MTST mira Ronaldo Fenômeno e ajuda a encurralar Haddad
A ação de Black Blocs na noite de ontem, em São Paulo, interrompeu a trajetória programada para o protesto 15M. Liderado pelo Comitê Popular da Copa, guarda-chuva que congrega dezenas de grupos, a passeata estava marcada para sair da Avenida Paulista às 19h e seguir rumo a Higienópolis, mais precisamente para a casa do jogador […]
A ação de Black Blocs na noite de ontem, em São Paulo, interrompeu a trajetória programada para o protesto 15M. Liderado pelo Comitê Popular da Copa, guarda-chuva que congrega dezenas de grupos, a passeata estava marcada para sair da Avenida Paulista às 19h e seguir rumo a Higienópolis, mais precisamente para a casa do jogador Ronaldo Nazário, que fica próxima ao Estádio do Pacaembu. Ali, os manifestantes fariam um discurso em que o jogador seria nomeado o grande culpado por todos os males causados pela preparação do torneio, desde a morte de operários na construção das arenas a até as obras prometidas pelo governo e que não saíram do papel. Para o movimento, a figura de Ronaldo personifica ainda os interesses da Fifa e da CBF, sendo assim considerado responsável pelos “crimes contra o povo brasileiro”.
O plano foi traçado na última segunda-feira à noite, durante reunião ocorrida na Ocupação Mauá, no centro. Trata-se de um edifício ocupado por centenas de famílias que vivem em condições bastante precárias. Entre os participantes da reunião, havia moradores da ocupação, estudantes e lideranças de outros setores integrantes do comitê. Ficou acertado que os manifestantes partiriam da Avenida Paulista, caminhariam a Avenida Angélica e seguiriam para a casa de Ronaldo, onde leriam um discurso atacando os gastos com o Mundial. Cartazes com fotos dos trabalhadores mortos na construção dos estádios seriam colocados na calçada ao lado de velas coloridas. Por fim, uma coroa de flores seria depositada em frente à residência do craque.
Maior artilheiro de todas as Copas do Mundo, Ronaldo segue como alvo preferencial dos próximos protestos — já há um novo ato marcado para 22 de maio. A ação vem sendo planejada em reuniões sistemáticas realizadas pelo comitê, criado em 2011. Ontem à noite, estavam presentes na Avenida Paulista estudantes da USP dos cursos de geografia, ciências sociais e história, metroviários e Black Blocs. Havia ainda integrantes de movimentos de moradia, os grandes protagonistas da atual leva de protestos. É a presença da temática da moradia popular o maior diferencial entre os protestos deste ano e os ocorridos em junho passado. Enquanto os anteriores tinham um caráter mais espontâneo, esses últimos têm sido conclamados por organizações articuladas e defendem uma pauta específica. Os atos contra a Copa têm servido de palco às reivindicações habitacionais.
A principal liderança é Guilherme Boulos, do MTST (Movimento dos Trabalhadores Sem Teto). Na manhã de ontem, ele conclamou cerca de 4 000 sem teto para interditar vias importantes em pontos próximos às ocupações controladas pelo MTST. As mais emblemáticas delas são Nova Palestina, no Jardim Ângela, que reúne 8 000 famílias, e Copa do Povo, em Itaquera, com mais de 4 000 barracos.
O objetivo do MTST era chegar a São Paulo para ganhar visibilidade, o que ocorreu mais fortemente neste ano, às vésperas da Copa, após uma série de ocupações realizadas em municípios vizinhos. Desde 2011 o MTST já vem protagonizando cenas de depredação. Naquele ano, para chamar a atenção para um problema pontual com algumas famílias instaladas perto da represa de Guarapiranga, Boulos e sua turma quebraram boa parte do hall do histórico Edifício Martinelli, sede da Sehab (Secretaria Municipal de Habitação). Em abril, comandou a depredação das sedes das empreiteira Odebrecht,OAS e Andrade Gutierrez. Naquele mesmo mês, atacou também a vez de a Câmara Municipal, em ato que buscou acelerar a aprovação do Plano Diretor. O grupo tenta forçar os vereadores a contemplar seus interesses no documento, ou seja, determinar que áreas eleitas pelo MTST sejam destinadas à habitação social.
O PT historicamente tem movimentos sociais em sua base e é um interlocutor dos movimentos de moradia. Isso faz com que o prefeito petista Fernando Haddad sinta-se particularmente pressionado a responder às demandas do MTST. Além dos protestos por moradia, Haddad enfrenta manifestações de professores, que ontem realizaram uma passeata com 8 000 participantes.
A Sehab, que poderia tentar atender às reivindicações de moradia, está nas mãos do PP de Paulo Maluf, sob o comando do engenheiro José Floriano de Azevedo Marques Neto. A falta de prática do PP em lidar com essas demandas levou Haddad a, na prática, deixá-las sob os cuidados da secretaria de Governo. O titular da pasta, o petista Chico Macena, era até janeiro o secretário de Subprefeituras e tem bom trânsito no Palácio do Planalto. No início deste mês, Boulos foi recebido pela presidente Dilma Roussef.
Durante uma coletiva de imprensa realizada ontem, ele criticou os pré-candidatos à presidência Aécio Neves (PSDB) e Eduardo Campos (PSB), afirmando que ambos têm “tentado surfar na onda das manifestações”. Afirmou ainda não defender a reeleição de Dilma, acrescentando que o movimento não é filiado a nenhum partido. Mas fez questão de salientar que o atual governo é muito diferente do anterior — curiosamente, seus trejeitos e até seu tom de voz lembram muito os do ex-presidente Lula.
Dar moradia digna a quem não tem não está em questão. Discutível é o uso da violência para fazer valer uma bandeira, qualquer que seja. Na visão de Boulos, de outra forma ele não conseguiria atrair atenção para a sua causa. É o embate do argumento da força e da força dos argumentos. Ronaldo que se cuide.
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