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Trump, o Austin Powers do comércio internacional

Numa frase que poderia ter saído da boca de GV, Albert Speer ou Nikita Kruschev, o titular da Casa Branca sugere que “se você não tem aço, não tem um país”

Por Marcos Troyjo
Atualizado em 30 jul 2020, 20h32 - Publicado em 10 mar 2018, 23h47

Marcos Troyjo

Há vinte anos, o comediante canadense Mike Myers apresentava ao mundo Austin Powers, personagem central de uma sátira de filmes de espiões.

Metade playboy atrapalhado, metade agente especial, Powers é descongelado de um sono criogênico e tenta aplicar na contemporaneidade técnicas de espionagem antiquadas, tudo afetado por maneirismos dos anos 1960 e ideias para lá de ultrapassadas.

Quando vejo Trump falando sobre comércio internacional, ou concretizando no mandato presidencial algumas de suas promessas de campanha, acho impossível não o comparar a Austin Powers.

Menos pelos paralelo com o perfil “playboy atrapalhado” e mais pela visão de mundo extemporânea e equivocada. Tudo isso é magnificamente exemplificado por seu anúncio na semana passada de impor tarifas a importações norte-americanas de aço e alumínio.

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A fixação trumpiana com aço vem de longe. No início dos anos 1990, aço e automóveis japoneses eram os grandes vilões. À época, Trump enxergava no Japão não o aliado do pós-guerra, mas a nêmesis da supremacia econômica dos EUA. Com seu método “just-in-time” de produção, a superioridade da “Teoria Z” de administração e a onipresença do “Walkman” da então mega-poderosa Sony, o Japão era o inimigo a derrotar.

Antes de Nafta, TPP ou da arremetida chinesa, o Japão estava “ganhando dos EUA”, pois os negociadores norte-americanos não eram “espertos” (“smart”) e, portanto, produtos “Made in Japan” representavam um míssil contra o “heartland” industrial norte-americano.

Mais do que isso, os japoneses pareciam prestes a dominar o mundo, comprando renomados estúdios cinematográficos de Hollywood ou ícones imobiliários como o Rockefeller Center, em Nova York.

A propósito, uma capa da revista Time, datada de 13 de abril de 1987, tinha por título “Trade Wars” (“Guerras Comerciais”), expressão reavivada nos últimos dias como possível consequência das decisões unilaterais de comércio abraçadas por Trump.

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Muito dessa retórica, como nas aventuras de Austin Powers, simplesmente mudaram de década ou de antagonista. Numa entrevista à revista Playboy em 1990, Trump indica que com a “imposição de tarifas sobre produtos do Japão adentrando o mercado norte-americano poderíamos enxergar (nos japoneses) novamente aliados maravilhosos”.

Basta fazer um “copiar-colar” dessa linha de argumentação, deletar “Japão” e inserir “China” ou “México” e obtém-se muito do atual discurso da Casa Branca sobre questões comerciais.

Trump, à semelhança de Austin Powers, é ainda anacrônico em pelo menos duas outras frentes.

Numa, o presidente dos EUA aposta no batido “morder para depois assoprar”. Talvez como resquício de sua trajetória como agente imobiliário, gosta da estratégia de “entrar duro” para eventualmente fazer progressivas concessões.

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Não levei a sério quando o historiador Niall Ferguson argumentou que, para compreender, Trump e o mundo que se descortinava com ele na Casa Branca era necessário ler o magnum opus “A Arte da Negociação”. Ali estariam contidas as táticas básicas que veríamos em ação a contar de 20 de janeiro de 2017 em áreas como política de defesa, externa e comercial. É preciso reconhecer que Ferguson tinha razão.

O problema é que, num oceano de comércio singrado por experimentados lobos-do-mar, sabe-se bem que quem desdenha quer comprar.

No tabuleiro do TPP, Trump achava que a saída dos EUA implodiria qualquer possibilidade de prosseguimento do acordo, mas os entendimentos seguem avançando sem Washington.

No caso da imposição de barreiras a aço e alumínio, Trump poderia escolher uma combinação branda de tarifas e quotas direcionadas a apenas um grupo de países. Ou, caso quisesse chutar o pau da barraca de maneira responsável, poderia direcionar um pacote severo de restrições a um único país.

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Em ambas hipóteses, restringiria os danos causados a umas poucas relações bilaterais e ainda ganharia benefícios do efeito-demonstração na negociação com outros países.

Bem ao contrário, o resultado é apenas pânico em empresas norte-americanas que consomem aço e alumínio na cadeia de produção, superficial satisfação de empresas e trabalhadores do “Rust Belt” e avenida aberta para que outros países venham a retaliar exportações dos EUA.

Mas o mais pronunciadamente anacrônico da política comercial de Trump é o exemplificado num de seus tweets da semana passada.

Numa frase que poderia ter saído da boca de Getúlio Vargas, Albert Speer ou Nikita Kruschev, o titular da Casa Branca sugere que “se você não tem aço, não tem um país”.

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Com isso, revela sua obsoleta compreensão de que o capitalismo contemporâneo ainda é (se que tenha sido um dia) nada mais que a competição entre autarquias nacionais. E não o jogo interdependente e com múltiplos “stakeholders” que marca economias e sociedades abertas, complexas e prósperas.

Aparentemente, poucos na atual Casa Branca sabem disso. Gary Cohn, chefe do Conselho Econômico Nacional até esta terça-feira (6), era uma exceção.

Nada há de mais globalizado e territorialmente disperso do que as empresas transnacionais norte-americanas e os interesses essências dos EUA. Com seu embolorado nacionalismo, Trump fere mais tais realidades do que no presente é possível prever.

Um dos principais bordões de Austin Powers, quando confrontado com uma tese que lhe parece absurda, é dizer “Oh, behave!” (Ah, comporte-se!”).  É o que os compatriotas de Trump, para o bem dos EUA e da economia internacional, deveriam estar exigindo de seu presidente.

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