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Doce de rei

Cheio de história e sabor, o Babá ao Rum é uma sobremesa ideal para a ceia do Natal

Por J.A. Dias Lopes Atualizado em 30 jul 2020, 20h38 - Publicado em 19 dez 2017, 12h57

O Natal é a festa dos pães ricos, repletos de uvas-passas e frutas secas, que recebem os nomes de panettone, pandoro, panforte, panpepato etc.; e das sobremesas muito doces, recheadas ou não de cremes, chocolates e geleias, enriquecidas ou não com bebidas alcoólicas. Uma dessas receitas, popularíssima na Europa, porém nem tanto no Brasil, é o Babá ao Rum. Trata-se de um bolinho de massa fermentada, habitualmente em formato de cogumelo. Servem-no com calda à base de rum, chantilly e às vezes creme inglês. Quando introduzido na ceia natalina, sempre faz sucesso.

Foi a sobremesa do banquete deslumbrante do filme “A Festa de Babette”, do diretor Gabriel Axel, ganhador do Oscar de melhor fita estrangeira em 1988. Transcorre em um vilarejo da costa dinamarquesa e a personagem central, vivida pela atriz francesa Stéphanie Audran, que representa uma fugitiva da Comuna de Paris,de 1871, primeira tentativa histórica de implantação de um governo socialista, revela-se primorosa cozinheira. A certa altura, ela revela ter aprendido a receita do doce quando era chef do Café Anglais, inaugurado em 1802 e frequentado pela aristocracia de Paris. O restaurante funcionou até 1913 e o Babá ao Rum se converteu em uma das atrações do seu cardápio.

Estanislau Leszczyński:
Estanislau Leszczyński: despejou rum na sobremesa ressecada e criou uma receita de sucesso mundial (CCO Creative Commons/Divulgação)

A invenção ou adaptação do Babá ao Rum é atribuída a Estanislau I Leszczyński (1677-1766), rei deposto da Polônia, a quem seu genro, o rei francês Luís XV, procurou consolar pela perda do trono entregando-lhe o Ducado da Lorena, Estado independente entre 977 e 1739. Diz-se que o ex-soberano eslavo teria recebido de presente em viagem uma sobremesa alemã chamada Kugelhopf. Como demorou a saboreá-la, o doce ressecou. Então, decidiu embebê-lo em calda de rum e a “correção” funcionou.

Estanislau Leszczyński admirava “As Mil e Uma Noites”, coleção de histórias e contos populares do Oriente Médio e do sul da Ásia, compilada em língua árabe a partir do século IX. Daí porque deu à sobremesa o nome de Ali Babá, personagem da obra, um lenhador árabe que viu um grupo de quarenta ladrões entrar em uma caverna da floresta, onde escondiam grande tesouro. Quando os bandidos foram embora, entrou sozinho na grande cavidade, carregou o que pôde no seu cavalo e partiu em direção ao palácio para pedir em casamento a filha do sultão, pela qual estava apaixonado.

O pâtissier Gaston Lenôtre (1920-2009), figura lendária da confeitaria francesa, contou uma versão diferente no livro “Desserts Traditionelles de France” (Flamarion, Paris, 1991). O Babá ao Rum derivaria de um bolo polonês Babka (Avó), habitualmente regado com o vinho branco e doce Tokaji. Na metade do século XIX, a sobremesa de Estanislau Leszczyński fez surgir preparações  assemelhadas: o Brillat-Savarin, hoje chamado de Savarin; o Gerenflot, em Paris; e o Fribourg, em Bordeaux.

O genro de Luís XV, em quem o compositor italiano Giuseppe Verdi se inspirou para compor “Un Giorno di Regno” ou “Il finto Stanislas (“Um Dia de Reinado” ou “Falso Estanislau”), de 1840, ópera em dois atos sobre um monarca polonês que se esconde por causa de uma guerra de sucessão, era comilão incontrolável. Amava os doces e, além de estar relacionado com o Babá ao Rum, associam-no à criação das Madeleines, bolinhos de farinha de trigo, manteiga, ovos e açúcar, aromatizados com limão ou laranja, que ele teria batizado.

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Uma jovem chamada Madeleine, nascida em Commercy, no Ducado da Lorena, que trabalhava para Estanislau Leszczyński, preparou a receita da avó e ofereceu para ele. Quando o patrão a chamou para elogiar e indagar o nome dos bolinhos, a moça não soube responder. Então, ele perguntou como a moça se chamava e onde tinha nascido. Depois de ouvir a resposta, sentenciou: “A partir de hoje, seus bolinhos vão se chamar Madeleines de Commercy”. A fama mundial da especialidade, porém, deve-se ao francês Marcel Proust (1871-1922), que ao saboreá-la foi acometido de inspiração criadora para escrever a obra “Em Busca do Tempo Perdido”, em sete volumes. 

Estanislau Leszczyński influenciava muito a filha, mulher de Luís XV, sobretudo à mesa. Visitava-a na corte francesa. Quando jovem, Maria Leszczyńska era bonita, tinha cabelos louros, pele clara e olhos vivos. Aos poucos, excedeu-se na comida e descuidou da beleza, embora nunca engordasse demais. Para sua cozinha, contratou chefs famosos, entre os quais o lendário Vincent la Chapelle (1690 ou 1703-1745), que trabalhou para Phillip Dormer Stanhope, quarto conde de Chesterfield, para William IV, príncipe de Orange, para João V de Portugal, depois para Madame de Pompadour, amante de Luís XV. Controlava pessoalmente o cardápio do palácio e, sob sua orientação, surgiram clássicos da culinária francesa como as Bouchées à la Reine, bombinhas de massa folhada recheadas com salpicão.

Maria Leszczyńska acabou virando glutona, como o pai. Atacava compoteiras inteiras de Babá ao Rum, por exemplo. Pelos excessos à mesa, recebeu duas vezes a extrema-unção. Uma delas foi em 1727, após dar à luz as gêmeas Marie Louisie Elisabeth e Anne Henriette – teve outras seis mulheres e dois homens com Luís XV,oito anos mais novo de que ela. Para celebrar o nascimento dos bebês, comeu quinze dúzias de ostras e padeceu uma intoxicação tão severa que só escapou da morte por um fio.

 Seus rebentos herdaram o apetite da mãe e do avô. O escritor catalão Nestor Luján, no livro “Historia de la Gastronomia” (Ediciones Folio, Barcelona, 1997), conta que as filhas de Maria Leszczyńska eram tão gulosas que escondiam nos seus quartos de dormir, para comer fora de hora, presuntos defumados, frangos assados, vinho tinto “e comiam até quase explodir”. Afinal, como diz o ditado, quem sai aos seus não degenera.

 

BABÁ AO RUM

INGREDIENTES

  • 22g de fermento fresco
  • 2 colheres (sopa) de água
  • 440g de farinha de trigo
  • 60g de açúcar
  • 6 ovos
  • 150g de manteiga em temperatura ambiente
  • 1 pitada de sal
  • Manteiga para untar

CALDA

  • 1 l de água filtrada
  • 400g de açúcar
  • 100ml de rum (ou a gosto)
  • Casca fina de 2 limões sicilianos

ACOMPANHAMENTO

  • Chantilly
  • Rum para os convidados colocarem sobre os babás a gosto (opcional)

 

PREPARO DOS BABÁS

1. Em uma tigela, misture o fermento com as duas colheres de água, 50g da farinha de trigo e 2 colheres (chá) do açúcar. Deixe fermentar até dobrar de volume.

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2. Assim que o fermento dobrar de volume, junte a farinha de trigo e o açúcar que sobraram. Incorpore os ovos inteiros e trabalhe um pouco a massa até que os ingredientes se misturem.

Coloque a manteiga amolecida em temperatura ambiente e tempere com uma pitada de sal.

3. Bata a massa com a ajuda de uma batedeira, durante 30 minutos, em velocidade média. Se preferir, bata por 15 minutos na batedeira e por mais 15 minutos à mão, usando um fouet. A massa deve resultar bem elástica.

4. Cubra a vasilha com um pano e deixe a massa repousar  em local seco e aquecido, até dobrar de volume. Coloque-a em forminhas individuais, untadas com manteiga, preenchendo apenas 1/3 de cada forminha com a massa.    

5. Deixe a massa fermentar e crescer como um cogumelo, para fora das forminhas. Leve os babás nas forminhas ao forno médio, preaquecido a 180°C, durante uns 20 minutos, até ficarem assados e dourados.

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CALDA

6. Misture  a água com o açúcar, a casca dos limões e leve ao fogo brando. Deixe ferver durante 15 minutos, retire do fogo, espere amornar, descarte a casca dos limões e  misture o rum.

FINALIZAÇÃO

7. Faça furinhos na parte superior dos babás e banhe-os com a calda morna, dentro das forminhas, até que ela seja totalmente absorvida. Espere esfriar, desenforme e, se achar necessário, aperte-os delicadamente com a mão, para perderem o excesso de calda.

8. Sirva os babás com o chantilly e coloque o rum do acompanhamento no momento de servir.

 

Receita preparada por Sílvia Percussi, chef da Vinheria Percussi, de São Paulo, SP.

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