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O pai do nosso polpettone

Antônio (Toninho ou Tonico) Buonerba, que morreu na semana passada, criou um dos pratos mais representativos da cozinha ítalo-paulistana

Por J.A. Dias Lopes Atualizado em 30 jul 2020, 20h24 - Publicado em 4 jul 2018, 16h11

O cliente desceu do carro, na porta da cantina e pizzaria Jardim de Napoli, de São Paulo, SP, e o entregou ao manobrista. Então, subiu calmamente os degraus de acesso ao salão. Enquanto aguardava a mesa, o gerente se aproximou e falou em voz baixa: “Aconteceu uma coisa desagradável”. Assustado, o homem reagiu: “O que? Acabou o polpettone?”. O gerente explicou: “Não, acabaram de roubar seu carro”. Curiosamente, o cliente ficou tranquilo.

As pessoas em volta, que testemunharam a cena, não entenderam a reação. Instantes depois, o homem foi visto comendo tranquilamente um polpettone. Essa história verídica entrou para o anedotário da concorrida cantina e pizzaria do restaurateur Antônio (Toninho ou Tonico) Buonerba. Há uma infinidade de outras, todas apetitosas.

Toninho faleceu no dia 28 de junho passado, aos 78 anos de idade, depois de se notabilizar pelo caráter agregador, que o transformou em colecionador de amigos, em  inimitável personagem da gastronomia de São Paulo e por ter inventado o polpettone, um dos pratos mais representativos da cozinha ítalo-paulistana.

Toninho: sua invenção saborosa foi lançada em 1970, depois de muitas experiências (Bruno Menezes/VEJA.com)

É uma espécie de polpetta (almôndega) gigante, porém redonda e achatada como um bife, à base de carne moída, recheada com mozzarella, empanada, frita em óleo e servida com molho de tomate e queijo ralado tipo parmesão. A cantina e pizzaria Jardim de Napoli funciona na Rua Dr. Martinico Prado, 463, no bairro paulistano de Vila Buarque.

O inventor fez as primeiras experiências com o polpettone no endereço anterior da Jardim de Napoli, na Rua Maria Paula, centro da cidade, onde foi fundada por seu pai, em 1949, o napolitano Francesco Buonerba, o Don Ciccio, um marceneiro que antes de abrir o estabelecimento reforçava o orçamento doméstico vendendo massa e pizza nos fundos de casa, no bairro do Cambuci. Freguesas iniciais, as famílias Assis Pacheco, Gialliotti, Nadir Figueiredo e Lancelotti ajudaram a promover o lugar.

Toninho começou testando as pontas do filet mignon. Eram descartes de pratos preparados na casa. “Eu batia aquela carne, colocava mozzarella no meio, empanava e fritava”, contou Toninho. “Mas fui mudando aos poucos, incorporando ou descartando ingredientes ou temperos. Para chegar ao atual polpettone, que lancei em 1970, levei algum tempo”. Hoje, a receita leva ingredientes exclusivos. A carne combina filé mignon e coxão mole.

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Definitivamente consagrada, a invenção se converteu em um dos símbolos da cozinha ítalo-paulistana – aquela que foi criada ou adaptada em São Paulo pelos imigrantes italianos ou seus descendentes de primeira geração, e não no país de onde veio a linhagem. Outros pratos da mesma origem: bife à parmigiana, provavelmente lançado pela extinta Cantina 1060, da Avenida Rangel Pestana, no bairro do Brás; e cappelletti alla romanesca, de autoria do saudoso restaurateur cantineiro Giovanni Bruno.

O polpettone começou vendendo pouco, mas as vendas foram crescendo e virou estrondoso sucesso. Agora, são preparadas dez mil unidades por mês, distribuídas pela matriz da Rua Martinico Prado, a delikatessen na calçada em frente, os três pontos em praças de alimentação de shoppings da cidade e as vendas delivery.

Sua preparação consome 2,5 toneladas de molho, 2 toneladas de carne, 1 tonelada de queijo tipo parmesão e 900 quilos de mozzarella. Existem dois tipos de polpettone: um pesa 450 gramas e custa 66 reais; o outro, com 250 gramas, sai por 48 reais.

Isso é tudo o que se conseguia saber de Toninho, pois ele patenteou a receita (a que publicamos no final do texto constitui interpretação) e só a teria revelado ao  grande amigo Adolfo Scardovelli, gerente da cantina e pizzaria, que trabalha ali desde 1958. O fiel escudeiro conta já ter sido assediado pela concorrência, que tentou arrancar-lhe o segredo com propostas tentadoras. A proteção formal também envolve o nome completo: polpettone à parmigiana com mozzarella. Mesmo assim, é uma das receitas mais plagiadas em São Paulo.

A coleção de apreciadores é numerosa. O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, aparece para comer polpettone acompanhado de fusilli ao molho de calabresa, outra especialidade do estabelecimento. A fila inclui o produtor de televisão José Bonifácio (Boni) de Oliveira Sobrinho. Quando comandava a TV Globo, no Rio de Janeiro, ele encomendava o prato em São Paulo e o recebia pela ponte aérea.

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Também são fãs as atrizes Claudia Raia e Ana Paula Arosio, os apresentadores de televisão José Luiz Datena e Fausto (Faustão) Silva, o magistrado Sepúlveda Pertence, que foi presidente do Supremo Tribunal Federal, o deputado estadual do PP Antônio Olim, o publicitário Washington Olivetto, o jornalista Thomaz Souto Correa, o ex-atacante do futebol Ronaldo Fenômeno e o médico Raul Cutait, cirurgião do Hospital Sírio-Libanês. Essas pessoas não aguentam muito tempo sem saborear o polpettone.

Em 1998, Toninho abriu no fundo do estacionamento da Jardim de Napoli, no lado oposto da rua, uma instituição paulistana: o Boteco do Tonico. Ali, passava os dias cuidando das tarefas administrativas do seu negócio e, sobretudo, recebendo os amigos. Era um entra e sai naquele clube informal, predominantemente masculino. Apareciam políticos, industriais, empresários, comerciantes, delegados, profissionais liberais, jornalistas como o autor destas crônica, desportistas e jogadores de futebol, especialmente os que tinham ou estiveram de alguma forma ligados ao Palmeiras, o time de futebol paulistano do qual era torcedor fervoroso. O anfitrião só perdia o bom humor quando seu time perdia. A conversa corria solta e bebia-se pouquíssimo, porém sempre havia algo para comer – e de graça.

Muitas vezes, enquanto a conversa rolava, Toninho ajudava a preparar antepastos da cantina e pizzaria, como por exemplo melanzane (berinjela), zucchini (abobrinha) e peperoni (pimentão) sott’olio, sardella calabresa e a imperdível carne louca, convenientemente úmida e severamente temperada com alho. Nos meses de frio, borbulhava no fogão, em respeitável panelão, uma sopa deliciosa, feita com duas dezenas de ingredientes e renovada diariamente, chamada de minestra do Tonico.

Polpettone, só mandando buscar do outro lado da rua. A invenção do anfitrião é preparada por doze funcionários, profissionalmente equipados. Entre outros instrumentos, dispõem de um despolpador que tira a casca e a semente dos tomates usados no molho.

O brasileiro que for à Itália, pedir um polpettone e esperar um igual ao criado por Toninho, vai quebrar a cara. Receberá rodelas de um cilindro de carne, peixe ou verdura, ligado com ovo, variadamente temperado e recheado, passado ligeiramente no azeite ou na manteiga, cujo cozimento ocorre na panela ou no forno in úmido, vale dizer, em caldo. Divide a ascendências com a pequena polpetta. Surgiu para reaproveitar alimentos em épocas nas quais a comida escasseava. Ao contrário da polpetta, entretanto, não é frito, como a receita nacional. O polpettone da Jardim de Napoli é só nosso. Obrigado, Toninho.

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RECEITA

 

POLPETTONE

 

Receita provável, pois a da cantina e pizzaria Jardim de Napoli é secreta

 

Rende 1 porção

 

INGREDIENTES

.250g de carne moída (filet mignon ou coxão mole) limpa, sem gordura

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.60g de mozzarella em finas fatias

.1 1/2 xícara (chá) de molho de tomate

.Farinha de trigo o quanto baste

.Ovos levemente misturados o quanto baste

.Farinha de pão torrada o quanto baste

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.Óleo abundante para a fritura

.Queijo tipo parmesão ralado a gosto

.Noz-moscada ralada a gosto

.Sal e pimenta-do-reino moída na hora a gosto

 

PREPARO

1.Coloque a carne em uma tigela e tempere-a com sal, pimenta e noz-moscada. Misture, amassando bem.

2.Divida-a em duas porções iguais, redondas e planas, como se fossem dois hambúrgueres. Coloque sobre um deles as fatias de mozzarella, deixando uma borda com cerca de 2 cm sem rechear.

3.Cubra com a outra porção e aperte as bordas para os dois círculos de carne se fundirem num só.

4.Passe o polpettone, de todos os lados, na farinha de trigo, depois nos ovos e por fim na farinha de pão torrada.

5.Deixe descansar na geladeira, tampado, por cerca de 2 horas, no mínimo.

6.Numa frigideira, aqueça o óleo, coloque o polpettone e frite-o de um lado, depois do outro. Retire e escorra em papel absorvente.

7.Sirva o polpettone com o molho de tomate quente, polvilhado com bastante queijo ralado.

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