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O simbólico doce do Natal

Não há sobremesa que combine melhor com a ceia da grande festa cristã do que a francesa bûche de Noël

Por J.A. Dias Lopes Atualizado em 30 jul 2020, 20h04 - Publicado em 23 dez 2018, 16h37

Às vésperas do Natal, talvez não haja mais tempo para preparar o doce mais emblemático da grande festa cristã. Mas pode ser adquirido pronto em algumas confeitarias do Brasil, sobretudo de São Paulo. Referimo-nos à bûche de Noël, acha de lenha ou tronco de Natal. É uma sobremesa especial criada na França e difundida na Bélgica, Canadá, Líbano, Vietnã e também encontrada na Itália, onde a denominam tronchetto di Natale, e nos Estados Unidos, chamada de Christmas Yule log. Como o nome sugere, é um doce que tem a forma e a aparência de um galho cortado de árvore.

Consiste em rocambole doce, à base de massa de pão de ló assada no forno e enrolada com dois recheios – um de creme de chocolate e outro de creme de manteiga. Na cobertura, há decoração carregada. Vai o recheio que sobrou, riscado com o garfo, para parecer um tronco que será queimado; entram suspiros em formato de champignons; usa-se desde motivos natalinos até joaninhas de marzipã e chocolate em pó para lembrar terra. Multiplicam-se as versões da bûche de Noël, com mudanças na massa e recheios de sabores diferentes, porém a clássica é essa.

Tradição relativamente nova, se comparada com outros doces natalinos – o italiano panettone e o austríaco ou alemão stollen seriam do século XV, por exemplo – encanta crianças e adultos.  Começou em 1870, por obra de pâtissiers de Paris, com paternidade reivindicada por vários deles. Inspira-se no tronco de Natal, tradição de ascendência pagã. Entre os séculos XII e XIX, nas vésperas da festa do nascimento de Jesus, chefes de famílias cristãs de vários países europeus, da Escandinávia à Grã-Bretanha, das penínsulas dos Balcãs à Ibérica, embrenhavam-se nos bosques com um machado na mão.

No regresso à casa, carregavam galhos de árvores que seriam queimados na lareira, em cerimônia assinalada por um brinde.  Os resíduos da madeira ritual eram preservados pela reputação de terem propriedades mágicas. Favoreceriam a colheita, a fertilidade de mulheres, a saúde da família e protegeriam contra raios. Muitas vezes serviam para iniciar o fogo do ano seguinte. O tipo de árvore variava conforme a cultura. Os franceses preferiam as frutíferas, os sérvios o carvalho, os escandinavos e outros povos o pinheiro, que com a silhueta de pirâmide representa a Santíssima Trindade – doutrina cristã que define Deus como “três pessoas em uma substância, essência ou natureza”, incluindo Jesus.

Fora o sentido particular da árvore enfeitada com bolas coloridas e outros adornos, como sinos e bonequinhos de anjos e do Papai Noel, que montamos em casa para o Natal. Traduz a vida, porque na natureza se enraíza no chão e se projeta verticalmente, fazendo uma ligação simbólica entre a terra e o céu. Hoje, conforme ressaltam Franco Busti e Laura Rapelli, no livro “Festeggiamo il Natale” (Edizioni Gribaudo, Milão, 2010), suas cores têm para os católicos várias sugestões.

“O vermelho simboliza o amor, a paixão, mas também o sacrifício de Jesus Cristo”, lembram. “O azul evoca o céu e o espírito, além de ser a cor do manto de Maria”. O branco lembra a neve do inverno, período do Natal no Hemisfério Norte, assim como a pureza e a inocência. O ouro, metal precioso, um dos presentes oferecidos a Jesus pelos Reis Magos, que visitaram Jesus após o seu nascimento, expressaria a sacralidade. O prata se refere à transformação do mundo e do homem pela fé cristã.

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Voltando à bûche de Noël, é curioso que seu chocolate já tenha sido um ingrediente evitado pelos católicos na comemoração do nascimento de Jesus. Nem todos aceitavam consumi-lo. Descoberto pelos espanhóis no México, no século XVI, quando conquistaram e destruíram o império asteca, que floresceu entre 1300 a 1521, o chocolate foi recebido na Europa com um misto de prazer e desconfiança. Não passava de um liquido espumoso e amargo, feito com cacau moído e temperado com especiarias, sobretudo baunilha e pimenta.

Só mais tarde os europeus o adoçaram e transformaram em bombons e barras. Era um produto delicioso, especialmente depois que as freiras de um convento de Oaxaca, na região meridional do México, certamente por inspiração divina, acrescentaram açúcar naquele líquido espumoso e amargo, que os astecas consideravam sagrado. Entretanto, a hierarquia eclesiástica levou dois séculos para autorizar os católicos a saboreá-lo.

“O seu gosto incisivo e picante, assim como suas reconhecidas propriedades excitantes e revulsivas não condiziam lá muito bem com a temperança própria dos dias de jejum”, escreveu o espanhol L. Jacinto García, no livro “Comer Como Dios Manda” (Ediciones Destino, Barcelona, 1999).  Superiores da Ordem dos Carmelitas Descalços, formada em 1593, proibiram aos seus membros o consumo discutível porém apetitoso do chocolate”.

Debateu-se acaloradamente se, ao ingeri-lo, quebrava-se ou não os severos dias de jejum recomendados aos fiéis durante o ano, inclusive o da Vigília de Natal. Seria o chocolate uma bebida ou alimento? Uma sucessão de textos discutiu a questão. Convocado a se pronunciar, o cardeal François-Marie Brancacci, ex-bispo de Viterbo, Porto e Capaccio, publicou a famosa liberação da preciosidade. No “Tratado sobre o chocolate”, de 1664, ele sentenciou em latim: Liquidum non frangit jejunum (O líquido não infringe o jejum).

Um monge espanhol, porém, declarou guerra ao chocolate por considera-lo afrodisíaco. Beseava-se na  lenda envolvendo Montezuma II, o imperador asteca que o conquistador espanhol Hernán Cortés aprisionou e matou em 1520. Os europeus se assombraram com o volume de chocolate que ele ingeria. Seriam 50 frascos por dia! Antes de se embrenhar no harém lotado, Montezuma II ainda tomava uma dose extra. Era para turbinar o desempenho viril. Contava-se que chegou a ter, ao mesmo tempo, 150 concubinas grávidas.

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O monge não estava completamente enganado. Pesquisadores modernos descobriram que o chocolate estimula a produção de feniletilamina,  o “hormônio da paixão”, desencadeada no cérebro por uma troca insinuante de olhares ou um caloroso aperto de mãos. Isso explicaria a sensação de bem-estar que sentimos ao esvaziarmos uma caixa de bombons. Evidentemente, não é porque o chocolate apresenta essa capacidade incomum de interagir com a química cerebral que aconselhamos saborear a bûche de Noël. Há um motivo mais transcendente do ponto de vista gastronômico e espiritual: além de deliciosa, é uma sobremesa que enche a festa significados.

BÛCHE DE NOËL

Rende 8-10 porções

INGREDIENTES

PÃO DE LÓ

.4 gemas

.90g de açúcar

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.90g de farinha de trigo

.30g de manteiga derretida

.3 claras batidas em neve firme

.Manteiga para untar o papel –  manteiga

CREME DE MANTEIGA

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.125g de açúcar cristal

.100ml de água

.5 gemas

.250g de manteiga previamente batida (para ficar cremosa)

.1 colher (sopa) de rum, kirsch ou Grand Marnier (se gostar)

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CREME DE CHOCOLATE

 

.800g de chocolate amargo picado

.16 colheres (sopa) de água

DECORAÇÃO

.Cacau em pó para polvilhar

.Suspiros (imitando champignons)

.Motivos natalinos

PREPARO

PÃO DE LÓ

1 – Bata bem as gemas com o açúcar , até ficarem esbranquiçadas. Peneire a farinha de trigo em cima, misture a manteiga derretida, depois as claras, com delicadeza, até obter um composto uniforme.

2 – Forre uma assadeira com papel – manteiga, untado com manteiga. Despeje a massa na espessura de um centímetro e meio e asse-a em forno quente, preaquecido a 200 C°, por cerca de  oito a dez minutos. Deixe esfriar.

CREME DE MANTEIGA

3 – Faça uma calda com a água e o açúcar , em ponto de fio brando. Retire do fogo e vá misturando as gemas, batendo vigorosamente. Acrescente a manteiga e continue batendo até obter um creme firme. Se gostar, incorpore a bebida.

CREME DE CHOCOLATE

4 – Misture o chocolate com a água e leve-o a derreter  em banho-maria, mexendo com uma colher de pau .

FINALIZAÇÃO

5 – Desenforme a massa fria sobre um pano de prato levemente úmido.

6 – Separe um pouco do creme de manteiga e reserve-o. Misture (o que sobrou) ao creme de chocolate. Espalhe uma fina camada desse recheio  sobre a massa do pão de ló, enrole como se fosse um rocambole, corte as pontas e tape-as com o creme de manteiga que estava reservado.

7 – Finalize cobrindo a bûche com o recheio e, com a ajuda de um garfo, desenhe riscos horizontais, imitando um tronco de árvore. Disponha alguns suspiros, imitando champignons, polvilhe cacau em pó e complete a decoração a seu gosto, com motivos natalinos.

.Receita preparada pelo chef francês Michel Thènard.

SERVIÇO

Em São Paulo, a bûche de Noël pode ser encontrada, por exemplo, na Pâtisserie Douce France, com matriz na Alameda Jaú, 550/554, tel, (11) 3262-3542; e nas lojas da tradicional Confeitaria Dulca –  https://www.dulca.com.br

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