Paris era uma festa
Elegante e requintado, o restaurante Maxim’s, no coração da capital francesa, continua a evocar o esplendor da Belle Époque
Se alguém perguntar qual foi o endereço mais representativo da Belle Époque – o período de glamour e deslumbramento que a França e a Europa viveram do final do século XIX até a Primeira Guerra Mundial –, eis a resposta: o Maxim’s, da Rue Royale, 3, no coração de Paris. O elegantíssimo restaurante funcionava apenas à noite, abrindo às 17 horas para os aperitivos, servindo o jantar das 20 às 22 horas e estendendo a ceia até a madrugada.
Aberto em 1893, por Maxime Gaillard, garçom que trabalhava em um bar vizinho, o santuário da Belle Époque primeiro funcionou como bistrot, servindo comida simples a preços acessíveis, petiscos, bebidas alcoólicas e café. Atendia operários que trabalhavam nas redondezas e cocheiros de aristocratas. Os patrões preferiam jantar em locais requintados.
Mas logo descobriram a comida apetitosa do bistrot, as ostras frescas, a sopa de cebola, as lagostas cozidas, o linguado ao conhaque, o frango assado, os escalopes de vitela, os pés e rabos de porco grelhados. A presença dos patrões escorraçou operários e cocheiros. Além disso, o bistrot funcionava em local estratégico para eles, perto dos movimentados Automóvel Clube e Jockey Clube, e do Hotel Crillon, onde o luxo não tinha limites.
Batizado com o genitivo saxão, o Maxim’s virou grã-fino. Ao ser reformado para a Exposição Universal de 1900, ganhou a exuberância da decoração em estilo Art Nouveau, na qual predominaram as linhas curvas e assimétricas, a aplicação de flores e plantas para dar ideia de movimento, o uso do ferro e do vidro, os vitrais coloridos, os lustres retorcidos, elementos que conserva até hoje.
O Maxim’s acolhia uma clientela predominantemente masculina e refinada. Era frequentado por reis, príncipes e todas as figuras brasonadas, por aristocratas de alto calibre, milionários europeus e americanos etc. Foram ao seu restaurante os soberanos Afonso XIII da Espanha, Alberto I de Mônaco, Guilherme II da Alemanha, Leopoldo II da Bélgica, Nicolau II da Rússia e então futuro rei Eduardo VII da Inglaterra.
O escritor catalão Néstor Luján, em sua “Historia de la Gastronomía” (Ediciones Folio, Barcelona, 1997), relaciona outros clientes notáveis. Eram os príncipes de Sagan e Murat; os duques Vladimir, Michel e Alexis; os duques de Mornryn e o de Uzès, um jovem que morreu na África, para onde a mãe o enviou, afastando-o da cortesã Emilienne d’Alençon, pela qual o filho se apaixonara; o irreverente marquês Boni de Castellane, que dilapidou em farras noturnas parte da fortuna da mulher, a herdeira norte-americana Anna Gould.
No livro “Asas da Loucura” (Editora Objetiva, Rio de Janeiro, 2004), excelente biografia de Alberto Santos Dumont, o norte-americano Paul Hoffman lembra que o Pioneiro da Aviação foi um dos primeiros clientes do Maxim’s. Chegava para a ceia, sentava sempre na mesma mesa, em um dos cantos do salão principal, de costas para a parede, ficava olhando o movimento e muitas vezes comia sozinho.
Caso contrário, tinha ao lado amigos como Louis Cartier, dono da grife joalheira, que desenvolveu para Santos Dumont um dos primeiros relógios de pulso, com o qual o Pioneiro da Aviação calculava o tempo em seus voos sem precisar tirar a mão dos controles; ou Gustave Eiffel, o arquiteto da torre que virou ícone mundial da França.
Em 1903, Santos Dumont foi visto com o caricaturista e escritor George Goursat, o Sem, companhia inseparável durante alguns meses e uma espécie de seu clone: passeavam juntos vestindo ternos idênticos e extravagantes, exibindo os mesmos colarinhos altos e chapéus de abas onduladas. Nos dias de voo, a cozinha do Maxim’s preparava para Santos Dumont um almoço, na verdade uma merenda, que ele comia a bordo.
Também apareciam no Maxim’s o magnata da beterraba Max Lebaudy; o barão James Hennessy, do excelente conhaque francês; o astuto conde Jouvenel; o incorrigível alcoólatra Maurice Bertrand, embaixador do champagne Heidsieck, marca largamente consumida; o duque de La Rochefoucauld, tão assíduo que o chamavam de “La Rochefoucauld do Maxim’s”, para diferenciá-lo do ancestral, autor do clássico “Reflexões ou Sentenças e Máximas Morais”, de 1664.
A clientela era atraída pela cozinha requintada e generosa do Maxim’s, com oito a dez entradas, saladas, sopas, assados e sobremesas. Esteve originalmente sob o comando do chef Henri Chaveau; no salão, inicialmente atuou o maître Eugène Cornuché. Como o fundador Maxime morreu em 1895, os dois tomaram conta do negócio, investindo os 100 mil francos do seguro de vida deixado pelo ex-patrão. Na virada do século, Cornuchê era dono da casa, além de ser protagonista de um feito na história da confeitaria.
Graças ao seu fraco por um rabo de saia, ele desvendou o segredo de uma receita representativa da doçaria francesa do século XIX, surgida na localidade de Lamotte-Beuvron, a 174 quilômetros de Paris: a Tarte Tatin. Seu preparo havia sido escondido ciumentamente pelas irmãs Stéphanie e Caroline Tatin, no restaurante do hotel com o sobrenome de ambas. Os gastrônomos precisavam viajar até lá para saboreá-la de joelhos.
Tratava-se de uma torta de maçã diferente, pois chegava à mesa com a fruta assada e caramelizada, disposta em cima da massa, ou seja, de cabeça para baixo. Mas Stéphanie foi passear em Paris na década de 1890 e se envolveu com Cornuché. Apaixonada por ele, ensinou o maître a fazer a Tarte Tatin. Quando o bistrô se converteu no Maxim’s, a sobremesa entrou para o cardápio e nunca mais saiu.
Também apareciam no restaurante grã-fino, em revoadas galantes, as cortesãs de maior sucesso em Paris. Vestiam-se na última moda, usavam roupas caríssimas, chapéus enfeitados, banhavam-se em perfumes sedutores, cobriam-se de joias valiosíssimas. Sabiam e gostavam de comer e beber bem, tinham boa educação e razoável cultura. Mas estavam ali magnetizadas pelo dinheiro dos abonados presentes.
A cortesã número um era La Belle Otero, uma espanhola disputadíssima, simultaneamente bailarina profissional, cantora e atriz do cabaré Folies Bergère. Acumulou fortuna cobrando alto pelo corpo e perdeu tudo nos cassinos. Outra cortesã de projeção era a francesa Liane de Pougy, também dançarina no Folies Bergère, rival de La Belle Otero. Adotou o sobrenome de um dos seus amantes e casou duas vezes. A primeira união oficial terminou ao ser flagrada pelo marido com um amante; na segunda, que igualmente acabou mal, ganhou o título de Princesa Ghika.
Liane de Pougy manteve um relacionamento íntimo com a poetisa e romancista norte-americana Natalie Clifford Barney, documentado em um dos livros da amante. Acabou freira dominicana e morreu cuidando de crianças excepcionais. Uma terceira cortesã sempre citada é a parisiense Émilienne d’Alençon, considerada “Uma das Três Graças”, ao lado de La Belle Otero e Liane de Pougy. Iniciada na alta prostituição aos 15 anos, fez retumbante sucesso, embora por algum tempo os clientes reclamassem da sua inexperiência.
Os entendimentos entre cortesãs e homens no Maxim’s ocorriam às claras, porém sem vulgaridade. Muitos eram agenciados por Madame Pipi ou Dame Pipi, a mulher que cuidava do bom funcionamento e da limpeza dos toaletes. Ficava habitualmente sentada na entrada, tendo a remuneração fixa complementada pela gorjeta que as pessoas depositavam em um prato de porcelana.
Existiram outras Madames Pipi na capital francesa. Nenhuma, entretanto, teve o mesmo poder da que trabalhava no Maxim’s. Quando uma cortesã se interessava por um homem ou vice-versa, deixava com Madame Pipi um cartão com seu nome, obviamente acompanhado de gorjeta. A solícita encarregada dos toaletes fazia com desenvoltura o papel de cupido. Como conhecia todo o mundo, podia fornecer informações adicionais a quem se interessasse por elas.
Paris era uma festa, para usar o título brasileiro do livro de memórias francesas do escritor norte-americano Ernest Hemingway, que se refere à década de 1920, não tão esplendorosa quanto a Belle Époque. A obra se chamou na verdade “Paris é uma Festa”, foi lançada em 1964 e mostra o convívio do autor com personalidades como Pablo Picasso, Ezra Pound, F. Scott Fitzgerald, John Dos Passos, James Joyce e Gertrude Stein, entre outros nomes.
Hoje, embora não desfrute do mesmo prestígio do passado, nem mereça o céu estrelado dos guias gastronômicos, o Maxim’s continua majestoso. Pertence ao designer de moda Pierre Cardin. Em sua enciclopédia gastronômica, o escritor catalão Luján diz que o restaurante representa Paris no mundo, “por antonomásia”. No mesmo parágrafo, garante que, apesar da invasão dos turistas e do esnobismo que conserva, a comida tem qualidade e a adega é excelente.
TARTE TATIN
Rende 8 porções
INGREDIENTES
MASSA
200g de farinha de trigo
100g de manteiga gelada cortada em cubos
1 ovo
1 colher (sopa) de água
20g de açúcar
4 g de sal
Essência de baunilha em gotas a gosto
Farinha de trigo para polvilhar a bancada
RECHEIO
10 maçãs verdes
Suco de 1 limão
CARAMELO
150g de açúcar
150g de manteiga picada
PREPARO
MASSA
1.Disponha a farinha de trigo em uma superfície plana, junte a manteiga gelada em cubos e amasse com a ponta dos dedos, até obter uma farofa bem fina.
2.Faça um vão no centro, coloque o ovo, a água, o açúcar, o sal, a baunilha e misture, incorporando os ingredientes de fora para dentro.
3.Trabalhe a massa delicadamente, empurrando-a para a frente. Repita esse processo por duas vezes e deixe-a descansar na geladeira por uns 30 minutos.
4.Em uma superfície enfarinhada, abra a massa com um rolo, deixando-a uns dois centímetros maior que a fôrma.
RECHEIO
5.Descasque as maçãs, corte ao meio, retire as sementes e corte cada metade em três fatias. Vá colocando as fatias de maçã dentro de uma bacia com água e suco de limão para evitar a oxidação.
CARAMELO E FINALIZAÇÃO
6.Derreta o açúcar em fogo baixo, cuidando para que não fique muito dourado. Acrescente a manteiga picada, sem deixar escurecer, misture e vire o caramelo no fundo de uma fôrma redonda, antiaderente, de fundo removível.
7.Disponha sobre o caramelo as fatias de maçã bem juntas uma da outra, sem deixar folga, até cobrir totalmente a fôrma. Coloque-a dentro de uma assadeira, para o caramelo não vazar e asse em forno médio (180C°) por cerca de 25 minutos.
8.Passado o tempo necessário, retire a fôrma do forno e cubra-a com a massa, tendo o cuidado de recolher a borda para dentro da fôrma, com a ajuda de uma colher. Com um garfo, faça alguns furos na massa, leve ao forno e asse por mais 25 a 30 minutos, até dourar.
9.Desenforme ainda quente, de maneira que a massa fique para baixo. A torta pode ser servida quente ou em temperatura ambiente.
Receita preparada pela chef Eliane Carvalho, de Cuiabá, MT