Tapear é uma delícia
O ritual espanhol de comer bocados, originalmente de bar em bar, acompanhado de Jerez, vinho, sidra ou cerveja, difunde-se no Brasil
Depois de conquistar o mundo, três décadas atrás, as tapas espanholas se firmaram no Brasil, sobretudo em São Paulo. São pequenas porções de comidas, frias ou quentes, que uma clientela habitualmente itinerante saboreia de tasca em tasca, antes do almoço ou jantar, bebendo Jerez, vinho branco ou tinto, sidra ou cerveja. Se bem que, no Brasil, a liturgia gastronômica nunca será igual.
Aqui, as pessoas dificilmente visitarão mais de uma tasca (bar especializado, em nosso caso) perto do meio dia e ou da refeição da noite. Na terra natal, elas realizam o périplo quase sempre a pé. Em São Paulo, uma megalópole, a caminhada é impossibilitada pelas distâncias desencorajadoras, trânsito congestionado e problemas de segurança pública.
As tapas surgiram na Andaluzia, a ensolarada região ou comunidade autônoma do sul da Espanha, cuja capital é Sevilha. Berço dos estereótipos nacionais – o vinho Jerez, o flamenco, os touros, a tourada e os toureiros, os cavalos de raça –, há séculos sua população aprecia comer comunitariamente. A peregrinação gastronômica iniciou porque antigamente cada tasca preparava só uma especialidade, estimulando os clientes à degustação das especialidades concorrentes.
O perfume do Jerez atraía os insetos. Então, os copos eram cobertos com uma pequena “tapa” (tampa, em português), daí o nome. O cuidado teve início na Andaluzia, que os árabes ocuparam de 711 a 1492, ou seja, por oito séculos, até serem expulsos pelos Reis Católicos, a rainha Dona Isabel de Castela e o rei Dom Fernando II de Aragão.
Uma segunda versão credita a invenção das tapas a Afonso X, o Sábio ou o Astrólogo (1221-1284), o rei de Castela e Leão que patrocinou a primeira reforma ortográfica do castelhano, adotando-o como língua oficial em substituição ao latim. Acometido de problemas digestivos, o soberano foi aconselhado pelos médicos a passar vários dias na cama, alimentando-se de pequenas porções de comida, acompanhadas de goles de vinho. O tratamento deu resultado.
Devidamente recuperado, Afonso X precisou resolver os problemas dos acidentes nas estradas. Então, inspirado no seu próprio tratamento, ordenou aos taverneiros espanhóis que servissem jarras de vinho aos condutores das carruagens, cobertas por um pequeno lanche, destinado a prevenir a embriaguez. Ainda hoje, os adeptos das tapas, mesmo os que bebem um copo atrás do outro, raramente se embriagam. A comida ajuda a metabolizar o excesso de álcool.
Acredita-se que o ritual das tapas, batizado de “tapeo” ou “chiquiteo”, seja herança culinária dos árabes, precisamente dos seus mezzés. É o conjunto de bocados ou tira-gostos servidos um atrás do outro, que valem por uma refeição. A denominação viria do árabe “alloumaza”, que significa aquilo que é colocado nos lábios com a ponta dos dedos e saboreado delicadamente.
O Império Otomano, que no auge do poder, entre os séculos 16 e 17, controlava grande parte do Sudeste da Europa, da Ásia Ocidental e do Norte da África, espalhou os mezzés em seus domínios. Na Turquia de hoje, por exemplo, constituem uma refeição ligeira, consumida com raki, bebida nacional à base de figos, uvas, passas de uva e aromatizada com anis.
Sevilha é o centro mundial das tapas, mas outras cidades espanholas as preparam divinamente. Destacam-se, pela ordem alfabética, Alicante, Barcelona, Cádis, Córdova, Corunha, Granada, Logroño e Madri. O ritual abrange uma sequência de azeitonas pequenas ou grandes, amêndoas, pistache, presunto ou embutidos, queijos e caracóis, cogumelos, anchova, marisco, lula, sardinha, atum ou bacalhau, legumes em conserva, tortillas ou acepipes imaginosos, em porções individuais ou comunitárias. Mas, pelo uso imperativo de produtos regionais e da estação, poucas tapas são encontradas em toda a Espanha. Uma delas é certamente a tortilla de batata.
Os bocados chegam à clientela em pratos de louça ou em “cazuelitas”, as típicas caçarolas de cerâmica. No País Basco e Navarra, as tapas se chamam “pintxos” ou “pinchos” (espetos, em português). Lembram os canapés franceses. Entretanto, os “pintxos” nem sempre chegam espetados aos fregueses. Existem os “montaditos”, pãezinhos que amparam variados petiscos. A jornalista britânica Fiona Dunlop, no livro “Tapas” (Blume, Barcelona, 2003), qualifica o “tapeo” de “dança gastronômica”, próxima “dos ritmos sincopados e dos altos e baixos emocionais do flamenco”.
Lembra que as tapas eram gratuitas no passado. Acompanhavam cada bebida solicitada pelo cliente da tasca. O dono procurava não repeti-las até o último copo do freguês. Hoje, porém, são na maioria das vezes cobradas. Em Madri, porém, muitas tascas preservam a tradição. O cliente só paga a bebida.
Não se deve comparar o “tapeo”, liturgia espontânea, informal e social, com o aperitivo no bar, nem com o happy hour. São experiências nas quais o cerimonial não é levado tão a sério. O escritor e jornalista Rodrigo Mestre, no livro “Guía de las Tapas de España” (Plaza & Janés, Barcelona, 1998), estabelece a diferença: “O aperitivo é o oposto do que se pretende com as tapas. Serve para estimular o apetite. A tapa (…) se cobre com pequenas delícias”. Alguns autores acham que, graças às justaposições imaginosas de ingredientes e sabores, a fórmula inspirou a revolução ocorrida na moderna cozinha espanhola. Pode ser. ¡Olé!
TAPAS EM SÃO PAULO
Adega Santiago – Rua Sampaio Vidal, 1072 – São Paulo – SP – Tel.: (11) 3081521
Aragon – Alameda Ministro Rocha Azevedo, 1373 – Jardim Europa, São Paulo – SP – Tel.: (11) 3085-1877
Sancho Bar y Tapas – Rua Augusta, 1415 – Consolação, São Paulo – SP – Tel.: (11) 3141-1956
Sevillano Bistrô – Alameda Lorena, 871 – Jardins, São Paulo – SP – Tel.: (11) 3774-6877
Torero Valese – Rua Horacio Lafer, 638, Itaim Bibi, São Paulo – SP – Tel.: (11) 3168-7917
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POLVO COM BATATA – RENDE 2 PORÇÕES
INGREDIENTES
- 180 g de batatas cortadas em cubos , cozidas
- 70 ml de azeite extravirgem de oliva
- 10 g de alho descascado e laminado
- 200 g de polvo cozido (aproximadamente 4 tentáculos)
- 6g de páprica (misture a doce com a picante)
- Sal a gosto
- Salsinha picada para decorar
PREPARO
1. Em uma tigela pequena, misture os dois tipos de páprica.
2. Em uma panela, coloque as batatas no azeite já aquecido e doure-as de todos os lados.
3. Junte as lâminas de alho e refogue em fogo baixo, até dourarem.
4. Incorpore o polvo cozido, tempere-o com sal e com a mistura de pápricas.
5. Polvilhe com a salsinha e sirva imediatamente
Tapa do restaurante Aragon, de São Paulo, SP