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Os loucos e o poder

Melhor, no exame dos atos de Trump, é analisar um a um, não sob a ótica da saúde mental, mas de sua eficácia política

Por Fernando Gabeira
Atualizado em 30 jul 2020, 20h36 - Publicado em 21 jan 2018, 08h38

Publicado no Globo

A discussão sobre a saúde mental do homem mais poderoso do mundo é algo novo para mim. Mas o tema associando loucura e política certamente apareceu em muitos momentos da História. Nos tempos mais recentes, sempre foi mais comum uma discussão sobre a saúde física. No caso de Franklin Rooosevelt, o que estava em jogo era sua mobilidade, algo aparentemente superado nos dias de hoje: a cadeira de rodas não é um obstáculo intransponível.

A questão da loucura apresenta dificuldades: como definir que uma outra pessoa é louca contra a vontade dela, sobretudo quando ocupa o cargo político mais importante do planeta?

O debate sobre a saúde mental de Trump se acentuou com o lançamento do livro “Fogo e fúria”, de Michael Wolff. Os argumentos que tenho lido não me convencem de que Trump é louco. Às vezes detêm-se em análises de gestos simples como levantar um copo de água, sem considerar que certas hesitações se devem mais à velhice do que à loucura.

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A disputa com Kim Jong-un sobre quem tem o botão maior, embora infantil na boca de um presidente, expressa uma tendência à competição onipresente em inúmeras atividades humanas.

No tempo em que Stalin dominava a União Soviética, muitos opositores foram mandados para o hospício. Era algo bastante temido, sobretudo entre intelectuais. O regime comunista não só monopolizava o poder como também se sentia em condições de monopolizar a razão. Ser de oposição era sintoma de uma doença mental. Numa sociedade democrática deve haver alguns protocolos, inclusive para uso da Justiça, determinando se a pessoa cruzou ou não a fronteira da sanidade. Quando se trata de algo tão político, é evidente que se formem duas grandes correntes, cada uma desconfiando abertamente da imparcialidade científica da outra.

Não tenho condições de afirmar se Trump é louco ou não. Outro dia, em Porto Alegre, um jovem me fez uma longa e complexa pergunta, concluindo: acha que estou louco? Quem sou eu para dizer que uma pessoa está louca, respondi. Tenho dúvidas a respeito de mim mesmo. No passado, Francisco Nelson, um grande amigo do exílio, sempre me confortava: tudo bem, você está lúcido.

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Chico Nelson morreu de enfarte. Desde então, dedico-me a responder sozinho e falta energia para julgar os outros.

Mesmo para quem vive num país surreal como o Brasil, é estranho ver dois líderes mundiais trocando insultos, e Trump dizendo que tem um botão maior que o do outro.

Às vezes acho que discussão sobre a saúde mental de Trump mascara outra mais delicada: até que ponto ele representa a normalidade estatística, até que ponto o que está em jogo não é a sanidade da própria sociedade americana?

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Ainda assim, restaria a dúvida sobre o é que normalidade nos dias de hoje. Antigamente, em Minas, um ditado popular tentava fixar a fronteira entre loucura e lucidez: é louco mas não rasga dinheiro. Que sentido tem essa fronteira numa sociedade consumista? Até que ponto a ostentação dos bilionários não é um rasgar dinheiro com base na realidade? Muitos de nós se lembram que loucura e poder estão associados de tal forma que, num dos clichês das comédias do passado, o louco aparecia sempre dizendo que era Napoleão Bonaparte.

Melhor, no exame dos atos de Trump, é analisar um a um, não sob a ótica da saúde mental, mas de sua eficácia política.

Trump retirou os EUA do Acordo de Paris. É um cético quanto ao aquecimento global. A dúvida dele a respeito de evidências que nos parecem esmagadoras tem consequências políticas. Uma delas é abrir espaço para que China tente ocupar o vácuo deixado pelos Estados Unidos, e a França recupere um pouco de sua grandeza perdida.

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Temo que seja cada vez mais difícil enquadrar lideres mundiais nos parâmetros da sanidade mental.

Na atual fase do capitalismo, o entretenimento de milhões de pessoas tornou a indústria da diversão tão importante que tendem a surgir dela os nomes mais viáveis para liderá-la.

O próprio Trump usou a indústria da diversão para ampliar sua popularidade e, agora, utiliza o Twitter como seu programa particular.

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Não nego que os critérios de sanidade e loucura ainda são importantes e mobilizam milhões de profissionais dedicados a, pelo menos, atenuar o sofrimento humano.

Transplantados para a política, esses critérios talvez não tenham a mesma validade. Minha suspeita é de que na luta cotidiana para espantar o tédio, a excentricidade torne-se uma espécie de capital para os candidatos ao poder.

Trump é um sintoma de algo bem mais sério e bem mais louco do que podemos imaginar. Aceitar essa premissa é incômodo, mas nos aproxima da realidade. Não foi por acaso que, depois da Segunda Guerra Mundial, os intelectuais se voltaram não para dissecar a psicologia de Hitler, mas para se investigar o que havia na sociedade alemã para tornar possível sua liderança.

São outros tempos, mas, creio, a tarefa ainda é a mesma.

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