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Por Coluna
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Quem foi que disse que o Haiti é aqui?

Palavras de ordem unida não substituem ações efetivas e gastos para combater violência

Por José Nêumanne
Atualizado em 30 jul 2020, 20h32 - Publicado em 7 mar 2018, 17h11

José Nêumanne, publicado no Estadão

Não resta dúvida nenhuma de que a adoção do tema da segurança pública como prioridade absoluta do governo federal tem o objetivo de resgatar Temer do fundo do fosso da impopularidade e alçá-lo, se não à eventualidade de uma muito improvável reeleição, pelo menos à de cabo eleitoral com um mínimo de dignidade. Toda polêmica a respeito começou a ser dissolvida quando seu marqueteiro pessoal, Elsinho Mouco, e o especialista em pesquisas Antonio Lavareda contaram à repórter Andrea Sadi, da GloboNews, que a ofensiva contra a violência no Rio serviria para “capitalizá-lo politicamente”.

Logo depois, entrevista do primeiro ao articulista Bernardo Mello Franco, do Globo, não apenas confirmou, como cercou o objetivo de base e premissas indiscutíveis. Os desmentidos posteriores apenas confirmaram que o eco do óbvio ululante (apud Nelson Rodrigues) reverbera até tornar o truísmo ilusório uma verdade indiscutível. A leitura da nota oficial do chefe, feita pelo porta-voz, oportunamente chamado de Parola (palavra em italiano), vai além da confirmação de que palavras têm poder, no caso dos sobrenomes de Mouco e Lavareda, a surdez que queima e não ilumina. Todos os pronunciamentos oficiais e oficiosos a respeito da pendenga deixam claro que o chefe dos oráculos não ficou satisfeito com a revelação de seu segredo de Polichinelo, mas a autoria assumida pelo inconfidente só compromete ainda mais seu “sincericídio”. Afinal, a loquacidade inoportuna dos paus-mandados não foi punida com afastamento nem com alerta de desconfiança. A questão que resta a decidir é se o plano revelado vai, ou não, ser confirmado em pesquisas e urnas.

Para que esse objetivo seja ao menos avaliado convém, antes, passar pela confirmação dos fatos. Os índices de criminalidade deixarão de tornar insuportável a vida das vítimas pacíficas e honestas da insegurança pública vigente a tempo de produzir efeitos no apoio e na preferência eleitoral da cidadania? Tempo não faltará, previu Mouco a Mello Franco.

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O problema do prazo agora é mais crucial do que nas experiências anteriores. Na Eco-92, nos Jogos Pan-Americanos de 2013, no Mundial da Fifa de 2014 e na Olimpíada de 2016, o pacto de convivência pacífica entre a autoridade e chefões das quadrilhas teve duração determinada e curta. A expressão “férias para bandidos” não foi criada pela imprensa insubmissa nem pela oposição acuada, mas pelo desde então comandante das forças de ocupação do Rio, o comuno-democrata Raul Jungmann. O prazo atual de dez meses é longo demais para um negócio arriscado e disputado como o é o mercado de entorpecentes sustentado pelo contrabando de armas. Como uma indústria dessas resistiria a folga tão dilatada?

O compromisso de agora não admite pausa para ir ali e voltar já. Agora é pra valer. É entrar na área e ocupá-la sem pensar em deixar os guerreiros dos dois lados tirarem a sesta. A intervenção na Segurança do Rio, com a conveniência de deixar o companheiro Pezão, do MDB, agindo na continuação do desmanche da gestão estadual e das finanças públicas, não pode ser comparada à “ajuda humanitária” no distante e ínfimo Haiti, ministrada longe da vigilância da imprensa, da impertinência do Ministério Público e da atenção do juizado federal de primeira instância. Nenhuma dessas instituições cruzará os braços para o arbítrio ou para a mortandade.

Os invasores do espaço urbano carioca, egressos de quartéis, onde são mantidos longe da realidade e protegidos da lei dos civis por sua Justiça peculiar, começaram a pressentir os efeitos dessa diferença. Os comandantes do Exército pediram à Justiça civil mandados coletivos de busca e apreensão, depois que seu batedor no campo minado das notícias percebeu que exigir capturas seria demais. O presidente do Tribunal de Justiça do Estado do Rio, Milton Fernandes de Souza, negou-as. Outras idas e vindas do gênero ocorrerão.

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O sucesso da iniciativa dependerá de fatos alheios ao decreto assinado por Temer. A farda de camuflagem e as regrinhas primárias de convívio com os meios de comunicação com que o general Braga Netto tentou emular o comunicador da ditadura Rubem Ludwig não bastarão para convencer as pessoas submetidas às normas de identificação nas comunidades pobres de que seu desconforto será compensado com segurança. O vício do cachimbo entorta a boca e elas sabem que, quando o poder público as relega à desgraça, são socorridas pelos traficantes.

Cada um sabe onde lhe dói o calo e o desprezo do ministro da Segurança, gerado numa costela da Justiça, pela classe média contrasta com a discriminação escravocrata de quem não submeteu a elite branca da zona sul a métodos para restringir o ir e vir de pobres, pretos e pardos, ninguém sabe se inimigos ou protegidos. Como na Kasbah de Argel, de onde rebeldes saíram para expulsar os franceses, que torturaram quem os derrotaria.

O interventor tenta impor moral de piadas de caserna para domesticar os repórteres escalados para sua primeira entrevista. Mas não conseguiu transformar suas prédicas de ordem unida em notícias de interesse geral. Os R$ 42 bilhões em cinco anos, a perder de vista, bastarão para reequipar as polícias de todos os Estados brasileiros? O que o Exército fará para pôr fim à corrupção policial, sem mudar comandantes e delegados? Como enfrentar as relações íntimas entre crime e corrupção, se o capataz do chefão do “quadrilhão” do MDB do Rio continua no comando, prestigiando o encarregado dos presídios onde o poderoso Cabral vivia em conforto de fazer inveja a don Pablo Escobar? Quem o interventor escolherá para dar à família enlutada a notícia da morte do primeiro combatente inocente baleado por algum criminoso para quem a vida nada vale?

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Segundo Samuel Johnson, o patriotismo é o último refúgio dos canalhas. Quando se perceberá que a ilusão é o primeiro pretexto dos oportunistas?

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