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Por Coluna
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Sonho de padaria

Como um pãozinho doce e fofo criado na Prússia, inspirado em uma bala de canhão, virou sucesso até no Brasil

Por J.A. Dias Lopes Atualizado em 30 jul 2020, 20h41 - Publicado em 6 nov 2017, 12h01

Franzino, tímido e delicado, o recruta foi dispensado do serviço militar. Não tinha o perfil espartano dos soldados de Frederico II (1712-1786), o Grande, Rei da Prússia, famoso como estrategista militar, pelo exército altamente treinado e por vencer árduas batalhas. Mandaram o rapaz embora pela incapacidade de suportar os rigores das guerra, embora ele se encantasse com o canhão da artilharia.

Afastado do exército, o recruta anônimo  regressou a Berlim, por sinal cidade natal de Frederico, o Grande, e voltou a trabalhar como ajudante de padeiro. Mas não esquecia do canhão e do barulho produzido pelas balas ao explodirem. Recordando a experiência, inventou um pãozinho doce. Moldou bolas de massa de farinha de trigo, leite, açúcar e ovos, que deixara levedar, dando-lhe o formato e o tamanho dos projéteis de um canhão.

Em vez de assá-las no forno, porém, fritou-as em um enorme recipiente de metal. Teria nascido  assim, no reinado de Frederico, o Grande, o Bolo Berlinense de Frigideira (Berliner Pfannkuchen), a Bola de Berlim (Berliner Ballen) ou Berlinense (Berliner), hoje o nome dominante em muitos lugares da Alemanha. No Brasil, o pãozinho doce e fofo foi batizado de Sonho de Padaria. Seria por encantar as pessoas com sua textura e sabor incomuns?

Canhão: a Bola de Berlim seria inspirada em sua bala destruidora
Canhão: a Bola de Berlim seria inspirada em sua bala destruidora (CCO Creative Commons/Divulgação)

Não é certo se Frederico, o Grande, provou a Bola de Berlim, mas se acredita que sim. A novidade fez sucesso rápido na Prússia, país de extensão complexa, dividido em 65 territórios, que ocupava quase 2/3 da atual Alemanha e outro tanto de nações vizinhas. Copiada por diferentes   padeiros, difundiu-se nacionalmente e, a seguir, no mundo. Tudo o que acontecia na Prússia da época atraía os olhares internacionais.

Além da ser notável comandante militar, Frederico, o Grande patrocinou a prosperidade econômica do seu país e admirava a literatura e os intelectuais franceses, tendo sido amigo do filósofo Voltaire. Para completar, gostava da música e das artes em geral. Comia bem, sempre contratou grandes cozinheiros e confeiteiros. Escolhia na véspera os oito pratos que encontraria na mesa. Bebia vinhos da Hungria ou da comuna francesa de Bergerac, misturados com um pouco de água, ou da região de Champagne.

Foi marcado a fogo pela educação rigorosa recebida do pai, o tirânico e violento Frederico Guilherme I, que desaprovava a sensibilidade intelectual do filho. Julgava-a não ser característica masculina. Tanto que colocou em dúvida o comportamento sexual do seu futuro sucessor no trono da Prússia. Para assegurar-lhe a virilidade, mandava acordá-lo todas as manhãs com um tiro de canhão.

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Como o filho se rebelasse contra tudo isso, Frederico Guilherme I o colocou na prisão, ameaçou de morte e o obrigou, aos 17 anos, a assistir a execução do melhor amigo, Hans Hermann von Katte. Acusou o rapaz de ajudá-lo na tentativa frustrada de fugir para a Inglaterra. Na verdade, suspeitava que ambos mantivessem um relacionamento homossexual.

Frederico, o Grande, casou-se por ordem do pai com Isabel Cristina, sobrinha de Carlos VI, Imperador Romano-Germânico, Arquiduque da Áustria e Rei da Hungria, Croácia e Boêmia. Os dois conviveram poucos meses no castelo de Rheinsberg, ao norte de Berlim. Pareciam felizes no início, mas logo se desentenderam e cada um seguiu o seu caminho.

A Bola de Berlim, portanto, é um pãozinho  doce da confeitaria alemã, junto com o Apfelstrudel (strudel de maçã), o Stollen (pão de Natal), a Compota de Frutas Vermelhas e o Creme Bávaro. Chegou ao Brasil por influência dos imigrantes germânicos, desembarcados entre os séculos XIX e XX. As primeiras referências ao seu preparo entre nós vieram do Rio Grande do Sul. Um contingente pioneiro de imigrantes alemães foi instalado em 1824, na atual cidade de São Leopoldo, perto de Porto Alegre.

Em Santo Antônio da Patrulha, a 100 quilômetros dali, que também recebeu colonos germânicos, faz-se até hoje o Sonho de Santo Antônio. Entretanto, a receita difere um pouco da primitiva: a massa do bolinho não é levedada. Daí o Sonho de Santo Antônio ficar oco e leve. O que é submetido à fermentação tem a massa compacta e resulta, por isso, levemente mais pesada.

Em São Paulo, o Sonho de Padaria teria sido introduzido entre as décadas de 1920 e 1930. Os padeiros o rechearam da maneira tradicional: com creme de baunilha, leite, gemas, açúcar, farinha de trigo e manteiga. Agora, também usam doce de leite, chantilly, goiabada e doce de banana. A receita foi aperfeiçoada, a massa se tornou mais leve e se reduziu o tamanho do pãozinho. Existe ainda uma versão assada no forno e não frita.

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O Sonho de Padaria alcançou popularidade na capital paulista a partir da década de 1940, graças ao saudoso padeiro Benjamin Abrahão, paulista de Franca, e de sua mulher, a espanhola Maria Luísa. No começo, o casal o vendia na feira. Mantinha uma banca chamada La Espanhola, em homenagem à Maria Luísa.

Em 1976, inaugurou uma padaria na Praça Vilaboim, sempre na cidade de São Paulo, e multiplicou os endereços. A grife é controlada desde 2016 pelos empresários Abilio Diniz e Jorge Paulo Lemann. Teriam adquirido 80% dela por 50 milhões de reais.

A Bola de Berlim se internacionalizou e recebeu nomes diferentes, conforme o país. Mantém a designação original em Portugal e na França; chama-se Berlines no Chile; Borlas de Fraile na Argentina e no Uruguai; Bombolone ou Krapfen na Itália, dependendo da região; Sufganiyah em Israel; Hillomunkki na Finlândia; Doughnuts em muitos países de língua inglesa; Bismarcks nos Estados Unidos. Também já foi Bismark na Alemanha, em homenagem ao chanceler germânico Otto von Bismarck (1815-1898), seu devotado apreciador.

Os recheios igualmente mudam. Na Alemanha, usa-se compota de fruta, chocolate, espumante demi-sec ou um licor cremoso feito com ovo, açúcar e conhaque. É injetado com uma seringa grossa, após a fritura. Portanto, não se torna  visível antes da primeira dentada. A maioria o polvilha o pãozinho doce no final com açúcar de confeiteiro.

Quando pronunciou seu antológico discurso em Berlim Ocidental, a 26 de junho de 1963, o  presidente John F. Kennedy, dos Estados Unidos, cometeu uma gafe histórica. Atrapalhou-se ao usar a palavra germânica Berliner. Estava tenso, seu país enfrentava crise monumental com a extinta União Soviética. Quis falar “Eu sou um berlinense”, para e sublinhar que, embora não fosse um cidadão local, identificava-com as pessoas que viviam na cidade e enfatizava o apoio dos Estados Unidos à Alemanha Ocidental.

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No ano anterior, o regime comunista da Alemanha Oriental, aliada da União Soviética, havia erguido o Muro de Berlim. Mas Kennedy declarou “Ich bin ein Berliner”. A frase estava correta e perfeitamente aceitável, porém aquele ein (um) dava um segundo sentido. Fazia-o dizer “Eu sou um Berliner”. Alguns alemães acharam engraçado. Em tradução brasileira, o presidente dos Estados Unidos se declarou um Sonho de Padaria.

SONHOS DE PADARIA – Rende cerca de 40 a 50 unidades

INGREDIENTES

MASSA

  • 150g de fermento (biológico) para pão
  • 550ml de leite
  • 1kg de farinha de trigo
  • 2 ovos inteiros mais 3 gemas
  • 150g de açúcar
  • 150g de manteiga
  • Finas raspas de 1/2 limão
  • Óleo para a fritura
  • Açúcar de confeiteiro, para polvilhar

RECHEIO

  • 1,25 l de leite
  • 40g de manteiga sem sal
  • 1/2 kg de açúcar
  • 7 gemas de ovos
  • 200g de farinha de trigo
  • Gotas de essência de baunilha  para aromatizar

PREPARO

MASSA

1. Dissolva o fermento em 100ml do leite morno e deixe descansar por 30 minutos.

2. Em uma tigela, ou na mesa de trabalho, misture a farinha de trigo com os ovos, as gemas, o açúcar, a manteiga e o leite que sobrou.

3. Trabalhe a massa até ficar lisa e homogênea. Junte as raspas de limão e, por último, o fermento já dissolvido.

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4. Trabalhe mais um pouco a massa e deixe-a descansar por cerca de 20 minutos.Faça bolinhas de massa com cerca de  30 a 40 gramas cada uma e deixe-as crescer até quase  dobrarem de tamanho.

5. Frite-as aos poucos, em óleo abundante, previamente aquecido.Retire-as com uma escumadeira e deixe-as esfriar.

RECHEIO

6. Leve ao fogo 1 litro do leite com a manteiga.

7. Em outro recipiente, misture em fogo baixo o açúcar com as gemas e o leite que sobrou. Vá colocando a farinha de trigo aos poucos, sem parar de mexer, até engrossar. Junte o leite que ferveu com a manteiga e misture a essência de baunilha. Retire do fogo e deixe esfriar, mexendo de vez em quando.

MONTAGEM

8. Faça um corte nos sonhos, recheie cada um deles com o creme de baunilha e sirva-os polvilhados  com açúcar de confeiteiro.

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