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O convescote dos suspeitos

Refeições com bebidas alcoólicas não são cenários apropriados para pactos entre Poderes

Por José Nêumanne
Atualizado em 30 jul 2020, 19h53 - Publicado em 20 mar 2019, 17h54

José Nêumanne (publicado no Estadão)

Na quinta-feira da semana passada, 14 de março, o Supremo Tribunal Federal (STF) tomou a decisão histórica (no pior sentido possível) de torpedear o combate à corrupção ao transferir ─ por 6 a 5 ─ ações penais contra crimes de caixa 2 da Justiça Federal para a Eleitoral. Dois dias depois, no sábado 16, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, deu um churrasco na residência oficial da Casa com todo o aspecto de “enterro dos ossos” ─ o almoço de Natal e de ano-novo em que se aproveitam as sobras das ceias natalina e de réveillon. Foram convidados os presidentes da República, Jair Bolsonaro, e o do STF, Dias Toffoli, a pretexto de acertarem um pacto de Poderes teoricamente pela aprovação da reforma da Previdência e, remotamente, do pacote anticrime proposto pelo ministro da Justiça, Sergio Moro, que discordou publicamente do resultado da votação da cúpula do Judiciário, mas compareceu ao “congraçamento”.

Toffoli, que deu o voto de Minerva (deusa da sabedoria dos romanos, imagine só!) a favor da decisão que devolve o sono perdido a inúmeros políticos temerosos de serem alcançados pelo braço longo da lei, presidiu uma sessão com manifestação unânime de encômios a uma excrescência da nossa Justiça, marcada pela impunidade. Nem mesmo os perdedores se escusaram a elogiar a Justiça Eleitoral, cujo passado a condena, jamais a absolve.

Dos vários fatos que desautorizam essas loas, dois se destacam pela extrema (ou seria melhor usar suprema?) aberração. Um deles está registrado nos seguintes termos pela Wikipédia: “O episódio mais crítico das eleições de 1990 ocorreu durante o segundo turno para o governo do Paraná… Roberto Requião disputava a eleição com José Carlos Martinez (morto num acidente de avião em 2003) e então apontado como favorito pelas pesquisas. Uma semana antes da votação, o programa eleitoral gratuito de Roberto Requião cedeu espaço para certo João Ferreira, apresentado como Ferreirinha, que por trás de óculos escuros e boné se identificou como matador de agricultores a serviço da família Martinez. Os eleitores paranaenses então deram a vitória a Roberto Requião”. Perícia mostrou que o texto lido por ele foi datilografado em máquina do comitê de campanha do emedebista, que ainda seria governador de 2003 a 2006 e de 2006 a 2010 e senador da República de 1995 a 2002 e de 2011 a 2019. Só foi aposentado da vida pública no ano passado, quando o eleitorado paranaense o mandou de volta para casa.

Ainda segundo a mesma fonte, “a farsa foi desmascarada antes da posse, quando a Polícia Federal descobriu que Ferreirinha era, na verdade, o motorista Afrânio Luis Bandeira Costa. Com base na descoberta, o Tribunal Regional Eleitoral do Paraná concluiu que houve crime eleitoral e cassou o mandato de governador de Roberto Requião, que nem sequer havia tomado posse do cargo. Roberto Requião recorreu ao Tribunal Superior Eleitoral, obteve a anulação do julgamento e assumiu o cargo. Seis meses antes do final do mandato, em 1994, os ministros do TSE arquivaram o caso, concluindo que havia erros processuais: o processo havia sido aberto apenas contra Roberto Requião, quando deveria ter incluído o vice, Mário Pereira. Quanto a Ferreirinha, nunca mais foi localizado”.

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Outra façanha do TSE foi o julgamento da chapa Dilma-Temer, reeleita em 2014. Em delação premiada, o ex-ministro da Fazenda de Lula e ex-chefe da Casa Civil de Dilma Antônio Palocci disse aos federais que “a maior parte das doações registradas no TSE é acometida de origem ilícita”. Com a autoridade de quem coordenou a eleição da “presidenta”, ele contou que as campanhas de 2010 e 2014 custaram, respectivamente, R$ 600 milhões e R$ 800 milhões, esta mais do que o dobro dos R$ 350 milhões declarados ao TSE.

Contando com o público desinteresse do PSDB, que abriu o processo contra a de 2018, o mesmo TSE absolveu a chapa sob a presidência do ministro do STF Gilmar Mendes. O relator, Herman Benjamin, disparou: “Por excesso de provas”.

O anfitrião do churrasco de sábado, Rodrigo Maia, consta da delação do propinoduto da Odebrecht com o codinome “Botafogo”, seu time do coração, assim como seu partido, o DEM, é designado como “Fluminense” e a “doação”, como “passe do Volante”, ao custo de R$ 100 milhões. A revista Veja publicou que Léo Pinheiro, da OAS, informou, em 2016, também em tentativa de delação, haver presenteado outro comensal da “Casa da Câmara”, o presidente do STF, com obras gratuitas para resolver problemas de infiltração em sua casa. Dois anos depois, Sua Excelência reconciliou-se com o próprio sono ao ser informado de que, enfim homologada por um colega, a delação do empreiteiro não o citara. A decisão do STF na quinta-feira mereceu de outro presente ao banquete o seguinte apoio: “O TSE tem um quadro qualificadíssimo para promover o processamento e julgamento dessas ações. Nada mais justo que a Justiça Eleitoral, a partir dessa decisão do STF, se debruce em termos que dizem respeito a processo eleitoral”, disse o presidente do Senado, Davi Alcolumbre, correligionário de Maia e eleito para o lugar pretendido por Renan Calheiros, do MDB. Sua eleição no Amapá, em 2014, foi contestada em dois processos por uso de notas fiscais falsas para a empresa LLS Morais-ME, arquivados pelo Tribunal Regional Eleitoral, e agora sob julgamento no STF, a pedido do Ministério Público Eleitoral, em 2016 e 2018.

Ao explicar a presença de Bolsonaro e 14 ministros, entre os quais ele próprio e Moro, o chefe da Secretaria da Presidência, general Carlos Alberto Santos Cruz, disse que, “às vezes, se resolvem mais coisas num churrasco que numa reunião formal”. A depender do interlocutor, a frase pode ser considerada cândida ou cínica. Ela explica, mas não justifica, pois refeições com bebidas alcoólicas não s��o cenários apropriados para pactos entre Poderes.

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