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A cozinheira de Churchill

A mulher que alimentou o primeiro-ministro do Reino Unido e, segundo ele, ajudou-o a vencer a Segunda Guerra Mundial

Por J.A. Dias Lopes Atualizado em 30 jul 2020, 20h30 - Publicado em 10 abr 2018, 11h23

“Atrás de um grande homem, há sempre uma grande mulher”, sentencia o povo. Em casa de comilão, porém, essa figura proeminente pode ser uma cozinheira. Foi o que aconteceu na Downing Street, número 10, em Londres, residência oficial e escritório do primeiro-ministro do Reino Unido, entre os anos de 1940-45 e 1951-55, quando seu ocupante era Sir Winston Leonard Spencer-Churchill (1874-1965).

Político e estadista britânico, líder do seu povo e dos Aliados na Segunda Guerra Mundial, o conflito global que durou de 1939 a 1945, envolvendo a maioria das nações, ele se orientava por um princípio hedonista. “É bom saber que o estômago governa o mundo”, dizia. Tanto que, em várias reuniões de cúpula, como nas conferências históricas de Teerã e Yalta, aproveitou as refeições públicas e privadas para negociar estratégias.

Nas duas vezes em que morou na Downing Street, número 10, obviamente como primeiro-ministro, Churchill contou com os serviços de Georgina Landemare, cozinheira de mão cheia. Ela acompanhou o patrão mesmo quando o “Leão Britânico”, como o chamavam pelo heroísmo e destemor, precisou sair dali, cedendo o lugar a outro primeiro-ministro. Georgina preparou sua comida de 1939 até se aposentar em 1954, aos 72 anos de idade.

Tinha sido contratada pela mulher de Churchill, Clementine Ogilvy, a Baronesa Spencer-Churchill, que a recebeu no primeiro dia de trabalho com esta instrução: “Se você quiser ver meu marido satisfeito, a primeira coisa será alimentá-lo bem; ele precisa ter pelo menos um bom jantar, isso é essencial para a sua felicidade”.

Em meados da década de 1950, Clementine aconselhou a cozinheira a publicar “Recipes From Number 10” (Editora Collins London and Glasgow, 1959) e escreveu o prefácio, apresentando-a como “uma profissional dotada de inspirada intuição culinária”.

O livro contém 360 entradas, pratos principais e as sobremesas favoritas de Churchill. Foi um sucesso de público, como tudo o que se refere até hoje ao “Leão Britânico”. No início deste ano, Gary Oldman ganhou o Oscar de Melhor Ator Principal interpretando-o no filme “O Destino de Uma Nação”, que estreou no Brasil em janeiro.

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O drama retrata o Reino Unido à beira de perder a guerra para a Alemanha, que a bombardeava com a Luftwaffe, sua impenitente Força Aérea; e mostra Churchill resistindo à pressão para fazer acordo com o vegetariano e abstêmio ditador germânico Adolf Hitler.

“Recipes From Number 10” virou best-seller e esgotou rapidamente. Cada exemplar custa atualmente, em casas de livros usados da Europa, entre 200 e 300 euros. Há três anos, porém, foi lançado um segundo livro com a assinatura de Georgina: o Churchill’s Cookbook” (Imperial War Museum, Londres, 2015), contendo 250 receitas originais. As das obras fornecem substanciosas informações.

O interesse de Churchill pela comida era enorme. “Meu gosto é simples”, explicava. “Eu me contento simplesmente com o melhor”. No desjejum, havia sempre ovos com bacon, salmão fresco, torradas com geleia de cereja preta, café e uma borbulhante taça de champagne, habitualmente Pol Roger.

Sua lealdade à marca francesa foi reforçada pela grande amizade com a sua produtora. Ele inclusive homenageou Odette Pol Roger de maneira singular. Colocou seu nome em uma égua puro-sangue. Há quem sustente ter sido Odette sua maior paixão. A casa de Épernay retribuiu a devoção ao seu champagne lançando em 1984 o brut datado Por Roger Sir Winston Churchill, um primor de elegância.

O “Leão Britânico” apreciava receitas do Reino Unido, como o guisado irlandês e o rosbife com pudding de yorkshire, obrigatório no menu de domingo. Também gostava do blue stilton, queijo azul britânico com formato cilíndrico, consistência cremosa e veias azul-esverdeadas. Mas revelava um fraco pela comida do outro lado do Canal da Mancha.

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Adorava os ingredientes franceses, sobretudo os moluscos e crustáceos, os peixes, a perdiz e a carne de porco; saboreava com prazer o consomê de carne com pepino, as batatas Anne, o suflê de queijo, a blanquette de veau, o pot-au-feu, os tournedos com cogumelos e o coq au vin, emblema internacional da culinária da Borgonha.

Antes e depois, fumava charutos de bitola avantajada – acendia cerca de quatro mil por ano. Bebia seguidamente o scotch Johnny Walker Red, até por ser amigo pessoal do dono da destilaria; e a versão mais envelhecida do conhaque Hine, naturalmente francês, que acompanhava divinamente seus legítimos habanos.

Algumas vezes avançava o sinal no copo, porém seu biógrafo Lord Roy Jenkins, no livro “Crurchill” (Nova Fronteira, Rio de Janeiro, 2002), livra-o da suspeita de ser viciado em álcool. “Sorvia, não entornava”, afiança. No final da vida, ele confirmava o mexerico com uma frase sarcástica: “Tirei mais do álcool do que ele tirou de mim”.

Em um dos seus duelos verbais com Lady Nancy Witcher Astor, primeira mulher a fazer parte da Câmara dos Comuns no Reino Unido, eleita em 1919, ela o acusou de estar embriagado. Churchill assimilou a ofensa e retrucou: “Pois é, mas amanhã eu estarei sóbrio e a senhora continuará feia”.

Na noite de 14 de outubro de 1940, o primeiro-ministro quase morreu junto com Georgina, em um ataque da Luftwaffe. Quando os aviões alemães ingressaram roncando no céu de Londres, Churchill correu à cozinha para convencer a empregada a abandonar o pudim que preparava e se juntar a ele e à mulher no abrigo subterrâneo. Três minutos depois, uma bomba destruiu completamente o local onde se encontravam. Acredita-se que a perda da cozinheira teria sido uma tragédia para Churchill.

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Durante a Segunda Guerra Mundial, Georgina precisou lidar com a escassez de alimentos. Mas os Churchill desfrutavam de situação privilegiada – e não exatamente pela posição política. Tinham uma propriedade rural perto da cidade de Westerham, no Sudeste da Inglaterra, que lhes fornecia ovos, leite, nata, verduras e legumes, frangos, porcos, ingredientes raros no país devastado.

Georgina sabia se virar, inclusive porque nasceu em família de poucos recursos. Filha de um cocheiro, tinha quatro irmãos. Começou a trabalhar aos 14 anos como copeira de uma família nobre. Era autodidata em forno e fogão, mas teve o privilégio de se exercitar com o marido, o tarimbado chef francês Paul Landemare, do Hotel Ritz de Londres, 25 anos mais velho, que já tinha cinco filhos ao casar com ela.

A cozinheira de Churchill morreu treze anos depois do patrão, aos 96 anos de idade, orgulhosa das deferências recebidas de uma personalidade com a qual sentia orgulho de trabalhar. Uma das homenagens aconteceu a 8 de maio de 1945. Depois de empolgar a multidão em Westminster, no centro de Londres, o renomado orador Churchill afirmou que não conseguiria atravessar incólume a guerra se não fosse alimentado por Georgina. Os comilões são agradecidos.

RECEITA

COQ AU VIN

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Rende 4 porções

INGREDIENTES

.2 kg de sobrecoxas de galinha de preferência caipira (originalmente se usava um galo)

.3 colheres (sopa) de óleo

.1 1/2litro de vinho tinto leve

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.1 cebola cortada grosseiramente

.1 cenoura cortada grosseiramente

.2 dentes de alho amassados

.1 bouquet garni (tomilho, louro, alho-poró)

.1 colher (sopa) de manteiga

.3 colheres (sopa) de farinha de trigo

.500ml de caldo de carne

.250g de molho de tomate

.Farinha de trigo para polvilhar

.Sal e pimenta-do-reino moída na hora a gosto

GUARNIÇÃO

.150g de cebolinhas bem pequenas, descascadas

.1 colher (sopa) de açúcar

.1 colher (sopa) de manteiga

.200g de bacon em cubos

.150g de cenouras cozidas rapidamente em água fervente e depois cortadas em rodelas

.200g de champignons frescos

PREPARO

1.De véspera, frite as sobrecoxas de galinha no óleo quente.

2.Passe-as para um recipiente com o vinho tinto, a cebola, a cenoura, o alho e o bouquet garni. Vede com filme plástico e reserve na geladeira até o dia seguinte.

3. Separe as sobrecoxas, os vegetais e enxugue em papel toalha. Reserve o vinho.

4. Em uma panela, doure os vegetais na manteiga e depois junte as sobrecoxas.

5.Polvilhe com farinha de trigo e misture bem. Tempere com sal, pimenta-do-reino e leve ao forno quente (200°C) por 5 minutos, para dar uma torrada na farinha.

6.Adicione o vinho que estava reservado e reduza à metade.

7.Coloque o caldo de carne, o molho de tomate e leve ao fogo, até ferver. Abaixe bem o fogo, tampe a panela e deixe cozinhar por cerca de 1 hora. Se necessário, pingue um pouco de água durante o cozimento.

8.Separe os pedaços de galinha. Passe o molho por uma peneira, pressionando bem. Cubra a galinha com esse molho e reserve quente.

GUARNIÇÃO E FINALIZAÇÃO DO PRATO

9.Coloque as cebolinhas em uma panela rasa, com o açúcar e a manteiga. Cubra-as pela metade com água e deixe-as em fogo baixo até caramelarem.

10. Branqueie o bacon, dando-lhe um banho de água fervente e depois de água fria. Escorra, doure em uma frigideira, acrescente as rodelas de cenoura, os champignons e refogue por alguns minutos. Ajuste o sal, junte as cebolinhas e retire do fogo.

11. Disponha nos pratos as sobrecoxas com o molho e finalize distribuindo os ingredientes da guarnição.

.Receita preparada por Christian Formon, chef e proprietário do Buffet Christian Formon, em São Paulo, SP.

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