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Valentina de Botas: 14.200.000 de desempregados: ninguém

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Por Augusto Nunes Atualizado em 30 jul 2020, 20h51 - Publicado em 6 jun 2017, 20h43

Não me lembro de, tendo tido a essencial leveza de coração para reconhecer as oportunidades de fruir a beleza da vida e do mundo, eu as tenha recusado. Hesitei algumas vezes porque a beleza – como todo anjo, segundo o poeta – pode ser terrível, mas só para depois me render com a determinação de uma alma capturada. Os desfechos foram como tinham de ser. Mas nada nem ninguém tira de nós a lembrança da vista lá de cima. Não é terrível?

Agora o abatimento a que vinha resistindo me faz resistir à beleza de um texto essencial de Augusto Nunes: sim, “a limpeza dos porões precede o parto de uma república de verdade”, mas meu aluguel vence antes disso; antes disso também, no dia seguinte à notícia de que Temer havia sido gravado em conversa com um esley, li que médios e pequenos empresários que contratariam projetos e empregados nos próximos dois meses cancelaram tudo. Tecida a treva, quando ficou claro que a gravação não trazia exatamente o anunciado, era tarde para a lucidez. Não sei se há salvação judicial para o cidadão Temer, mas para o político o oxigênio se rarefaz, como calculou o desatinado refundador-geral da república. Lamento pelo tombo do país sobre os próprios porões que o deixa em situação mais perigosa do que quando consumado o impeachment de Dilma porque agora há uma inédita união de forças revigorando, objetivamente ou não, aquelas derrotadas no impeachment e nas eleições municipais de 2016. Temer significava a solução constitucional, o restabelecimento do fundamental diálogo entre o Legislativo e Executivo, medicava a economia e os horizontes se clareavam com as reformas mesmo tímidas. Tornou-se um presidente obsoleto fadado a continuar governando (?) se defendendo, condutas inconciliáveis.

Agora não se sabe quem retomará o trabalho no viveiro-Brasil de oportunistas asquerosos movidos pelo medo de cadeia e confiantes na mudança dos ventos promovida por Janot cujas ilegalidades mambembe-ideológicas tiraram do PT o que o define: o comando da roubalheira desvelada pela Lava Jato. Aliados subjetivos dessa narrativa em que Lula e congêneres se lavam na sujeira alheia, os idealistas com complexo de virgindade, alimentados pela imprensa fast-food – cujo cardápio tendo alfafa como acompanhamento ao gosto da manada – anuncia ameaças à LJ em qualquer mesóclise, fraturaram a lógica de tal maneira que, quando precisamos dramaticamente de um político hábil (no bom sentido) para encaminhar as reformas com esse-Congresso-que-está-aí ou que simplesmente conduza o país com algum bom senso até 2018, enxergam esse político em Cármen Lúcia (a ministra com nojinho de política) ou no irascível populista Joaquim Barbosa (o ex-ministro do STF que livrou Lula do mensalão e conseguiu ver quadrilha sem chefe): somos uma nação despedaçada, melancolicamente vocacionada para o absurdo.

Não defenderei político desonesto, mas também não aplaudirei agentes da lei fora da lei: a gozosa – para eles próprios – delação dos esleys (Jo e W) tem uma alarmante cadeia de ilegalidades, arbitrariedades e estranhezas de muitos conhecida, embora por poucos considerada na amplitude de sua gravidade, que clama pela anulação sem prejuízo das investigações. Antes que perguntem quem sou eu para falar em ilegalidades, esclareço que não sou ninguém, eu e mais 14.199.000 (até 28 de abril) de desempregados não somos ninguém, somos apenas estatística: não comemos, não compramos remédio, não pagamos aluguel, não temos projetos para nossos filhos, sequer temos sonhos e nossa angústia não é notícia na GloboNews.

Não tenho bandido de estimação; não fui às ruas por Michel Temer; não entoei o “fora, Dilma” nem quando marchei pelo impeachment porque acho esse “fora, fulano(a)” uma brutal estupidez. É que estamos todos dentro da mesma porcaria interminável – ainda que dividida entre arquibancada e camarotes – renovada na campanha delirante por uma constituinte já, de bonzinhos e espertalhões por diretas já e de resignados (como eu) por indiretas já. Receio, todavia, que para já só temos a bifurcação de simplesmente tentarmos ficar vivos ou tentarmos o suicídio supervisionados por Fátima Bernardes com o patrocínio da Seara, rindo da graça que Faustão não tem sob o patrocínio do Banco Original. Banco, presunto, suicídio: tudo um gentil oferecimento dos esleys.

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Em artigos deploráveis, Rodrigo Janot justificou seus meios no mínimo questionáveis citando seus fins no mínimo nebulosos. Meios justificados pelos fins é uma tese sórdida que não pode nortear agentes da lei em nome do que consideram “os interesses do país”. Ora, os interesses do país são basicamente o cumprimento da lei dentro da lei. Sem isso, não haverá chance para a república devastada se reconstruir sem as barbáries que a Lava Jato eviscerou. Ou os brasileiros de bem partidários do impeachment de Dilma aderimos a alguma ilegalidade contra a ex-presidente nascida do cruzamento de um jeca com a projeção de si mesmo? Não. Sempre rejeitamos golpes, intervenção militar e restrição ao direito de defesa; como rejeitamos a pequenez de Dilma perante o definhamento da nação no processo inútil e pateticamente prolongado. Janot reclamou que o eixo do debate foi deslocado; ora, isso resultou da força gravitacional das próprias lambanças. 

Some-se a isso a violação do sigilo de uma das fontes do jornalista Reinaldo Azevedo, crítico do petismo e do que considera abusos da LJ. E os urubus passeiam entre os girassóis comemorando a ilegalidade, têm a mente tão binária que não percebem o real nem se este lhes desabar sobre a cabeça fechada: arbitrariedades contra quem não gostamos também podem abater quem gostamos e culpa e inocência passam a ser uma questão de “lado” num efeito abominável do deletério “nós” x “eles”. É esse o país melhor que buscávamos com o impeachment? Em um surto de ilegalidade, Janot acolheu a gravação da conversa (imprópria, mas sem configurar crime) entre um esley e Temer. Não sei se o presidente é inocente ou culpado, mas ele se enfraqueceu a ponto de tudo o que pode fazer pela nação perplexa e em permanente náusea é renunciar. Se renunciar é admissão de culpa, ter de se defender diariamente até o fim do mandato mais cristaliza um cotidiano de acusações do que evidencia inocência. 

O país vinha clareando seus porões, gradativamente de modo a não desabar sobre eles. Não deu tempo. Como cidadãos comuns e exaustos da canalhice de qualquer cor ou lado, não há contradição em nos indignarmos com os eventuais crimes de Temer e também repudiar a emboscada que derrubou um país que se reerguia. Ah, o Brasil sempre sobreviverá, segundo a poesia ruim de Cármen Lúcia. Claro, excelência: o Brasil do marajanato sob uma toga ou abrigado em nobres salões. Alguma curiosidade sobre como estamos sobrevivendo os 14.200.000 de desempregados?

Enquanto isso, os petistas e aliados aproveitam a trilha forçada por Janot; Lula apresenta-se para comandar a sucessão antecipada de Temer. Quem estiver esperançoso com a “refundação da república” passando na tela da Globo, repense: não há esperança para um país em que a lei garante aos esleys um exílio com vista para o Central Park e os padrinhos deles se lavam na sujeira alheia. Depois de implodir as reformas, nocautear o presidente que não lhe é ideologicamente palatável e anular a oposição ao petismo, Janot conseguiu adiar o futuro. Nessa realidade terível, quem, se 14.200.000 gritassem, ouviria entre as ordens de anjos?

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