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Ragu à bolonhesa

Inspirado na receita original italiana, servido no Brasil sobre spaghetti, transformou-se em um dos pratos mais populares do país

Por J.A. Dias Lopes 10 jun 2019, 12h53

Uma das receitas de enorme popularidade que imigrantes italianos introduziram em São Paulo e depois se espalhou no Brasil, foi o ragu à bolonhesa. Como seu nome sugere, descende do ragù alla bolognese, prato emblemático da Emília-Romanha, a região que tem como capital Bolonha. Mas a nossa receita não é igual, pois sofreu transformações, talvez porque os imigrantes não encontraram todos os seus ingredientes aqui ou por motivo de simplificação. Leva carne bovina moída, água e molho de tomate, cenoura e salsinha picadas, óleo e sal. Tudo elementar. Só o molho de tomate pode ser opcionalmente mais demorado.

Servimos nosso ragu (sem acento, em português) à bolonhesa sobre spaghetti, que é pasta seca, produzida industrialmente. Na Emília-Romanha, o ragù alla bolognese combina necessariamente com a pasta fresca, ou seja, que não passa pelo processo industrial e absorve divinamente o molho. Usam-no sempre em tagliatelle all’uovo ou tagliatelle alla bolognese; e também na lasanha ao forno, junto com molho branco ou béchamel; ou na polenta, prato da cozinha pobre. A troca da massa não chega a ser uma exclusividade brasileira: outros países fazem o mesmo. Seria mera coincidência? Internacionalmente, spaghetti é um formato mais comum de pasta.

Os italianos se irritam com nosso ragu à bolonhesa, até porque aqui no país e em outros do mundo ele é apresentado como símbolo da sua cozinha. Tanto é verdade que, no início do ano, Virginio Merola, sindaco (prefeito) de Bolonha, do centro-esquerda Partido Democrático, postou o seguinte comentário no Twiter, junto com a foto de uma lousa afixada na porta de um restaurante da capital britânica, que anunciava o prato: “Caros cidadãos, estou colecionando fotografias do spaghetti alla bolognese em volta do mundo. Esta chega de Londres. Se puderem, enviem-me as suas. Obrigado”.

Foi um deus nos acuda! Recebeu uma montanha de respostas acompanhadas de fotos mandadas por patrícios solidários. Virginio Merola voltou à carga em seguida, declarando ao jornal britânico The Daily Telegraph: “É estranho sermos famosos no mundo por um prato que não é nosso. Estamos felizes pela atenção dedicada à cidade, mas preferimos ser conhecidos pela comida que faz parte de nossa tradição”. Também prometeu expor as imagens vindas através das redes sociais no FICO Eataly World, de Bolonha, o maior parque temático gastronômico do mundo.

Uma pesquisa realizada pela revista Quatro Rodas, da Editora Abril, anos atrás, apontou o spaghetti à bolonhesa como um dos pratos mais pedidos nos restaurantes do Brasil. Em São Paulo, particularmente, é preparado há muito tempo, sobretudo nos estabelecimentos que praticam uma cozinha de inspiração italiana. Um deles, a cantina Trattoria do Sargento, na rua Pamplona, 1354, Jardim Paulista, fundada em 1963, que assegura praticar “a verdadeira culinária cantineira” e garante oferecer “o melhor molho à bolonhesa de São Paulo”.

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Na lembrança do restaurateur e memorialista ítalo-paulistano Massimo Ferrari, o popularíssimo restaurante O Gato Que Ri, sempre estabelecido no Largo do Arouche, 37/41, República, reivindicava esse primado entre as décadas de 1950 e 60. Seu spaghetti à bolonhesa se revelava tão pedido quanto outros sucessos da casa: cappelletti in brodo (servido no caldo do cozimento) e brasato (carne assada no forno, fatiada e acompanhada de escarola). O restaurante foi aberto em 1951 por Amélia Mazotti Montanari, uma italiana natural de Veneza. Ela escolhia o cardápio e controlava pessoalmente a elaboração dos pratos.

Acolhia os clientes com simpatia, conhecia muitos pelo nome e sabia das preferências de cada um. Morava em apartamento situado na parte superior do prédio de O Gato Que Ri, onde em certa manhã de 1983 a encontraram morta, brutalmente assassinada. O crime, um dos grandes mistérios já enfrentados pela polícia de São Paulo, nunca seria desvendado. O restaurante pertence hoje à Rede Graal, um conglomerado gigante de postos de gasolina e restaurantes espalhados por São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais e Rio Grande do Sul – e continua a preparar spaghetti à bolonhesa.

Na Emília-Romanha, faz-se habitualmente o ragù alla bolognese com a carne bovina moída grossa, picada ou desfiada, carne suína gorda ou pancetta (barriga de porco curada e temperada), água, vinho branco, cenoura, salsão, cebola, passata (purê) de tomate ou tomate pelado, vinho tinto, leite integral, azeite, manteiga, pimenta preta, sal e facultativamente panna (creme de leite). A fim de conter desfigurações e garantir o mínimo de respeito à tradição, a Accademia Italiana da Cozinha depositou a sua receita, em 1982, na Camera di Commercio Industria Artigianato e Agricoltura de Bolonha.

Quem quiser alterá-la, que o faça. Mas não deve chamar o prato de à bolonhesa, como no Brasil. A restrição, porém, dificilmente terá êxito por aqui. Em São Paulo, o spaghetti à bolonhesa, além de continuar a ser oferecido nas cantinas de cozinha dita italiana, converteu-se há muito tempo em comida da mamma. Afinal, foram as donas de casa dos bairros povoados pelos imigrantes que começaram a prepará-lo na cidade. Enriquece o almoço da família no domingo, proporciona uma dieta equilibrada às crianças e aos adultos, ao associar proteína e carboidrato.

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Segundo a Grande Enciclopedia Illustrata Della Gastronomia (Selezione dal Reader’s Digest, Milão, 2000), a palavra ragù não é italiana. Deriva da francesa ragoût. A receita estrangeira parece ter sido inventada ali no século XVII. É elaborada com pedaços de carne, ave, caça, peixe ou legume, cozidos em líquido. Serve de guarnição e também para rechear vol-au-vent, pastel e empada. A Grande Enciclopedia Illustrata Della Gastronomia ainda ressalta que a palavra ragù designa na Itália “preparações bastante diversas entre si, mas apresentando em comum o uso da carne cozida em molho destinado a temperar a massa”.
O ragù alla bolognese é o mais difundido no mundo. Mas há também o igualmente apreciado ragù alla napoletana (à napolitana), típico do sul da Itália, à base de carnes diferentes que cozinham durante horas em fogo médio, junto com passata, azeite, cebola, vinho tinto e água. Vai à mesa sobre fusilli e paccheri (espécie de rigatoni, com formato maior), polvilhado com queijo parmesão. Mas a carne é servida à parte, em porções, com o nome de “braciole al ragù”. Existem mais preparações na família do molho. São o ragù sardo, o piemontese ou piemontês, também servido com risotto, o lucano ou alla potentina, o abruzzese, o barese ou del macellaio.

Em São Paulo, os imigrantes da Calábria difundiram seu ragù alla calabrese, feito com músculo bovino cortado em pedacinhos e porções inteiras de linguiça calabresa. Enfim, muitas regiões italianas têm receitas da preparação. Por extensão, os italianos também falam em ragù di seppie (lulas), di gamberi (camarões) ou di vongole. Entretanto, a “Grande Enciclopedia Illustrata Della Gastronomia” os considera “definições de fantasia”.

Qual seria o mais saboroso, o ragù alla napoletana ou o alla bolognese? As opiniões se dividem. Quem visita a pé os bairros residenciais de Nápoles, em uma manhã de domingo, encanta-se com o perfume sedutor que emana pelas janelas, vindo das cozinhas – e jamais o apagará da memória olfativa. O escritor e jornalista italiano Guiseppe Marotta, no livro “L’oro di Napoli”, de 1947, filmado por Vittorio de Sica em 1954, festejou essa experiência sensorial. Louvou o suave vapor vindo “das panelas de terracota que alouram a cebola (…) e fazem o recém-colhido raminho de manjericão emanar suas nobres essências”.

A atriz Sophia Loren, que nasceu em Roma, mas viveu toda a infância e a adolescência em Pozzuoli, na província meridional de Nápoles, já promoveu nas telas a receita sulista. Nas primeiras cenas do filme televisivo “Sabato, Domenica e Lunedì” (“Sábado, Domingo e Segunda”), de 1990, dirigido por Lina Wertmüller e baseado na comédia homônima de Eduardo De Filippo, ela discute no açougue, com outras clientes, a melhor maneira de preparar o ragù napoletano. O debate se torna acalorado e vira pancadaria. A cena diverte. Não por acaso, Sophia faz o papel de uma dona de casa. Em Nápoles, como em São Paulo, ragù também é molho da mamma.

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A cena com Sophia Loren no filme “Sabato, Domenica e Lunedì”:

RAGU À BOLONHESA

(BRASIL)

Rende 6 porções

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INGREDIENTES

MOLHO DE TOMATE

(Use este ou a versão simplificada, refogando os tomates picados com alho, cebola, temperando com sal e desmanchando no fogo)

.1 cebola picada
.2 dentes de alho picados
.2 colheres (sopa) de azeite
.4 kg de tomates maduros descascados e cortados em 4 pedaços cada um
.1 cenoura pequena ralada
.1 colher (sobremesa) de orégano
.1 folha de louro
.2 talos de salsão picados
.6 folhas de manjericão fresco
.1 copo de vinho branco seco
.Sal a gosto

RAGU
.1 cenoura pequena ralada
.2 colheres (sopa) de azeite
.500g de carne bovina moída
.300ml de água
.300g de molho de tomate (já preparado e reservado)
.1 colher (sopa) de salsinha picada
.Sal a gosto

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PREPARO

MOLHO DE TOMATE
1.Em uma panela, refogue a cebola e o alho no azeite quente.
2.Acrescente os tomates, a cenoura ralada, o orégano, o louro, o salsão, o manjericão e o vinho.
3.Deixe cozinhar por aproximadamente 2 horas em fogo brando, mexendo seguidamente , para não queimar no fundo da panela.
4.Passe tudo em uma peneira e aperte bem, aproveitando apenas o líquido.
5.Tempere com sal e leve novamente ao fogo baixo, para encorpar um pouco mais. Reserve para usar no ragu.

RAGU
6.Refogue a cenoura no azeite, em fogo brando, por 5 minutos.
7.Acrescente a carne moída, refogando por mais 10 minutos.
8.Adicione a água e cozinhe por 20 minutos.
9. Incorpore o molho de tomate (que ficou reservado), a salsinha e deixe cozinhar por cerca de 15 minutos.
10.Tempere com sal, se necessário.

FINALIZAÇÃO
11. Sirva o ragu sobre spaghetti.

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