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O “bucho furado” de Zé Dirceu

O "sincericídio" de Dirceu preocupa seus parceiros do PT, porque acham que podem tirar votos de quem não quer Bolsonaro, mas hesita em votar em Haddad

Por José Nêumanne
Atualizado em 30 jul 2020, 20h17 - Publicado em 3 out 2018, 07h10

José Nêumanne (publicado no Blog do Nêumanne)

No tempo do reino de dom Joaquim Barbosa na “Suprema Corte”, quando foi denunciada, processada e condenada a trupe que comandou e operou o maior assalto aos cofres da República até então conhecido, José Dirceu de Oliveira foi dito “chefe da gangue”. Junto com ele foram apenados dirigentes de sua sigla, políticos da base aliada, entre os quais o delator petebista Roberto Jefferson, operadores do mercado financeiro e um publicitário, apelidado de “operador”. Lula passou ao largo. A misericordiosa ocupante do poder, Dilma Rousseff, indultou os companheiros da banda política da quadrilha, contemplados com o perdão pela nobilíssima “Suprema Corte”. Hoje, o único preso é o operador, Marcos Valério Fernandes de Souza. Dirceu, tido como “capitão do time’, era exceção, por ter sido flagrado em delinquência no petrolão enquanto cumpria pena do mensalão.

Era, mas não é mais. Condenado a 30 anos e meio por corrupção passiva e organização criminosa, foi libertado, com pito do atual presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Dias Toffoli, no juiz que lhe quis impor tornozeleiras, Sergio Moro. Em qualquer vara mequetrefe perto da zona do baixo meretrício, o habeas corpus não poderia ter sido assinado, pois na Justiça deveria importar a “suspeição” pelo fato de que Sua Excelência tinha sido subordinado do réu, à época em que advogou para o Partido dos Trabalhadores (PT). Mas no Brasil, o Direito Romano e suas filigranas, tais como a igualdade de todos perante a lei, só têm valor quando exercidos contra desafetos e inimigos jurados. O certo é que a decisão foi aprovada em votação da Segunda Turma do tribunal, com a adesão automática e entusiástica de seus companheiros do trio Solta Gatuno, composto por ele, Gilmar Mendes e Ricardo Lewandowski. E, desde junho, goza as delícias do sol da zona cacaueira e de outros locais aprazíveis, fora da cela, o cidadão que fundou, dirigiu, comandou e unificou o partido em torno de seu líder único, Lula.

Na prisão, assim como Adolf Hitler e Antonio Gramsci, o militante que organizou o congresso da União Nacional dos Estudantes (UNE), em Ibiúna (SP), que caiu nas garras do hediondo delegado Sérgio Fleury, alinhavou suas memórias de guerreiro e amante latino no livro Zé Dirceu – Memórias Volume 1 (Geração Editorial). Neste preciso momento, dedica-se à suada, mas nada desagradável, tarefa de divulgar os tais alfarrábios.

Foi então que de repente, não mais que de repente, lhe cruzou os caminhos da liberdade um solerte repórter do celebrado diário espanhol El País e lhe perguntou sobre a possibilidade de o PT ganhar as eleição e “não levar” por causa da oposição da direita. E ele respondeu o seguinte: “Acho improvável que o Brasil caminhará para um desastre total. Na comunidade internacional isso não vai ser aceito. E dentro do país é uma questão de tempo pra gente tomar o poder. Aí nós vamos tomar o poder, que é diferente de ganhar uma eleição”. Seu projeto, como contou na entrevista, é o seguinte: “Tem que acumular força. Eles (a direita) priorizaram a mobilização popular, deles, da classe média, durante o nosso governo”.

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Ainda em seu périplo pelo País para lançar lembranças de atos heroicos e amantes inesquecíveis, Dirceu disparou contra os procuradores federais que o denunciaram. Disse, literalmente, que “o Supremo, em 2016, deu poder de investigação ao Ministério Público. Qual é o resultado? Agora há investigações sigilosas. Inclusive o ministro Gilmar Mendes tem criticado isso. Tem que tirar o poder de investigação do Ministério Público. O Ministério Público só é para acusar. O Ministério Público virou uma polícia política. Não há controle nenhum. E mais: uma corporação com os maiores privilégios do Brasil”.

Tal mistura de alhos com bugalhos não pode ser tratada apenas como queixa de réu pilhado em delito na tentativa de desqualificar seus acusadores. Ela representa, na verdade, os lamentos comuns de outros chefões de organizações criminosas que dilapidaram e dilapidam os cofres públicos em nome de benemerências a desassistidos e de justiça social, para encher as burras de suas legendas de dinheiro furtado do povo e enriquecer pessoal e ilicitamente. E não flagra apenas o exercício do célebre jus sperniandi, expressão jocosa em falso latim vulgar que significa direito de espernear. Ao contrário, ela traduz a disposição de poderosos mandatários nos três Poderes da República de garantir a impunidade de si mesmos e da própria grei, além de prejudicar e, se possível, apenar os agentes do Estado que tenham constatado, investigado e processado seus delitos contra o patrimônio do cidadão.

Quando a entrevista ao El País foi publicada, a primeira lembrança que veio à mente de qualquer brasileiro maior de 60 anos foi a da frase atribuída a Luiz Carlos Prestes, em 1963, época em que era secretário-geral do Partido Comunista Brasileiro (PCB). Sob João Goulart, os comunistas ocupavam cargos importantes no governo federal, mas não se consideravam ainda suficientemente poderosos. A constatação foi expressa pelo “cavaleiro da esperança” (apud Jorge Amado) na sentença: “Estamos no governo, mas ainda não estamos no poder”. O uso da expressão autoritária “tomar o poder” aproxima a frase de Dirceu da de Prestes, que, como a História registra, deu com os burros n’água.

Um ano depois, os militares derrubaram o governo constitucional de Jango e o PCB, com Prestes, teve de se esconder na clandestinidade. Hoje as condições para uma ruptura institucional desse gênero parecem distantes. E o próprio pretendente a profeta o reconhece na entrevista.

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Na crítica feita ao Ministério Público Federal (MPF), contudo, Dirceu foi menos candidato a cassandra do apocalipse e mais cronista de uma situação que ele, como factótum de Lula no partido e no governo, domina como participante do “acordão” que, sem dúvida, está sendo urdido. E que influencia de forma direta a disputa eleitoral de vários cargos poderosos na política, principalmente o mais alto de todos, a Presidência da República.

Ao site piauiense AZ, Dirceu misturou o trabalho de investigação da polícia e de denúncia do MPF e o comparou aos processos de perseguição aos adversários de Estado e do regime executados pelos órgãos repressivos de ditaduras como as de Adolf Hitler, seu herói Josef Stalin e seu ídolo Fidel Castro. No site 180, também do Piauí governado por um petista, Wellington Dias, ele acionou sua metralhadora giratória contra o STF, do qual disse que um governo petista reduzirá os poderes, mudando até o nome, que passaria de Supremo para “Corte de Justiça”. Nem os amigos protetores escaparam de suas rajadas erráticas.

Na verdade, nunca o STF deu ao MPF permissão para conduzir investigações criminais. Os procuradores até pressionam o Supremo a reconhecer que quem pode o mais pode o menos, mas a pressão tem sido rechaçada pela Polícia Federal (PF), e nada de novo foi dado. A militância dele é contra a delação premiada, usada por americanos e italianos na investigação de organizações criminosas, pelo acesso que permite à intimidade das gangues. Ela foi incorporada à Justiça brasileira por leis assinadas, primeiro, por Fernando Henrique e, depois, por Dilma. E, de fato, sem ela dificilmente a Lava Jato e seus filhotes teriam conseguido os feitos de que se orgulham e que tanto agradam à sociedade cansada de impunidade.

As críticas tornam-se confissões e o hábil perito dos lances magistrais do partido é equiparado à sucessora na chefia da Casa Civil, Dilma Roussef, cuja inabilidade é notória. Como a nota oficial em que a ex-presidente confessou, tentando defender-se, a participação dela na decisão sobre a compra onerosa da refinaria da Astra Oil em Pasadena, foi considerada sincericídio de rara estultice, as declarações de José Dirceu revelam que ele está trilhando a mesma vereda. O “sincericídio” de Dirceu preocupa muito seus parceiros do PT, conforme publicou Vera Magalhães no BR18. Pois acham que seu “bucho furado” pode tirar votos de quem não quer Bolsonaro, mas hesita em votar em Haddad. Aliás, quem na situação descrita cair nas torpes fantasias do “guerrilheiro” da Odebrecht não poderá mais dizer que não foi avisado.

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