proíbe a limpeza do solo onde se encontram as árvores associadas ao nascimento e desenvolvimento do tartufo bianco, cujas folhas caem e abafam o solo, interferindo em sua temperatura e umidade. Além disso, muitas áreas do Piemonte foram ocupadas por plantações de uvas destinadas à elaboração de vinhos de elite, como o Barolo e o Barbaresco.
Dificilmente, é claro, acabará a exploração do tartufo bianco, pois os preços estratosféricos continuarão sendo um estímulo à caça. Quem o conhece, nunca mais o esquece. Até porque, segundo os grandes apreciadores, saboreá-lo proporciona uma sensação de plenitude só igualada pelo amor. A comparação pode ser exagerada, porém avaliza uma paixão sem limites.