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Como e por que brindamos em momentos festivos como a virada do ano

Não há limites para brindar. É um dos mais calorosos rituais de congraçamento humano.

Por J.A. Dias Lopes 31 dez 2018, 20h02

Erguemos o copo ou tocamos no do nosso companheiro, dizendo tintim, antes de beber à saúde ou felicidade de alguém. Fazemos isso em circunstâncias variadas: nas festas do final de ano, aniversários, casamentos, formaturas, nascimentos, conquistas políticas, esportivas, artísticas e premiações em geral. Não há limites para brindar. É um dos mais calorosos rituais de congraçamento humano.

Já era usual em tempos pré-cristãos. Os adeptos das religiões pagãs encostavam na boca o copo contendo uma bebida e derramavam seu conteúdo no chão, saudando as divindades. Também brindavam em grupo, por diferentes motivos. Nesse caso, usavam um copo comunitário, passando-o de mão em mão. Não se tratava de gesto fraterno, porém de precaução. Assim evitavam envenenamentos individuais.

O Velho Testamento manteve o brinde. No capítulo 5 do Livro de Daniel, o rei Belasar, sucessor de Nabucodonosor II, da Babilônia, tomou vinho em um banquete para 1.000 pessoas, celebrando  os “deuses de ouro, de prata, de bronze, de ferro, de madeira e de pedra”. A bebida foi colocada em cálices de ouro surrupiados do Templo de Jerusalém. Entretanto, deu-se mal. Os dedos de uma mão escreveram na parede do palácio real palavras que selaram a ruína do império babilônico. Pouco depois, Ciro II, o rei persa, invadiu e tomou a sua capital.

A seguir, proclamou a libertação dos judeus após 70 anos de cativeiro nas mãos dos babilônios, autorizando que retornassem a Jerusalém. Ainda permitiu que reconstruíssem o Templo e devolveu todos os utensílios roubados por Nabucodonosor. No Novo Testamento, São Marcos (14.24,25) conta que Jesus, na última ceia, tomou um cálice, deu graças a Deus, e deu para todos os discípulos beberem, dizendo: “Isto é o meu sangue, o sangue da aliança, derramado em favor de muitos”.

Mas os cristãos repetiram demais a cerimônia. Tanto que, no século IV, Santo Ambrósio, arcebispo de Milão e um dos quatro maiores doutores da Igreja Católica, acusou-a de excessos. Os bárbaros, apesar de rejeitarem os usos e costumes dos povos que dominavam, adotaram o brinde. Tomavam vinho pelos vivos e mortos, em uma grande taça comunitária.

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Variadas hipóteses tentam explicar a ascendência da palavras brinde. Para alguns, viria da cidade italiana de Brindisi, às margens do Adriático, na região da Puglia. Ali, depois de barulhentos votos de boa sorte, os jovens aristocratas romanos embarcavam para a Grécia, onde aperfeiçoavam a educação. Tratava-se quase de um tributo ao país que os acolheria. Os romanos herdaram o brinde dos gregos.

Denominavam-no “beber à moda helênica” e com ele homenageavam os vivos e os mortos, celebravam proezas civis, militares e, sobretudo, saudavam as mulheres. Havendo pretexto, esvaziavam uma taça para cada letra do nome da amada. Marco Valerio Marziale, poeta latino de origem hispânica, nascido no ano 40 d.C., regulamentou a cerimônia: “Oito cálices à Giustina, à Levina se bebe seis, quatro à Lida, cinco à Licia, à Ida, três”.

Os ingleses chamam o brinde de toast e influenciaram outros povos, como os espanhóis, que já falaram carauz. Originalmente, passavam o copo de mão em mão, e cada um tomava um gole. No fundo, havia um toast (pão torrado), que cabia ao último bebedor. Contam que Ana Bolena, segunda mulher de Henrique VIII, da Inglaterra, que o implacável soberano mandou decapitar sob a acusação de adultério, tomou banho nua diante dos cavaleiros da corte.

Um deles se maravilhou com o corpo escultural da rainha. Então, pegou um copo, encheu-o com a água da banheira de Ana Bolena e a bebeu, saudando os demais. Só um deles se recusou a participar da encenação. Interpelado, o cavaleiro explicou porque ficava de fora. “Gostaria de reservar-me o toast”, respondeu.

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Doutor Thebussem, “el rey de los apócrifos”, personagem criado pelo escritor espanhol Mariano Pardo de Figueroa, escreveu em 1888 que o fundo do copo exerce “certo atrativo nos bebedores”. Todos no grupo se candidatam a dar o último gole. “Quero depois de você”, falam, especialmente quando há mulheres entre os bebedores. Conforme a voz do povo, quem bebe por último “apodera-se” dos segredos dos demais.

No século XIX, firmou-se o costume de brindar em copos separados. Só os casais apaixonados até hoje se saudam à moda antiga, trocando intimidade. Na mesma época, incorporou-se o tintim, que apesar de sugerir o tinido dos copos, teria origem na China. Chin, naquele país, significa felicidade; chinchin, muita felicidade.

Cada povo recorre a uma inspiração para brindar. Os brasileiros e portugueses desejam saúde. Fazem o mesmo os italianos (salute), franceses (santé), espanhóis (salud), gregos (steniyasas), alemães (prosit) e holandeses (proost). Todos os povos da Europa central e oriental brindam à saúde, inclusive os russos (za zdorovie). Mas os suecos bradam skäl (caveira), palavra derivada do costume viking de beber nos crânios dos inimigos mortos que esvaziam, secam e transformam em canecas.

Nesta virada do ano, como em todas as outras, nosso brinde será com champagne ou qualquer espumante de dupla fermentação – há ótimos nacionais. No entanto, favor pegar a flûte ou a taça pela haste. Com a mão no bojo, a bebida fica escondida, a temperatura sobe e, pior ainda, incorre-se em deselegante  informalidade. Para completar, muita gente acredita que traz azar. Como sentenciam os italianos, se non è vero, è ben trovato. Feliz 2019!

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