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Receita de bruxa

Praticante da magia e da feitiçaria, Maria de Jesus Mourão, de Valpaços, em Portugal, que também era grande cozinheira, inventou um apetitoso bacalhau

Por J.A. Dias Lopes Atualizado em 19 mar 2018, 22h37 - Publicado em 19 mar 2018, 22h35

Parece estranho sugerir um bacalhau com o nome de bruxa para ser preparado e saboreado na Quaresma, o período do ano litúrgico celebrado por algumas igrejas cristãs, especialmente pela Católica, que neste ano começou em 14 de fevereiro e termina em 29 de março. Mas não é. Primeiro, porque a bruxaria não aterroriza mais as pessoas nos países da Europa Central, como acontecia séculos atrás, quando era reprimida sem tréguas. Depois, pelo fato da humanidade ter deixado de acreditar nos seus efeitos destruidores. Além disso, o Bacalhau à Bruxa de Valpaços, sugerido aqui, é extremamente apetitoso e oferecê-lo à família e aos amigos pode ser divertido.

A receita batizada com esse nome foi inventada por uma mulher simples chamada Maria de Jesus Mourão, que vivia em Valpaços, pequena cidade do Norte de Portugal, cujo município faz divisa com Chaves, Mirandela e Murça, mais conhecidos dos turistas. Viveu entre os séculos XIX e XX, “tendo falecido depois de 1910”, conforme seus conterrâneos. Segundo as mesmas fontes, “enfrentou problemas com a República”. Como a Monarquia  foi deposta em Portugal no mês de outubro de 1910, obviamente Maria Mourão morreu depois.

O escritor gastronômico transmontano Virgílio Nogueiro Gomes acredita que a bruxa de Valpaços “era uma mulher sem limites, que expunha livremente as suas opiniões”.  Teria sido perseguida pela República porque a Santa Inquisição – o tribunal criado pela Igreja Católica durante a Idade Média, para banir os contestadores dos seus preceitos  – já se encontrava desativada.

Sabe-se pouco sobre Maria Mourão. Apenas há certeza de que era bruxa e sofria de problemas mentais, “a ponto de precisar ser internada à força”. Ao mesmo tempo, revelava-se grande cozinheira. A biblioteca de Valpaços conserva o diário manuscrito no qual Maria Mourão escreveu a receita do seu bacalhau. Isso, pelo menos, comprovaria a existência da personagem.

Monta-se o Bacalhau à Bruxa de Valpaços em camadas, com cebola, batata, toucinho e temperos; rega-se com azeite, leva-se ao fogo em panela de barro. A receita, porém, só foi conhecida pelos portugueses de modo geral através do livro “As 100 Maneiras de Cozinhar Bacalhau e Outros Peixes”, de Francisco Guedes, lançado em 2001 pela Publicações Dom Quixote, de Lisboa. Maria Mourão deixou outra criação deliciosa: o Coelho à Bruxa de Valpaços. É também cozido em camadas, em fogo brando, em panela tampada, intercalado por batatas, toucinho, cravo, alho, sal pimenta; e regado com azeite, caldo de carne e vinagre.

Evidentemente, Maria Mourão passou por maus momentos. A bruxaria cionstitui uma antiga fé pagã que sobreviveu à fundação do cristianismo. Os portugueses, católicos históricos, não a suportavam. Na tradição católica e de quase todas as culturas, quem pratica a bruxaria é quase sempre uma mulher e desfruta da péssima reputação de agente do mal.

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O imaginário popular retrata a bruxa como uma velha nariguda, verruguenta, desdentada e corcunda, que solta gargalhadas horríveis e cavalga uma vassoura voadora, principalmente nas noites de lua cheia; ou dá saltos no chão com o mesmo utensílio doméstico. Frequentemente, associam-na aos gatos pretos. Para completar, atribui-se à bruxa acertos com o demônio, a prática da magia negra e da feitiçaria.

Durante a Santa Inquisição, as bruxas eram tourturadas ou queimadas na fogueira. Em 1326, o papa João XXII atorizou perseguui-las sob a acusação de heresia, ou seja, de que agiam para subverter a religião e destruir o reino de Deus. Inocêncio VIII, outro pontífice romano, promulgou em 1484 a bula “Summis Desiderantes Affectibus”, confirmando e abominando a existência da bruxaria. A perseguição foi intensa entre 1450 e 1750, quando as torturas e execuções fizeram milhares de vítimas. Só na Europa Central oscilaram entre 350.000 e 3 milhões, conforme os cálculos.

Por influência cultural dos celtas, os países anglo-saxões, que tiveram como ancestrais aqueles povos da família linguística indo-europeia, sempre foram ambivalentes em relação às bruxas. Para eles, tanto podem ser figuras detestáveis como divertidas. Prova disso é a festa de ascendência anglo-saxônica do Halloween, celebrada a 31 de outubro, adotada e espalhada no mundo pelos Estados Unidos.

A festa chegou ao Brasil através de São Paulo, no final do século passado, trazida pelos cursos de inglês e escolas anglófilas. Crianças e jovens se vestem de bruxas, considerando-as seres inofensivos. Pintam na ponta do nariz uma falsa verruga, veias saltadas e manchas no rosto para imitar sangue. A seguir, batem brincando nas portas dos vizinhos, pedindo guloseimas e oferecendo a opção: “Doces ou travessuras?”.

Sim, as bruxas já não são mais as mesmas, porém estão de volta, manifestando-se em diferentes circunstâncias. Quem não lembra, por exemplo, do filme Malévola, com Angelina Jolie, de 2014, inspirado no conto da Bela Adormecida? A personagem central deixa de ser uma bruxa vingativa e amarga, que amaldiçoa a filha recém-nascida, para desenvolver sentimentos de amor em relação à jovem.

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Nos Estados Unidos e Europa Central, as bruxas modernas se opõem deliberadamente à magia negra, ou seja, assumem a incapacidade de fazer mal e celebram os seus ritos em cerimônias secretas e públicas. Portanto, é   compreensível o prestígio ascendente do Bacalhau à Bruxa de Valpaços. Mesmo neste período do ano.

 

RECEITA

BACALHAU À BRUXA DE VALPAÇOS

Rende cerca de 6 porções

INGREDIENTES

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.1 kg de bacalhau em lascas , sem pele e sem espinhas, já demolhado

.6 cebolas grandes em finas rodelas

.600 g de batatas  em rodelas

.80 g de toucinho em pequenos cubos

.3 dentes de alho em finas lâminas

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.3 colheres (sopa) de vinagre

.3 colheres (sopa) de salsinha picada

.3 colheres (sopa) de farinha de trigo para polvilhar

.100 ml de azeite de oliva (aproximadamente) para regar

.Sal e pimenta-do-reino moída na hora a gosto

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 ACOMPANHAMENTO

.Couve cortada em finas tiras e refogada em um fio de óleo de oliva

PREPARO

  1. No fundo de uma panela grande, de preferência de barro, faça uma primeira camada, colocando um terço das cebolas, depois um terço do bacalhau, um terço das batatas, do toucinho, do alho, do vinagre, da salsinha, do sal, da pimenta, terminando a camada com um terço da farinha de trigo.
  2. Repita essa montagem até completar três camadas e finalize regando tudo com o azeite de oliva.
  3. Tampe a panela e leve ao fogo brando, por cerca de 30 minutos.
  4. Se preferir, monte as camadas em porções individuais.
  5. Sirva o bacalhau com a couve.
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