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Por Leandro Narloch
Uma visão politicamente incorreta da história, ciência e economia
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Instituto Nacional do Câncer reproduz mitos e lendas populares sobre… o câncer!

Por Leandro Narloch
Atualizado em 31 jul 2020, 00h51 - Publicado em 27 jul 2015, 16h03
inca fachada11

Projeto da nova sede do INCA, no Rio: toda essa estrutura para divulgar tolices sobre o câncer?

 

Uma das funções do Instituto Nacional do Câncer José Alencar Gomes da Silva (INCA) é desfazer mal-entendidos sobre o câncer. Mas o órgão do Ministério da Saúde está fazendo o contrário. Desinforma os brasileiros ao difundir lendas populares e mitos sobre a doença. Em cartilhas e comunicados, o INCA reproduz pelo menos três erros graves sobre câncer.

Mito 1: “Adoçantes causam câncer”

Numa cartilha sobre prevenção do câncer, o INCA diz que “o consumo frequente de adoçantes artificiais, presentes em produtos light, diet e zero, está associado a algumas doenças, e possivelmente ao câncer”.

Não acredito: o mito do adoçante cancerígeno ataca novamente. Difícil contar quantas vezes essa história já foi desmentida, mas ela sempre renasce. Uma montoeira de estudos com adoçantes já foi feita e, segundo o Instituto Nacional do Câncer dos Estudos Unidos, eles “não demonstraram evidência clara da associação com câncer em humanos”.

O mito do adoçante maligno surgiu nos anos 1970, com um estudo de laboratório. Ratos que ingeriram doses cavalares de sacarina (o equivalente a uma pessoa beber 700 latas de refrigerante com adoçante por dia) tiveram um leve aumento da incidência de câncer na bexiga. O governo americano então encomendou novos estudos, que mostraram, todos eles, que o fenômeno não se aplica a humanos, só ao organismo de ratos. Além dos estudos de laboratório, dezenas de pesquisas epidemiológicas confirmaram a segurança da dupla sacarina & ciclamato.

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Já o aspartame ganhou fama de cancerígeno em 2005. Um estudo de laboratório injetou doses cavalares de aspartame em ratos (alguns tiveram que aguentar o adoçante equivalente ao de 2 mil latas de refrigerante). Houve aumento de alguns casos de câncer, mas os dados foram desencontrados – a incidência não aumentava conforme a dose. A Autoridade Europeia de Segurança Alimentar (EFSA) analisou a pesquisa e um ano depois confirmou que “o aspartame é seguro”. O incrível é que o próprio INCA, numa outra página, admite a segurança do aspartame. Afinal quem está certo – o INCA ou o INCA?

Mito 2: “Alimentos orgânicos previnem câncer”

“Modos de cultivo livres do uso de agrotóxicos produzem frutas, legumes, verduras e leguminosas, como os feijões, com maior potencial anticancerígeno”, afirma o instituto num  comunicado recente. Uma informação similar está na mesma cartilha que fala sobre os adoçantes.

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Isso é uma tolice sem tamanho. Nenhum cientista sério afirma que orgânicos ou que algum alimento tem o poder de combater o câncer. Mesmo assumindo que o INCA falou de prevenção da doença, e não combate, o erro permanece. “Não há evidência de que comer alimentos orgânicos altere o seu risco de ter câncer”, diz o Cancer Research UK, principal centro de estudos sobre câncer na Inglaterra. A Sociedade Americana do Câncer confirma essa posição. E um estudo britânico publicado em 2014, que acompanhou a saúde de mais de 600 mil inglesas durante 9 anos, concluiu que aquelas que comiam mais orgânicos não tiveram menor incidência da doença.

Divulgar informações como essa é irresponsabilidade, pois os relatórios do INCA costumam pautar reportagens de TV, como esta do Jornal Nacional. As crendices populares sobre o câncer acabam sendo alimentadas pelo próprio instituto de pesquisa.

Mito 3: “Defensivos agrícolas causam câncer”

O INCA vem realizando uma campanha contra agrotóxicos baseada mais em ideologia política que em ciência. O relatório citado acima parece mais um manifesto contra a agricultura intensiva e os transgênicos, em vez de um comunicado técnico sobre o câncer. A entidade informa no documento que está alinhada a grupos de que combatem o agronegócio, como a Campanha Permanente Contra os Agrotóxicos e Pela Vida, ligada ao MST. E considera como verdade estabelecida que alimentos cultivados com agrotóxicos são prejudiciais à saúde.

Agroquímicos fazem mal? Bem, depende. Uma pessoa pode morrer se beber 80 litros de água de uma vez só, mas isso não é o suficiente para afirmarmos que água mata. Do mesmo modo, agrotóxicos podem causar doenças (incluindo câncer) se forem manejados fora das regras. Do contrário, são perfeitamente seguros.

Mesmo aqueles comunicados da Anvisa, que de vez em quando causam pânico na população ao anunciar que boa parte dos alimentos têm resíduos de pesticidas, não são motivo para preocupação. O limite máximo de resíduos determinado pela Anvisa está bem abaixo da ingestão diária aceitável. Por isso, raramente um alimento com mais resíduos que o permitido está contaminado ou é perigoso. Como diz o Cancer Research UK, “frutas e vegetais algumas vezes contêm pequenas quantidades de pesticidas, mas não há evidência que esses resíduos aumentam o risco de câncer nas pessoas que os consomem”.

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Algumas notícias alarmantes sobre contaminação de alimentos surgem por pura burocracia. Em 2012, os brasileiros ficaram pasmos ao ouvir que 91% das amostras de pimentão “estavam contaminadas”. (Minha irmã conta que depois de ver essa notícia na TV nunca mais comprou pimentão.) Na verdade, por um simples detalhe burocrático, o pesticida em questão, usado em várias hortaliças, não estava cadastrado pela Anvisa para ser aplicado no pimentão. Quando o cadastro foi realizado, a suposta contaminação do pimentão se resolveu. (Pode voltar a comprar pimentão, Lali!)

Se agrotóxicos, aditivos e adoçantes tivessem alguma relação relevante com o câncer, a incidência da doença estaria explodindo, mas isso não é verdade. Nas últimas quatro décadas, a incidência de quase todos os tipos da doença pouco mudou, apesar das técnicas de diagnóstico terem evoluído. A exceção é o câncer de próstata, como mostra este gráfico da Associação Americana do Câncer:

cancer incidence

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Mitos alimentares e crendices sobre as causas do câncer são comuns em lendas populares e conversas de quem tem pouco estudo. É triste, e meio assustador, encontrar esses erros no instituto que deveria ser a maior referência sobre câncer no país.

@lnarloch

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