Tragédia no Rio evidencia que, ao construirmos nossas cidades, interesses privados se sobrepõem ao bem comum
Lei de Licitações e Regime Diferenciado de Contratações (RDC) estão na raiz do problema
A ciclovia carioca que desabou no Rio de Janeiro com dois mortos confirmados até agora apresentou ao longo de sua construção todos os indícios de problemas: atraso na entrega, estouro no orçamento e ainda suposto beneficiamento de parentes de funcionário da prefeitura. Foi realizada pelo consórcio Contemat-Concrejato, pertencentes a Mauro Viegas, avô do secretário de Turismo Antonio Pedro Figueira de Mello. No contrato assinado em junho de 2014, a previsão de gastos era de 35 milhões de reais. A obra só foi entregue em janeiro deste ano e custou 44,7 milhões de reais, ou seja, 30% a mais que o previsto.
E, apesar de tudo isso, aparentemente foi feita dentro do que determina a lei, a Lei de Licitações 8666. Como é que é? É evidente que a tragédia de ontem descortina que há alguma coisa muito errada na maneira como as cidades brasileiras têm sido construídas.
A lei traz uma brecha que dispensa a apresentação de projetos completos executivos para a contratação de obras públicas. Ou seja, em vez de detalhar todos os prazos, materiais, concepção e, principalmente, custos, o que temos é a exigência apenas de um projeto básico, um ante-projeto. O preenchimento de lacunas (fill in the blanks) com as informações que não constam neste documento é feito pelas empreiteiras, que ganham margem de manobra para aumentar o custo da obra e seus prazos de entrega. Um convite à corrupção, à má execução e ao mau uso do dinheiro público.
É evidente de que, na hora de construirmos nossas cidades, são os interesses privados, e não o bem comum, o que tem sido privilegiado. Ficam para trás obras mal feitas, frágeis, de péssima qualidade — e, agora, alguns mortos também.
ESCLARECIMENTO: Em 29/04 a prefeitura do Rio de Janeiro informou que a construção da ciclovia foi feita com base na Lei de Licitações e que o Regime Diferenciado de Contratações (RDC) não é utilizado no município, ao contrário do que o blog havia registrado no post original.