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Por Mariana Barros
A cada mês, cinco milhões de pessoas trocam o campo pelo asfalto. Ao final do século seremos a única espécie totalmente urbana do planeta. Conheça aqui os desafios dessa histórica transformação.
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Morto ontem, Lelé inventou maneiras de construir em locais pobres e ermos. Em sua última entrevista, criticou o programa Minha Casa Minha Vida

A pequena cidade de Abadiânia, no interior de Goiás, a cem quilômetros de Brasília, guarda uma relíquia arquitetônica histórica. Foi ali que, em 1982, João Filgueiras Lima, morto ontem, aos 82 anos, iniciou o principal legado que deixou para a arquitetura e para o país: a possibilidade de construir coisas belas para pessoas pobres, de […]

Por Mariana Barros Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 31 jul 2020, 03h48 - Publicado em 22 Maio 2014, 15h41
Uma das escolas rurais criadas por Lelé, a prova de que é possível levar serviços públicos para qualquer lugar

Uma das escolas rurais criadas por Lelé, a prova de que é possível levar serviços públicos para qualquer lugar

A pequena cidade de Abadiânia, no interior de Goiás, a cem quilômetros de Brasília, guarda uma relíquia arquitetônica histórica. Foi ali que, em 1982, João Filgueiras Lima, morto ontem, aos 82 anos, iniciou o principal legado que deixou para a arquitetura e para o país: a possibilidade de construir coisas belas para pessoas pobres, de levar condições mais dignas aos habitantes de áreas precárias ou distantes dos grandes centros.

Sua trajetória remete a 1957, quando viajou ao planalto goiano onde Brasília começava a ser construída. Motivou-o principalmente o desejo de conhecer de perto Oscar Niemeyer, de quem tornou-se parceiro e consultor técnico. Foi Niemeyer quem lhe proporcionou a primeira chance de colocar a mão na massa. Em 1961, Lelé executou o desenho que seu mestre criara para o Instituto Central de Ciências da Universidade de Brasília. Foi o primeiro edifício do país feito a partir de estruturas pré-fabricadas, recurso que se tornou chave para a disseminação arquitetônica empreendida por ele. A pedido de Darcy Ribeiro, ele viajou à Europa no final dos anos 1960 para estudar técnicas construtivas. Ribeiro queria que iniciassem uma fábrica desses elementos no Brasil, como forma de baratear as construções e torná-las mais rápidas de serem executadas.

A ideia mexeu tanto com Lelé que acabou se tornando seu principal objetivo de vida. Ao longo da carreira, o arquiteto faliu duas vezes no esforço de alcançá-lo. Sonhava ainda com a criação de cursos que treinassem arquitetos e engenheiros para  usar concreto pré-moldado e estruturas semelhantes. Em 1979, iniciou em Salvador a produção de peças para a urbanização das encostas da cidade. A empreitada durou apenas três anos. Dali, ele foi para o Araguaia, onde fabricou para os índios. Em seguida, estabeleceu-se por dois anos em Abadiânia, a convite do Frei Mateus Rocha, da Universidade de Brasília, figura que o inspirou a executar trabalhos sociais em comunidades distantes. Durante essa temporada em Abadiânia, Lelé gestou o modelo o protótipo no qual persistiu nas décadas seguintes e cujo exemplo mais bem acabado é a Rede Sarah Kubitschek de Hospitais, considerada sua obra-prima.

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Um dos espaços da Rede Sarah Kubitschek de hospitais, sua obra-prima

Um dos espaços da Rede Sarah Kubitschek de hospitais, sua obra-prima

As escolas criadas por Lelé resistem até hoje na paisagem de Abadiânia, comunidade de 15 000 pessoas a mil metros de altitude. O local possui um enorme lago artificial por conta da hidrelétrica de Corumbá, que produz a energia que abastece Brasília, e tornou-se conhecido por ser residência do médium João Teixeira de Faria, conhecido como João de Deus. Especializado em cirurgias espirituais, ele tratou do câncer na laringe do então presidente Lula, com quem ainda se encontra. Para erguer as estruturas no lugar tão ermo quanto a pequena Abadiânia, o arquiteto viveu no meio da mata, trabalhando praticamente sozinho. Na época, recebeu a visita do então governador do Rio de Janeiro, Leonel Brizola, levado por Darcy Ribeiro, e foi convidado para criar uma fábrica-escola no Rio em parceria com o Instituto Habitat. Mais uma vez, a experiência durou pouco, de 1984 a 1986.

“A única construção que pudemos erguer diretamente com o instituto foi a sede da Fundação Darcy Ribeiro em 2010″, disse ele no que viria a ser sua última entrevista. O material foi publicado em julho passado numa edição especial sobre o Brasil da revista de arquitetura francesa L’Architecture d’Aujourd’hui, influente publicação que circula desde 1930. Nas páginas do especial, Lelé afirmou que nessa experiência de 2010 ele tentou novamente estabelecer uma fábrica, mas a falta de interesse do governo impediu que fosse adiante. Para completar, criticou o programa Minha Casa Minha Vida, principal vitrine do governo Dilma. Disse ele: “Apesar do grande interesse que representa para a presidente Dilma Rousseff, nós projetamos sem podermos construir. Hoje, a iniciativa privada tem controle absoluto sobre o programa”, afirmou.

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No mundo todo, obras de caráter social têm sido valorizadas. Basta lembrar que em março deste ano o japonês Shigeru Ban foi laureado com o Prêmio Pritzker por suas construções em áreas carentes com tubos de papel. A experiência de Lelé provou ser possível levar qualquer coisa –ensino, saúde, moradia– para o interior de um país continental. Revelou ainda como o “jeitinho” brasileiro pode ser usado a favor da população, a partir de inventos, improvisos e criatividade que de fato melhoram a vida das pessoas. Seus traços funcionaram como uma ponte pela qual uma série de benefícios conseguiu transpor as dificuldades da rotina. Erguer novas delas depende de vontade e competência.

João Filgueiras Lima, o Lelé, morreu ontem em Salvador aos 82 anos (Roberto Fleury/UnB Agência)

João Filgueiras Lima, o Lelé, morreu ontem em Salvador aos 82 anos (Roberto Fleury/UnB Agência)

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