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Por Coluna
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Um amigo em Brasília

Na ausência de caráter, não se preocupe, dá para comprar por lá

Por Eliziário Goulart Rocha
Atualizado em 30 jul 2020, 20h21 - Publicado em 16 ago 2018, 11h50

Eliziário Goulart Rocha

Os familiares, principalmente o pai do bebê que estava para nascer, andavam ansiosos de um lado para outro no corredor asséptico da maternidade. Uma cena corriqueira, caso não envolvesse duas das maiores fortunas do país, a dos Marcondes Cavalcanti e a dos Lins e Silva. O casamento fora de conveniência, todo mundo sabia, mas, e daí? ─ dava de ombros a empertigada parentela. O Juninho ─ famílias ricas nunca abrem mão de homenagear o patriarca, assim como as pobres que se acham ─, viria ao mundo a bordo de uma conta bancária de saldo incalculável. Ele só trabalharia se quisesse, e muitos na família não costumavam querer, e teria praticamente tudo que desejasse na vida.

O pai de Juninho encomendara os melhores charutos dominicanos, porque os cubanos eram coisa dos tais pobres que se acham e os melhores champanhes. Lins e Silva, o comendador, como o chamavam os incontáveis bajuladores, estampou um sorriso tão largo quanto a cintura quando o médico abriu a porta da sala de parto para dar a notícia: Juninho nascera às 11h18 medindo 51 centímetros e pesando 3,450 Kg. “Sim, podem ficar tranquilos, a saúde do garoto é perfeita…”.  O êxtase estava prestes a irromper pela sala quando perceberam que a frase não tinha ponto final. O médico não a terminara, faltava um fatídico…

─ Mas…

─ Mas? ─ gritaram em uníssono.

─ Há um pequeno… digamos… inconveniente.

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O médico poderia ter prosseguido sem reticências, mais reticências, novo parágrafo, travessão, no entanto, optou pela pausa dramática, após a qual soltou a bomba, e ainda assim em doses alopáticas.

─ Ele nasceu sem… sem…

─ Sem o que, pelamodedeus? ─ gritou o pai, temendo que a tal carência comprometesse a continuação da linhagem.

─ Lamento ter de informar isso, mas seu filho nasceu sem caráter!

─ O quê? ─ perguntou o pai, mal conseguindo disfarçar um suspiro de alívio.

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─ Que chique, nosso próprio Macunaíma! ─ exultou o primo gay e inteligente. Até onde se sabia, o único gay da família, e também o único inteligente.

Todos se voltaram para ele.

─ Meu Deus, a quem poderia ter puxado? ─ indagou o pai.

Todos se voltaram para ele.

─ Isso nunca aconteceu em nossa família e não vai acontecer agora! ─ afirmou a avó de Juninho.

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Todos se voltaram para ela.

Mesmo o mais cínico ali tinha de reconhecer que se tratava de uma mentira deslavada.

─ Não sei por que estão me olhando assim! ─ injuriou-se a velhota.

─ E o primo João Carlos?

─ Ah, mas aquilo se resolveu fácil!

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O semblante pesado do pai aliviou-se subitamente. Sua mãe tinha razão, não havia motivo para se preocupar. Era só fazerem de novo o que havia sido feito naquela vez.

─ Doutor, tudo bem, a gente compra um caráter para ele!

─ Caráter não se compra, meu senhor! ─ respondeu o médico, sem esconder a estupefação.

─ Se eu conseguir comprar um o senhor faz o transplante?

─ Meu senhor, isso obviamente não existe e creio que o senhor já zombou demais da minha cara! Agora, com licença, tenho mais o que fazer!

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O médico afastou-se balançando a cabeça. Não sabia se estava mais chocado pelo fato de o bebê ter nascido assim ou pela ideia absurda do pai. Fosse como fosse, ele de fato tinha coisas mais práticas com que se ocupar. A família, que não as tinha, seguiu discorrendo sobre o tema.

─ E no caso do primo? ─ perguntou o outro primo.

─ Ele vive até hoje tranquilo, se bem que nunca se adaptou totalmente… O caráter que conseguimos era bom e o cérebro dele rejeitou! Foram anos e anos de terapias e medicação pesada! ─ lembrou a velha.

─ E o tio Astolfo? ─ insistiu o primo.

─ Neste caso, o caráter que arranjamos para ele era ruim e não houve rejeição! ─ observou a senhora, sem disfarçar certo orgulho.

─ Viram? Não se preocupem, tudo se resolve! ─ animou-se o pai. ─ E, qualquer coisa, eu tenho um amigo em Brasília…

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