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Perto dos casais descobertos no pântano drenado pela Lava Jato, Bonnie e Clyde parecem bandidos principiantes

O caso de Paulo e Gleisi informa: a mulher de político que intimidava maridos pecadores é uma espécie extinta pela proliferação das duplas de comparsas

Por Augusto Nunes Atualizado em 30 jul 2020, 22h26 - Publicado em 23 jun 2016, 16h42

Nesta quinta-feira, a ida para a gaiola do ex-ministro Paulo Bernardo e a permanência no Senado de sua mulher Gleisi Hoffmann, protegida pelo foro privilegiado, conseguiram o que parecia impossível: separar um dos casais mais unidos do planeta. Eles moram juntos, militam juntos no PT, trabalharam juntos no ministério de Dilma Rousseff, entraram juntos no pântano do Petrolão e estão juntos na fase mais recente da Operação Lava Jato. Ainda que acabe condenada pelo Supremo, Gleisi não ficará junto com o marido. Infelizmente para o casal, no sistema carcerário brasileiro não existem cadeias mistas nem celas para casal.

Pensar no jeitão de pároco agnóstico de Paulo e em Gleisi caprichando na pose de última vestal me remete a uma longínqua madrugada em que ouvi o deputado federal Ulysses Guimarães descrevendo o comportamento das mulheres dos políticos de antigamente. Vale a pena reprisar o episódio ocorrido em setembro, durante a campanha para as eleições municipais de 1976. Eu era um repórter novato. Ele comandava o MDB, que o fim do bipartidarismo transformaria em PMDB. E era uma lenda em seu começo.

Nada a ver com essa cara de faraó, pensei enquanto olhava de soslaio o chapéu de palha que Ulysses, à minha esquerda no banco traseiro do Opala, usava desde o fim da tarde daquele sábado. Ganhara o chapéu em Itaquaquecetuba, um cortejo de vogais e consoantes nas fímbrias da Grande São Paulo que hospedara o quinto comício do dia. Cinco horas e dois palanques depois, o presente do eleitor anônimo continuava no mesmo lugar. Por que será?, estranhei.

“Presente de eleitor é coisa séria”, surpreendeu-me o aparte mediúnico. Fiquei espantado ao ouvir a voz grave e o timbre de cantor de cabaré. Aos 60 anos, Ulysses cumpria o sétimo mandato na Câmara dos Deputados (seria reeleito outras quatro vezes) e fazia coisas de que até Deus duvida. Mas nunca imaginei que adivinhava até pensamento. “O problema do político é a mulher do político”, mudou de assunto enquanto abria os olhos profundamente azuis e ajeitava no banco o corpo magro e rijo.

“O sujeito entra em casa no escuro, tira o sapato para não fazer barulho, mas não adianta: acaba ouvindo uma mulher sonolenta querendo saber como foi o dia”, continuou Ulysses. “O sujeito conta que almoçou com fulano ou encontrou beltrano e lá vem algum comentário do tipo ‘sei, aquele que você disse que é cafajeste’, ‘sim, esse que vive dizendo que você não presta’. Elas têm uma memória tremenda. Vereador de distrito, presidente da República, nenhum político escapa da mulher quando volta para casa”.

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Era difícil imaginar Mora Guimarães, tão risonha e de poucas palavras, protagonizando cobranças noturnas ─ ainda mais endereçadas a um homem como Ulysses. Embora assumidamente apaixonado pelo poder (“Não existe nada mais afrodisíaco”, repetia), ele jamais vendera a alma para consegui-lo. Fora sempre exemplarmente honrado. E continuaria a sê-lo até 12 de outubro de 1992, quando desapareceu no mar depois da queda do helicóptero em que viajava com Mora e os amigos Severo e Henriqueta Gomes.

Como os homens públicos da linhagem a que Ulysses pertenceu, a mulher de político orientada por valores morais e normas éticas ainda existe, mas figura entre as espécies ameaçadas de extinção. Num Brasil envilecido pela Era da Canalhice, que institucionalizou a corrupção impune, quem se casa com um pai da pátria desce do altar convencida de que só é pecado perder a eleição (e o poder). O resto pode, até vender a mãe a preço de custo. Já na lua-de-mel vira comparsa do marido, e comparsas não fazem perguntas. Já sabem as respostas, até porque são parte dela. E aprendem a ocultar safadezas praticadas em parceria.

Que Bonnie e Clyde, que nada. Esses dois míticos vilões popularizados pelo cinema parecem delinquentes principiantes quando confrontados com João Santana e Mônica Moura, por exemplo. Ou com Eduardo Cunha e Cláudia Cruz. Ou com Paulo Bernardo e Gleisi Hoffmann. E sobretudo com Lula e Marisa Letícia. Antes do advento da República de Curitiba, todos desfrutavam do sono dos sem-culpa, de gente desprovida de remorsos e do sentimento da vergonha. Algum dia estarão tentando dormir na cadeia — em celas separadas.

https://videos.abril.com.br/veja/id/2662c968693ca160e19ee677a4ef8a18?

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