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Camarão na Moranga

Como um prato relativamente novo, criado no litoral brasileiro, à base de ingredientes simples, virou iguaria nacional

Por J.A. Dias Lopes Atualizado em 8 jan 2019, 16h24 - Publicado em 8 jan 2019, 16h17

Um dos pratos bastante saboreados nas ceias do Natal e Réveillon, pelo menos na região Sudeste do Brasil, foi camarão na moranga. Disputou um lugar na mesa festiva com o peru, o bacalhau e o leitão. Trata-se de observação pessoal, baseada no cardápio de pessoas conhecidas. Acreditamos que sua presença se multiplicará no final deste ano, pois reúne ingredientes simples e saborosíssimos, dos quais meio mundo gosta. Apesar de relativamente novo, o camarão na moranga já caiu no gosto nacional.

Os livros antigos de cozinha brasileira não o mencionam. “Dona Benta – Comer Bem” (Editora Nacional, São Paulo, SP), por exemplo, best-seller absoluto da nossa cozinha, com aproximadamente 2,5 milhões de exemplares vendidos desde o seu lançamento em 1940, só publicou a receita mais de meio século depois. Entende-se a falta.

Se acreditarmos na história contada em São Paulo, o prato surgiu na segunda metade da década de 1940, graças às morangas colhidas em terra do Presídio da Ilha Anchieta, que funcionou entre os anos de 1904 e 1955, no município paulista de Ubatuba, no litoral norte do estado. A área onde se encontra hoje é de proteção ambiental e se notabiliza pela presença da Mata Atlântica, das montanhas da Serra do Mar e das praias de areias e águas desfrutadíssimas.

Curiosamente, os cultivadores das morangas eram japoneses que cumpriam pena no Presídio da Ilha Anchieta. Pertenciam à Shindo Renmei, organização secreta de caráter nacionalista, fundada por isseis (japoneses que imigraram para a América)  no interior de São Paulo. Considerados terroristas, foram condenados pela justiça nacional por executarem 23 e ferirem 147 patrícios que acreditavam na derrota no Japão na Segunda Guerra Mundial, algo efetivamente ocorrido.

“As notícias são falsas”, garantiam. “O Império do Sol Nascente jamais será vencido. Quem as aceita como verdadeiras tem o coração sujo”. Essa sentença final, aliás, virou título de dois excelentes trabalhos sobre a Shindo Renmei. O primeiro foi o livro “Corações Sujos”, de Fernando Moraes, que a Companhia das Letras, de São Paulo, editou em 2000; o outro, foi o filme homônimo que a obra inspirou, de Vicente Amorim, lançado em 2011.

Agricultores por DNA, os presidiários (eram 155) teriam convencido os diretores do Presídio da Ilha Anchieta a autorizarem o plantio de morangas, para aproveitamento terapêutico das sementes. Depois de torradas, elas combateriam as doenças enfrentadas pela população carcerária, sobretudo as verminoses. São de fato sementes ricas em cucurbitacina, substância com essa comprovada ação medicinal, além de revelarem propriedades anti-inflamatórias, antimicrobianas, antitumorais e hepatoprotetoras. Entretanto, alguns acreditam que os presidiários cultivaram as morangas cumprindo ordens.

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Os japoneses também plantaram diferentes legumes e verduras que transformaram o capim-melado e o sapezal espontâneos ao lado do Presídio da Ilha Anchieta em horta vicejante, cujos produtos passaram a ser consumidos pela população da região. Antecipando-se em décadas à proclamação feita em 2017 pela chef, apresentadora de programa de gastronomia na televisão e autora de livros de culinária Rita Lobo, segundo a qual comida não é remédio, os produtos agrícolas também mereceram destino nobre: enriqueceram o cardápio litorâneo.

Ingrediente de diferentes pratos nacionais, que vão do picadinho ao quibebe, a moranga (Curcubita maxima), apresenta o formato redondo e achatado, gomos acentuados em volta da casca de cor laranja e com o peso ideal de três quilos. Pertence à família da abóbora, melancia, melão, pepino, chuchu e maxixe. É originária da América do Sul e foi apreciada pelas civilizações pré-colombianas. Deve ser cultivada em climas quentes, de preferência com temperaturas entre 20 e 27°C, onde a semeiam o ano inteiro. Não se adapta bem ao frio e muito menos à geada. Os frutos são colhidos maduros, três a cinco meses depois da semeadura.

Segundo a versão contada no litoral norte de São Paulo, uma moranga da Ilha Anchieta caiu no mar ao ser transportada para o continente, e foi resgatada dias depois. Acabou na cozinha de uma habilidosa senhora, chamada dona Zenaide, proprietária de um restaurante na Praia da Enseada, em Bertioga. Como apresentava um furo no lugar do talo, transformara-se em refúgio de camarões sete barbas desgarrados do cardume. Dona Zenaide retirou os crustáceos e as sementes da moranga.

Refogou os camarões em cebola, alho, coentro, cheiro verde, tomate e cozinhou esses ingredientes dentro da moranga. Estava inventado mais um prato da cozinha caiçara, típica do litoral das regiões Sudeste e Sul do Brasil. A Colônia de Pescadores Z-23, de Bertioga (SP), com apoio da prefeitura municipal, patrocina entre os meses de agosto e setembro o  concorrido Festival do Camarão na Moranga. Em 2018, realizou sua 25ª edição.

A receita já passou por aprimoramentos, nos quais ganhou ingredientes enriquecedores. Entraram o vinho branco, a manteiga, o creme de leite fresco e o requeijão Catupiry – uma unanimidade nacional. Na década de 1990, o chef Leo Filho encantava os estrangeiros hospedados no Hotel Maksoud Plaza de São Paulo com uma moranga recheada de soberbos camarões.

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Há outras combinações de camarão com legumes no Brasil, uma das quais agrega o injustiçado chuchu. Em seu preparo os cariocas são imbatíveis. Carmen Miranda imortalizou o prato no samba “Disseram Que Voltei Americanizada”, gravado em 1940. “Enquanto houver Brasil/Na hora da comida/Eu sou do camarão ensopadinho com chuchu”, cantou ela ao voltar para uma temporada no Rio de Janeiro,  pois mudara para os Estados Unidos. A querida baixinha, rebolada e fantasiada de baiana, reafirmava na música a brasilidade questionada pelos críticos fundamentalistas.

Existem poucos pratos comparáveis ao nosso camarão na moranga. A cozinha francesa, por exemplo, prepara crevettes (camarões) au potiron (abóbora), que aliás incorporam o tropical leite de coco. Mas não lembram nossa imperdível receita caiçara, até porque são servidos em tigela. Quanto à receita brasileira, impossível saber o que é mais delicioso, se comer primeiro os camarões cozidos e deixados ligeiramente ao dente, perfumados pelos temperos, ou saboreá-los afundados na polpa macia da moranga, retirada com uma colher das suas paredes carnudas. Bom apetite em 2019, amigos, pois merecemos!

CAMARÃO NA MORANGA

Rende 8 a 10 porções

INGREDIENTES

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.1 moranga grande com cerca de 3 kg

.1 1/2 kg de camarões médios limpos

.100g de manteiga

.1 cebola grande picada

.1 dente de alho grande picado

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.10 tomates grandes, sem pele, picados

.5 colheres (sopa) de extrato de tomate

.1 copo de vinho branco

.1/2 litro de creme de leite fresco gelado

.1 embalagem (250g) de catupiry

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.Suco de limão a gosto

.Tomilho fresco a gosto

.Sal e pimenta-do-reino moída na hora a gosto

.Óleo para untar a casca da moranga

PREPARO

1.Lave bem a moranga e, com a ajuda de uma faca de ponta, retire-lhe uma tampa redonda, na parte superior. Com uma colher, descarte as sementes e os fios.

2.Esfregue toda a parte interna da moranga com sal e pimenta-do-reino. Unte a casca (assim como a tampa) com óleo, cubra tudo com papel alumínio e asse em forno aquecido a 200C°, por 30 minutos. Retire então o alumínio e asse por mais 20 minutos. Desligue o forno e reserve a moranga.

3.Em uma tigela, tempere os camarões com o suco de limão.

REFOGADO DE TOMATES

4.Em uma panela, derreta metade (50g) da manteiga em fogo baixo. Incorpore metade da cebola, metade do alho e deixe murchar.

5.Junte os tomates, o extrato de tomate, tempere com tomilho, sal, pimenta e mantenha no fogo por 5 a 7 minutos, mexendo de vez em quando. Desligue e reserve.

REFOGADO DE CAMARÕES

6.Em uma panela, derreta a outra metade (50g) da manteiga, coloque a cebola e o alho que sobraram e refogue até ficarem transparentes. Adicione então o vinho branco e leve à fervura. Misture o creme de leite fresco e deixe em fogo baixo, mexendo seguidamente até o creme encorpar um pouco. Junte por fim os camarões, tempere com tomilho, sal, pimenta e, após alguns minutos, desligue o fogo.

FINALIZAÇÃO

7.Escorra a moranga para que perca o líquido e vá intercalando dentro, ás colheradas, o refogado de tomates, com o refogado de camarões e o catupiry.

8.Cubra com a tampa e leve a moranga ao forno médio, aquecido a 180C°, até o catupiry derreter e a abóbora ficar macia.

9.Sirva quente.

Receita preparada por Andréa González

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