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A rainha e seus algozes

O final solitário de Dona Amélia, que escapou do atentado no qual foi assassinado seu marido, D. Carlos I de Portugal, e deu nome a um doce popular

Por J.A. Dias Lopes Atualizado em 30 jul 2020, 20h36 - Publicado em 22 jan 2018, 16h13

Apesar de já existirem câmeras fotográficas de mão no início do século XX, que captavam cenas em movimento e tornavam o tripé um acessório dispensável, o bárbaro assassinato do rei D. Carlos I, de Portugal, e do seu filho, o príncipe herdeiro Luís Filipe, foi noticiado pela imprensa mundial com ilustrações. O regicídio, como fala o povo lusitano, ocorreu a 1º de fevereiro de 1908, portanto há 110 anos. Sem a fidelidade da fotografia, as imagens da tragédia foram reconstituídas pela sensibilidade de desenhistas, gravadores e pintores, com base em testemunhos e relatos.

Como relatamos na crônica anterior (“A morte brutal do rei”), dois fanáticos republicanos atacaram D. Carlos I quando atravessava o Terreiro do Paço, junto ao rio Tejo, em Lisboa, dentro de um landau (carruagem de quatro rodas, puxada por quatro cavalos, com dupla capota conversível). Além do príncipe D. Luís Filipe, estavam no landau a rainha D. Amélia de Orleães e o segundo filho do casal, o infante D. Manuel. D. Amélia, que saiu ilesa do atentado, morreu exilada na França, em 1951; D. Manuel II, ferido no braço, faleceu em Londres, no ano de 1932.

Sem a fidelidade da fotografia, o “Petit Journal Illustré”, diário parisiense com a circulação de aproximadamente um milhão de exemplares, consternou o mundo quinze dias depois do regicídio. Entretanto, mostrou quatro assassinos atirando ferozmente na família real – e não dois, como aconteceu. D. Amélia aparece em pé, fustigando um deles com um ramo de flores e gritando desesperada: “Infames! Infames!”

O relógio marcava pouco mais de cinco da tarde e a multidão se aglomerava no Terreiro do Passo para ver a passagem do séquito real. Os cavalos do  landau trotavam sem pressa, antecedidos pela guarda real montada. Assim que os disparos atingiram o rei, instalou-se o caos. Os estampidos dos tiros dos agressores se misturaram aos da guarda real, que reagiu e executou os assassinos. Os apitos da polícia soavam desnorteados e a população fugia em pânico.

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Dona Amélia era a filha mais velha de Luís Felipe, conde de Paris, pretendente ao trono da França. Nasceu na Inglaterra, pois seus pais se encontravam exilados naquele país. Bonita e elegante, recebeu educação esmerada, escrevia bem, aprendeu a pintar, a gostar de teatro e ópera. Mas a família teve dificuldade em casá-la. Além do dote relativamente baixo, D. Amélia era alta demais, media 1 metro e 82 centímetros de altura. Falharam as negociações de união com as famílias reinantes na Áustria e na Espanha, por exemplo.

Conta-se que o príncipe, diplomata e político prussiano Otto von Bismarck, personalidade de projeção internacional no século XIX, teria vetado seu noivado com o arquiduque Francisco Fernando, herdeiro presuntivo do trono do Império Austro-Húngaro, cujo assassinato em 1914, junto com a mulher, a duquesa Sofia, levou à deflagração da Primeira Guerra Mundial. Ironia do destino! Se D. Amélia casasse com o  arquiduque Francisco Fernando, poderia ter morrido no lugar da duquesa Sofia.

Apesar de arranjado, o matrimônio com o então príncipe real D. Carlos, ocorrido e 1886, teve começo feliz. O casal se apaixonou à primeira vista, embora as futuras infidelidades do marido viessem a perturbar o relacionamento. Um biógrafo observou que o rei herdara a fogosidade sexual da família – era bisneto do mulherengo D. Pedro I, Imperador do Brasil, por exemplo. Ao chegar em Lisboa, D. Amélia foi acolhida afetuosamente pelos sogros, o rei D. Luís I e a rainha D. Maria Pia, e pelo povo português, encantado com ela.

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Dona Amélia ataca assassino
A ilustração do “Petit Journal Illustré”, de Paris: o mundo ficou consternado com a reação de Dona Amélia, em pé na carruagem, fustigando um dos assassinos com um ramo de flores (Petit Journal Illustré/Divulgação)

Rainha de Portugal aos 24 anos de idade, influenciou a corte portuguesa, da moda à mesa, pois apreciava a comida elaborada, porém mais leve. Dedicada às causas sociais, protegeu a infância, fundou cozinhas populares, creches, sanatórios e patrocinou a fundação da Assistência Nacional aos Tuberculosos. Empenhada na preservação do patrimônio histórico lusitano, criou o Museu Nacional dos Coches, de Lisboa, que hoje reúne uma das mais importantes coleções de carruagens reais do mundo.

Em junho de 1901, D. Amélia visitou com D. Carlos I a Ilha Terceira, situada no Atlântico Nordeste, uma das nove que integram o arquipélago transcontinental lusitano dos Açores. O casal foi recebido em festa. Na cidade histórica de Angra do Heroísmo, uma mulher anônima ofereceu-lhe “queijadas”, ainda sem nome.

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Ao entregá-las, a doceira se inspirou, batizando-as de Donas Amélias. Atualmente, também a denominam Bolos D. Amélia. “A rainha agradeceu o gesto e deliciou-se com a iguaria que ainda hoje existe e faz jus ao nome da sua madrinha”, diz José Alberto Ribeiro, no livro “Rainha D. Amélia – Uma Biografia” (Esfera dos Livros, Lisboa, Portugal, 2013). A homenageada se encantou com a textura conferida pela farinha de milho e o sabor levemente cítrico da novidade.

Segundo Virgílio Nogueiro Gomes, no livro “Doces da Nossa Vida – Segredos e Maravilhas da Doçaria Tradicional Portuguesa” (Mercador, Barcarena, Portugal, 2014) classificar Donas Amélias de “queijadas” é imprecisão consentida, pois a receita não leva queijo. Trata-se de uma preparação popular à base de muitos ovos, bastante manteiga, farinha de milho, uva passa, sal, canela em pó, noz-moscada, cidra e raspas de limão, adoçados com açúcar e mel de cana (melado). Em Portugal, porém, recebem o nome de “queijadas” os docinhos quem têm formato semelhante.

Dona Amélia também foi homenageada   postumamente com uma receita de bacalhau. Ela e o marido se revelavam grandes apreciadores desse peixe salgado e desidratado, capturado nas águas frias dos mares do Polo Norte. O prato se compõe de uma suculenta posta alta de bacalhau grelhada na brasa, regada com azeite e alho, servida com batata rústica ao murro (achatada levemente com o pulso). Ao ser colocada em travessa, recebe cebola assada e azeitonas.

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No final da vida, D. Amélia ficou sozinha, porque  havia perdido todos os familiares diretos. Morreu na comuna de Le Chesnay, perto de Paris, aos 86 anos de idade, externando seu afeto ao povo do qual tinha sido rainha: “Quero bem a todos os portugueses, mesmo aqueles que me fizeram mal”.

DONAS AMÉLIAS

INGREDIENTES

  • 1/2 kg de açúcar
  • 9 gemas
  • 1 colher (sopa) de canela em pó
  • 100g de passas de uva sem sementes
  • 50g de cidra picada finamente
  • 1 colher (café) de noz-moscada ralada
  • Raspas de 1 limão pequeno
  • 1 pitada de sal
  • 200g de manteiga derretida e fria
  • 4 claras de ovos batidas em neve
  • 200g de farinha de milho passada em peneira fina
  • 6 colheres (sopa) de mel de cana (melado)
  • Manteiga para untar as fôrmas
  • Açúcar refinado para polvilhar os bolinhos

PREPARO

1. Bata o açúcar com as gemas até obter uma gemada bem encorpada. Junte a canela, as passas, a cidra, a noz-moscada, as raspas de limão, o sal e bata  até a massa ficar bem ligada.

2. Adicione a manteiga e bata mais um pouco, em seguida coloque as claras em neve e torne a bater, depois junte a farinha de milho e o mel, batendo sempre entre cada adição.

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3. Quando a massa estiver bem homogênea, coloque-a em pequenas fôrmas (tipo para queijadinhas) untadas com manteiga e asse em forno médio, preaquecido a 180°C, até a massa desprender-se um pouco das bordas da fôrma.

4. Desenforme e polvilhe com açúcar refinado.

Rende cerca de 30 bolinhos.

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