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Quem tem medo de mortadela?

Eis um produto com significados diferentes, um dos quais apelida militantes políticos. Mas a acepção majoritária designa um dos melhores embutidos italianos

Por J.A. Dias Lopes Atualizado em 24 out 2018, 07h43 - Publicado em 24 out 2018, 07h32

Uma palavra de significado ampliado, por conta do embate político que divide o Brasil, é mortadela. Opõe-se à coxinha, apelido da pessoa certinha, conservadora e adversária do Partido dos Trabalhadores. Sobre esse significado falamos no post anterior, da semana passada. Mortadela também passou a designar os simpatizantes da esquerda e particularmente os adeptos do PT. São pessoas que, por irem às manifestações públicas da agremiação, ganham sanduíches recheados com esse embutido de massa de carne.

A mortadela original tem sabor delicado e aroma suave de especiarias, formato cilíndrico ou oval, pesa entre 500 gramas e 100 quilos, embora existam peças menores e maiores. Os militantes recebiam o acepipe quando iam às passeatas contra o impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff  daí o apelido. Nos casos dos dois alimentos, há quem lamente o comprometimento ideológico, embora sejam alimentos tradicionalmente apolíticos. Paciência, a voz do povo já os consagrou assim.

A mortadela que nos interessa aqui é evidentemente a milenar e tem uma porta-estandarte célebre, hoje com 84 anos de idade, completados no mês passado: a atriz italiana Sophia Loren. Ela a celebrizou na comédia “La Mortadella”, dirigida por Mario Monicelli e lançada em 1971. Sophia representa no filme a italiana Maddalena Ciarrapico, jovem mulher que viaja para Nova York, onde encontrará o noivo que imigrou para os Estados Unidos, “a fim de fazer a América”.

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Leva para ele uma grande mortadela, até porque trabalhava em indústria que a preparava. Mas é barrada no aeroporto norte-americano. As autoridades alfandegárias invocam a lei de restrições sanitárias que proíbe a entrada do embutido e similares no país. Maddalena/Sophia resiste e acaba detida. A música de fundo, “La Storia di Maddalena”, uma composição de Lucio Dalla e Rosalino Cellamare (Ron), é cantada pela própria atriz:

https://www.youtube.com/watch?v=xXWGWhj9VE0

Um jornalista norte-americano, Jock Fenner, vivido pelo ator William Devane, publica reportagem sobre o episódio e o drama da noiva italiana alcança repercussão entre a população e os políticos. O desempenho de Sophia rendeu-lhe o título de “madrinha da mortadela” e turbinou o consumo de um embutido criado no Império Romano, ou seja, há mais de 2 mil anos, em cuja elaboração os italianos se tornaram craques. O filme de Sophia ainda deu um upgrade à mortadela, até então vista como recheio de sanduíche barato e popular.

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Sophia Loren, no filme “La Mortadella”, de 1971: impedida pelas leis sanitárias dos Estados Unidos de entrar no país com o presente para o noivo (Cena do filme "La Mortadella"/Reprodução)

Há versões diferentes para seu nome. A “Grande Enciclopedia Illustrata della Gastronomia” (Selezione dal Reader’s Digest, Milão, 2000) acredita vir de farcimen murtatum ou myrtatum,  linguiça do tempo dos antigos romanos. Era  temperada com murta (gênero Myrtus L.), planta nativa do sudoeste da Europa e do Norte da  África. Alguns historiadores gastronômicos, porém, julgam-na relacionada com murtatum, que significa carne triturada no mortaio, o morteiro ou pilão que os brasileiros utilizam para fazer paçoca de carne de sol e canjica de milho.

O naturalista Plínio, o Velho (23-79), contou que Augusto, fundador do Império Romano e seu primeiro imperador, governando de 27 a.C. até sua morte em 14 d.C., não passava sem mortadela. Mandava vir grandes peças de Bolonha, capital da Emilia-Romagna, que ainda hoje se ufana merecidamente de fazer “a melhor mortadela do mundo”. Os italianos a utilizam em mousses para espalmar no pão, em diferentes entradas, no recheio de massas como ravióli ou cappelletti e em polpette (almôndegas).

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A verdadeira mortadela de Bologna IGP (Indicazione Geografica Protetta), procede da província onde se encontra a capital da Emilia-Romagna. Leva carne magra da paleta ou do traseiro do porco e gordura da papada. Primeiro a carne é cortada em pedaços; a seguir, passa na máquina picadora, no pré-misturador e em duas moendas muito finas. Desse modo, obtém-se uma pasta cremosa enriquecida com pequenos cubos de gordura. A combinação dos ingredientes dura de 5 a 15 minutos.

A seguir, embute-se a massa no invólucro apropriado. Depois, a mortadela vai para estufas especiais, a fim de cozinhar no vapor, a uma temperatura máxima de 85ºC. Finalmente, recebe uma ducha fria e ingressa em uma câmara de resfriamento que a estabiliza. Como produto, tem similares nas regiões do Piemonte, Lombardia, Veneto, Toscana, Marque, Lacio e província de Trento. Mas nenhuma mortadela se compara à de Bolonha, da qual são elaboradas anualmente cerca de 40 mil toneladas.

Muitas pessoas acreditam que incorpore carne de cavalo. Isso aconteceu no passado. Entretanto, prefere-se a suína. Na província de siciliana de Ragusana, porém, faz-se uma cobiçadíssima mortadela à base de carne de burro, com lardello (cubo de banha) do suíno preto regional. Apresenta sabor delicado e muitos a comparam com a receita da antiga tradição italiana.

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No Brasil, a voz do povo atribui à mortadela outros significados: pilantra, aproveitador, pessoa que gosta de se vestir bem, embora não tenha dinheiro para isso. Mas somos loucos pelo embutido. A receita da mortadela italiana desembarcou em nosso país com os imigrantes italianos e foi adaptada. Hoje, costuma ser preparada com aproximadamente 50% de carne suína e bovina e no restante vai a gordura desses animais, pele, tendões e miúdos de bovino, suíno ou ovino (estômago, coração, língua, fígado, rins, miolos).

O resultado é um produto de cor e sabor mais fortes, decorrentes também do ocasional excesso de temperos. Mastigando o embutido abrasileirado, obviamente mais barato do que o importado, no meio do pão francês, “os mortadelas” da militância política encontram energias para seu barulho nas ruas. Benza, ó Deus!.

MOUSSE DI MORTADELLA

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RENDE 6 PORÇÕES

INGREDIENTES

  • 300g de mortadela de excelente qualidade (prefira a italiana de Bologna) em fatias grossas
  • 20g de queijo tipo grana padano ralado
  • 100g de ricotta fresca
  • 2 colheres (sopa) de creme de leite fresco

PREPARO

  1. Pique a mortadela grosseiramente e coloque-a em uma tigela.
  2. Junte os dois tipos de queijo, misture e incorpore o creme de leite fresco.
  3. Transfira tudo para o liquidificador e bata até obter um composto liso e homogêneo.
  4. A mousse está pronta para ser utilizada, sobretudo espalmada em fatias de pão italiano.

Dica: se quiser reservá-la, coloque-a em um recipiente hermeticamente fechado e guarde na geladeira por, no máximo, 3 dias.

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