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Doce pecado

Acusado de quebrar o jejum religioso e de ser afrodisíaco, o chocolate já foi criticado pela Igreja Católica. Hoje, pecado é não saboreá-lo na Páscoa

Por J.A. Dias Lopes Atualizado em 30 jul 2020, 19h48 - Publicado em 15 abr 2019, 20h48

A descoberta oficial da América em 1492, pelo navegador e explorador genovês Cristóvão Colombo, proporcionou conquistas de várias naturezas para a Europa, mas também criou problemas antológicos. Os mais importantes envolveram a Igreja Católica, religião oficial na época. Uma das questões consistiu em decidir se os índios têm alma. Depois de acaloradas discussões, monges, teólogos e filósofos concluíram que sim. Outro debate se referiu às pimentas do Novo Mundo. Pelos sabores picantes e propriedades excitantes que apresentam, não seriam incompatíveis com os vários dias de jejum recomendados ao povo de Deus? Decidiu-se que não.

Nenhuma polemica durou tanto, porém, quanto a travada sobre o chocolate. Indagou-se se, ao ingeri-lo (apresentava-se líquido e espumoso), o fiel quebrava o jejum, incorrendo em pecado. Não se chegava a um consenso se era bebida, portanto tudo bem, ou alimento, e aí nada feito. “Desde os tempos em que os monges (e teólogos ou filósofos) da Igreja se perdiam em insólitas e intermináveis discussões sobre o sexo dos anjos, não se tinha escrito nem discutido tanto como aconteceu com o aparecimento do chocolate”, afirmou o espanhol L. Jacinto García, no livro “Comer Como Dios Manda” (Ediciones Destino, Barcelona, 1999).

Convocado a se pronunciar, o cardeal François-Marie Brancacci, ex-bispo de Viterbo, Porto e Capaccio, resolveu a questão. Publicou no “Tratado sobre o chocolate”, de 1664, a sentença liberadora: Liquidum non frangit jejunum (O líquido não infringe o jejum).

Monges, teólogos e filósofos também suspeitaram que aquele líquido espumoso e amargo, temperado com especiarias, apresentava efeito afrodisíaco. Baseavam-se no comportamento sexual de Montezuma II. O líder supremo dos astecas entre 1502 e 1520, no centro do México, que acabou aprisionado e morto pelo conquistador espanhol Hernán Cortés, bebia chocolate para aumentar seu desempenho viril. Entornaria cerca de 50 frascos por dia! A lenda espalha que Montezuma II chegou a ter mais de 150 concubinas grávidas – e ao mesmo tempo.

Montezuma II: o líder supremo dos astecas bebia chocolate, na época líquido e espumoso, para aumentar seu desempenho viril (Aquarela do século XVI/Divulgação)

Ainda se acreditou que o chocolate causava dependência, como o álcool e as drogas da atualidade, ilícitas ou de uso regulado, que provocam alterações do estado de consciência e intercedem na livre vontade dos usuários. A tese foi referendada pelo bispo de Puebla, no México, D. Juan de Mendoza: “O chocolate é um alimento dominante e quando nos habituamos a ele não o bebemos quando queremos, mas sim quando ele quer”.

Tratava-se de uma intuição científica. Hoje, sabe-se que sua ingestão ativa áreas específicas do cérebro e proporciona prazer imediato. Daí o ímpeto de consumi-lo até enjoar. Além disso, descobriu-se seus efeitos saudáveis. Comprovou-se que promove o fluxo adequado do sangue, melhora a função cerebral, estimula o sistema nervoso central, revela propriedades antioxidantes e faz bem ao coração; diminui a pressão arterial, aumenta o colesterol bom (HDL), reduz o mau (LDL) e evita a formação de placas de aterosclerose. Portanto, quando o consumo do chocolate era criticado, seus adeptos cometiam um pecado do bem.

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Paradoxalmente, as próprias ordens católicas ajudaram a espalhar a novidade americana, até porque sua introdução na Espanha, primeiro país europeu a conhecê-la, teria sido obra de um monge franciscano chamado Olmedo, acompanhante das tropas que massacraram milhares de astecas e exterminaram seu florescente império.

Acredita-se que essa contribuição ocorreu em 1520, ou seja, apenas doze meses depois do desembarque na América do conquistador Hernán Cortés. Para completar, a Providência Divina contribuiu para o aperfeiçoamento do chocolate, inspirando as monjas de um convento de Oaxaca, na região meridional do México: elas acrescentaram açúcar ao líquido amargo e espumoso dos astecas.

Encurtando a história, o desenvolvimento industrial e o aprimoramento da técnica culinária completaram o processo de transformação do chocolate. Apareceram as modalidades em pasta e sólida, as barras, os bombons, os ovos etc. Surgiram o chocolate amargo ou dark, o meio amargo, ao leite, branco, granulado, em pó, diet, orgânico e achocolatado, para ser diluído em leite e bebido frio ou quente. Enfim, o derivado cz amêndoa fermentada e torrada do cacau se tornou polivalente. Também virou protagonista de uma infinidade de sobremesas, de bolos, tortas, biscoitos, mousses, sorvetes etc.

No Brasil, ao ser combinado com o leite condensado, originou um dos doces populares nacionais: o brigadeiro, que hoje é saboreado sozinho ou também como ingrediente de bolos, crepes, panquecas etc. Não se sabe quando, quem e onde apareceu essa unanimidade nacional. Mas pode ter sido no final da década de 1920, logo depois da empresa suíça Nestlé iniciar a fabricação pioneira do leite condensado nacional em Araras, no interior São Paulo.

Inicialmente, denominava-se negrinho, em alusão à massa escura. Recebeu o nome atual em 1945, quando Eduardo Gomes, Brigadeiro da Aeronáutica e patrono da Força Aérea Brasileira, disputou com o marechal Eurico Gaspar Dutra a presidência da República, sendo derrotado nas urnas. Em 1950, voltou a disputar o cargo, perdendo-o para Getúlio Vargas. Eduardo Gomes foi um dos líderes do tenentismo, movimento político e revolucionário, criado por jovens militares das Forças Armadas, celebrizado pela rebelião de 1922.

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No dia 5 de julho daquele ano, um grupo de três oficiais, quinze praças e um civil que se juntou no trajeto, saiu do Forte de Copacabana, no Rio de Janeiro e enfrentou a tropa governamental fortemente armada. O combate durou 30 minutos. Eduardo Gomes recebeu um tiro de fuzil e caiu gravemente ferido. “Vote no Brigadeiro, que é bonito e é solteiro”, dizia o slogan eleitoral da sua campanha à presidência, que não lhe rendeu os votos necessários, mas fascinou as mulheres. Dutra era homem feio e Getúlio nunca foi padrão de beleza.

Duas versões explicam o nome do docinho espalhado nacionalmente a partir dos anos 50. A primeira conta que senhoras do Rio de Janeiro e de São Paulo, engajadas na campanha de Eduardo Gomes, preparavam negrinhos em casa e os vendiam com o nome de brigadeiro. O lucro ia para o fundo de campanha, precursor do caixa dois.

A outra, espalhada pelos adversários do candidato, é meio chula. O tiro desferido em Eduardo Gomes na rebelião do Forte de Copacabana teria atingido os testículos do jovem revolucionário. Ora, a receita do brigadeiro – e nos referimos especificamente ao docinho – não leva ovos. Portanto, o nome teve conotação maliciosa.

Voltando ao chocolate, o grande salto do seu prestígio aconteceu quando o associaram à Páscoa, a festa que celebra a ressurreição de Jesus, figura central do cristianismo. Foi tiro e queda, para usar a expressão popular. Agora, o ovo de chocolate é indissociável da mais antiga e importante festa cristã. Na verdade, trata-se de herança pagã. Em civilizações antigas, o ovo posto pelas aves já representava uma espécie de ressurreição da vida, em fenômeno simbolizado pela gala, o ponto branco e gelatinoso junto à gema, início do processo de reprodução.

O feito de chocolate que saboreamos na Páscoa surgiu no século XVIII. Atribui-se sua invenção aos confeiteiros franceses. Eles esvaziaram ovos de galinha ou gansa e encheram as cascas com chocolate pastoso. Só no século seguinte se conseguiu produzir os de consistência dura, elaborados inteiramente com o ingrediente nativo da América.

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Com a ligeira recuperação da economia nacional, as indústrias de chocolate esperam aumentar o seu consumo nesta Páscoa, sobretudo na forma de ovos. Afinal, não há mais nada que impeça. No mundo moderno, pecado é não gostar de chocolate.

 

BOLO BRIGADEIRO

Rendimento:1 bolo redondo de 20cm x 5cm

INGREDIENTES

MASSA DE CHOCOLATE
200g de ovos (4 ovos)
125g de açúcar
3ml de essência de baunilha
90g de farinha de trigo peneirada
35g de cacau em pó de excelente qualidade
40g de manteiga derretida e fria

RECHEIO E COBERTURA
400g de leite condensado
10g de manteiga
20g de cacau em pó de excelente qualidade
200g de creme de leite sem soro

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CALDA
200ml de água
150g de açúcar

DECORAÇÃO
Chocolate granulado a gosto
Brigadeiros a gosto

PREPARO

MASSA DE CHOCOLATE
1.Bata os ovos com o açúcar e a baunilha, até obter uma mistura bem leve.
2.Incorpore a farinha com o cacau e depois junte a manteiga.
3. Coloque a massa em um aro (não untado) e asse em forno quente (200°C) , por cerca de 20 minutos. Retire do forno, deixe esfriar e corte a massa em dois ou três discos.

RECHEIO E COBERTURA
4.Em uma panela, coloque o leite condensado, a manteiga, o cacau em pó e leve ao fogo brando, mexendo sempre, até obter ponto de brigadeiro firme.
5.Retire do fogo e misture o creme de leite.

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CALDA
6.Misture a água com o açúcar e leve para ferver em fogo baixo, sem mexer, até obter uma calda rala.

FINALIZAÇÃO
7 .Em um prato redondo, coloque um disco do bolo, regue com um pouco da calda e espalhe uma camada do recheio ainda quente. Repita essa operação mais uma ou duas vezes, conforme o número de discos cortados. Finalize, usando o recheio também para fazer a cobertura do bolo.
8. Leve á geladeira e, antes de servir, distribua os ingredientes da decoração.

 

(Receita de Flavio Federico, chef pâtissier em São Paulo-SP)

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