Assine VEJA por R$2,00/semana
Imagem Blog

Dias Lopes Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO

Por Coluna
Curiosidades e novidades da gastronomia universal. Este conteúdo é exclusivo para assinantes.
Continua após publicidade

Tempo de polenta

O prato de inverno, nascido na Itália e cidadão do mundo, que foi incorporado pela cozinha brasileira

Por J.A. Dias Lopes
18 jul 2018, 22h50

Nosso povo faz uma rima com a polenta. Diz que ela “alimenta e esquenta”. Nada mais verdadeiro. Prato de inverno, a estação na qual nos encontramos, porém saboreado o ano inteiro, é um dos mais nutritivos que se conhece. Fornece alto teor de carboidratos, ou seja, é bastante energético, contém fibras alimentares, antioxidantes, proteínas, vitaminas A e B, ferro, potássio, fósforo, cálcio e celulose.

Além do mais, a polenta é saborosa de qualquer jeito: mole ou cremosa, firme, frita, grelhada ou assada no forno. Não por acaso, teria sido crida no século XVII para matar a fome dos camponeses do Friuli-Venezia Giulia, no nordeste da Itália, divisa com Eslovênia e Áustria. Ajudou-os a enfrentar uma desesperadora falta de alimentos e o açoite do frio. Referimo-nos à polenta de milho, pois a receita já existia há séculos, à base de outros grãos.

As legiões romanas a preparavam com farinha de farro, nome de três diferentes espécies de Triticum, gênero de trigo consumido desde o Neolítico. Acossados pelos clamores do estômago, os soldados paravam, faziam o fogo e ferviam água para acrescentar à farinha que traziam como ração. O conquistador romano Júlio César disse que o pior inimigo dos legionários eram suas barrigas vazias. Séculos mais tarde, o imperador francês Napoleão Bonaparte repetiu a sentença.

Os romanos chamavam a polenta de puls, pultes ou pulmentum. Na Idade Média, a receita incorporava fava, acrescida de óleo, cebola, sálvia e figo ou maçã; ou, então, era uma massa de água e farinha de cevada ou de castanha, trigo-sarraceno ou grão-de-bico.

O milho chegou ao nordeste da Itália no século XVI, o mesmo das quatro viagens de Colombo à América, que o encontrou no Novo Mundo. Foi introduzido pelos mercadores venezianos. Mas o descobrimento culinário dos seus grãos só aconteceu cem anos depois, quando passaram a ser cultivados em larga escala no Friuli. A novidade provocou uma espécie de renascimento agrícola na região.

Continua após a publicidade

O milho era fácil de cultivar, resistente às pragas de então e pouco exigente em relação à região de plantio, embora sabidamente prefira terras que retenham a água. Triturando os seus grãos, os friulanos elaboraram um mingau espesso no início temperado apenas com sal. Entre os camponeses pobres, substituía o pão e frequentemente consistia no único alimento diário. Em pouco tempo, a polenta de milho se converteu em prato forte de outros pontos da Itália.

Os friulanos se orgulham da invenção da receita e provam com documentos que já faziam farinha de milho no final do século XVI. Entretanto, seus patrícios lombardos, que vivem no noroeste do país, a cerca de 360 quilômetros dali, contestam esse primado. Jamais chegarão a um consenso. Para os lombardos, a papelada dos friulanos atesta um pioneirismo comercial, não a destinação culinária. Além disso, mostram receitas de polenta do século XVII, as mais antigas da Itália, procedentes de Bérgamo, uma das suas cidades históricas, até hoje produtora de ótima farinha de milho.

Também chamada pelos italianos de polenda e pulenda, a receita não mudou muito desde então. Durante sua elaboração, a farinha pode ser enriquecida com leite, caldo de carne ou queijo. Quando cozida e espalhada na travessa ou prato individual, acolhe ragus de carne bovina ou suína, javali ou caças, coelho e aves, sobretudo de frango e codorna; ou, ainda, preparações com tomate, ervilha, espinafre e vegetais em geral; e queijos como gorgonzola, mascarpone, fontina ou toma; ou cogumelos e trufas.

A polenta cozida, mole ou firme, é saboreada na condição de entrada, prato principal ou acompanhamento. Quando frita, grelhada ou assada no forno, substitui o pão, enriquece o couvert, vai bem no aperitivo e combina com diferentes pratos. Outro requisito importante é a granulação da farinha. As procedentes de Bérgamo e Verona são mais grossas e por isso exigem cozimento mais demorado. No Vêneto e Friuli as farinhas se apresentam finas. Na Toscana, Lazio e Abruzzo são ainda mais finas. Nesse caso, a massa fica delicada.

Continua após a publicidade

A farinha ainda pode ser amarela ou branca. Tudo depende da cor do milho processado. Existe também a polenta preta. Deriva da mistura da farinha amarela com a de trigo sarraceno. Espalhando-se pelo mundo, o prato italiano ganhou outras designações. No Brasil e Eslovênia, por exemplo, continuou polenta; na Croácia e Sérvia é palenta; na Córsega, pulenta; na Hungria, puliszka; na Albânia, harapash; em Malta, tghasida; no Marrocos, tarwasht; e daí por diante.

Poetas, escritores e pintores ajudaram a promovê-la. No poema épico Orlando Furioso, do renascentista Ludovico Ariosto (1474-1533), o herói morre empanturrado com um tipo de polenta. No século XVIII, o dramaturgo veneziano Carlo Goldoni (1707-1793), fez o personagem de Arlequim, servidor de dois amos preparar uma polenta. Seu conterrâneo Pietro Longhi (1702-1785), conhecido pela candura e elegância, ao reproduzir cenas burguesas ou populares, pintou o famoso quadro A Polenta, no qual uma mulher despeja a polenta do paiolo – o panelão típico, de cobre grosso e espesso, paredes altas, alça dobrável e um fundo ligeiramente convexo.

No Friuli, o preparo da polenta aproxima as pessoas, estreita as relações familiares e de amizade. As pessoas a saboreiam comunitariamente. No inverno, penduram na lareira o paiolo onde será feita. O panelão fica ali, sobre o fogo ardente, o que explica o seu fundo arredondado, pois não é colocado sobre a superfície plana de um fogão. Todos observam a farinha cair na água do paiolo e a massa ser mexida sem parar, com uma colher de pau. Exige-se cuidado nessa operação. Basta uma pequena distração para a polenta formar desastrosos grumos.

Cerca de 45 minutos depois de iniciada, a preparação está pronta para ser colocada na tafferia, um prato raso de madeira, e ajeitada com uma espátula umedecida. A seguir, manda a superstição que risque levemente uma cruz no centro da polenta, para ela fazer bem às pessoas, antes de fatiá-la com um cordão. Às vezes há sorteio para decidir quem comerá a crosticina, a cobiçada casquinha crocante grudada no fundo e nas paredes do paiolo.

Continua após a publicidade

Foram os imigrantes do norte da Itália, chegados no Brasil a partir de 1880, que introduziram a polenta em nosso país. Mas antes da sua chegada já consumíamos o angu, um mingau de farinha de milho ou de mandioca, principal alimento dos escravos nos séculos XVIII e XIX. Hoje, é um dos pratos representativos da cozinha mineira. O angu pode ter a consistência de uma polenta mole ou firme, mas não faz jus ao nome, até porque nunca é grelhado, nem frito. Qualquer semelhança com a receita italiana é mera coincidência.

POLENTA COM RAGU

RENDE 6 PORÇÕES

INGREDIENTES

Continua após a publicidade

RAGU

.150g de pancetta (ou toucinho)
.150g de músculo magro
.150g de lagarto
.150g de lombo de porco
.150g de linguiça calabresa
.150g de paio picado
.4 colheres (sopa) de azeite de oliva
.2 cebolas roxas, médias, bem picadas
.4 dentes de alho picados
.2 cenouras médias, limpas, raladas
.3 talos de salsão bem picados
.650g de polpa de tomate
.2 xícaras (chá) de vinho tinto seco
.3 xícaras (chá) de caldo de frango (ou mais, se necessário)
.1/2 xícara (chá) de salsinha picada
.2 folhas de louro
.1 colher (chá) de orégano
.1 colher (chá) de tomilho
. 1 colher (chá) de manjericão
.3 colheres (sopa) de molho inglês
.Sal e pimenta-do-reino moída na hora a gosto

POLENTA
.400g de farinha de milho de granulação grossa
.4 l de água
.1 colher (sobremesa) de sal
.1 colher (sopa) de manteiga sem sal
.Queijo parmigiano reggiano ralado grosso a gosto
.Azeite de oliva para untar a pedra de mármore
DECORAÇÃO
.Brotos de rúcula

PREPARO
RAGU
1.Pique a pancetta, as carnes e os embutidos em pequenos pedaços. Em uma panela grande, refogue ligeiramente as cebolas, os dentes de alho as cenouras raladas e o aipo, no azeite quente.
2.Incorpore as carnes e frite bem. Acrescente a polpa de tomate, o vinho, o caldo de frango e a salsinha. Tampe a panela, reduza a chama no mínimo e deixe cozinhar por 1 hora. Retire do fogo e descarte o excesso de gordura que se formou na superfície.
3.Adicione o louro, o orégano, o tomilho e o manjericão. Misture e coloque o molho inglês. Ajuste o sal, tempere com a pimenta e retorne ao fogo por mais 15 minutos, aproximadamente, acrescentando mais caldo, se necessário.

Continua após a publicidade

POLENTA
4.Em uma panela de fundo grosso, coloque a farinha de milho em um pouco da água fria, para não formar grumos. Leve a panela ao fogo e vá colocando aos poucos a água quente, mexendo.
5.Misture a manteiga, o sal e deixe cozinhar por cerca de 20 minutos, ou mais, em fogo bem baixo, sem parar de mexer e pingando água ( se necessário), até a polenta ficar na consistência desejada.

FINALIZAÇÃO
6.Sobre uma superfície de mármore untada com azeite de oliva, despeje a polenta quente. Espere que as bordas esfriem ligeiramente e coloque por cima o ragu, às colheradas.
7.Polvilhe o queijo ralado e sirva a polenta assim, de maneira comunitária, ou monte-a diretamente nos pratos, decorando com os brotos de rúcula.

· Receita de Max Abdo, chef e proprietário do Max Abdo Bistrô, Rua Peixoto Gomide, 1658, Jardim Paulista, São Paulo-SP, tel.: (11) 3062-5557

Publicidade

Matéria exclusiva para assinantes. Faça seu login

Este usuário não possui direito de acesso neste conteúdo. Para mudar de conta, faça seu login

O Brasil está mudando. O tempo todo.

Acompanhe por VEJA.

MELHOR
OFERTA

Digital Completo
Digital Completo

Acesso ilimitado ao site, edições digitais e acervo de todos os títulos Abril nos apps*

a partir de R$ 2,00/semana*

ou
Impressa + Digital
Impressa + Digital

Receba Veja impressa e tenha acesso ilimitado ao site, edições digitais e acervo de todos os títulos Abril nos apps*

a partir de R$ 39,90/mês

*Acesso ilimitado ao site e edições digitais de todos os títulos Abril, ao acervo completo de Veja e Quatro Rodas e todas as edições dos últimos 7 anos de Claudia, Superinteressante, VC S/A, Você RH e Veja Saúde, incluindo edições especiais e históricas no app.
*Pagamento único anual de R$96, equivalente a R$2 por semana.

PARABÉNS! Você já pode ler essa matéria grátis.
Fechar

Não vá embora sem ler essa matéria!
Assista um anúncio e leia grátis
CLIQUE AQUI.