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Por Coluna
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O bloqueio das ideias

Voltar ao passado não é uma solução. É uma espécie de morte viver a História como uma repetição mecânica

Por Fernando Gabeira
Atualizado em 30 jul 2020, 20h26 - Publicado em 1 jun 2018, 22h21

Fernando Gabeira (publicado no Estadão)

Aos poucos volta a gasolina aos postos e os alimentos às prateleiras. É tempo também de reorganizar a cabeça, depois desse movimento dos caminhoneiros que parou o País.

Sim, é preciso reorganizar a cabeça. Não vai nisso nenhuma subestimação da inteligência. É que os fatos nos obrigam a uma constante revisão.

Esta semana, por exemplo, lembrei-me duma viagem a Santa Maria, no Rio Grande do Sul. Isso foi na década dos 90. Rodávamos por estradas precárias e perguntei por que não as reparavam. Alguém me disse que as estradas ali estavam perto da fronteira com a Argentina. Eram tão ruins que desestimulavam uma invasão militar.

Achei bizarro. Afinal, estamos de bem com a Argentina, já havíamos resolvido a questão nuclear fraternalmente. Aquilo era uma desculpa esfarrapada.

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Voltando atrás no tempo, sigo pensando que as estradas devem ser as melhores possíveis. Mas percebo, com a paralisação da semana, que num país como o nosso deveriam ser um tema dominante na defesa nacional.

Um país não pode ser tão vulnerável. As notícias de perdas se sucedem: portos, agricultura, comércio, indústria, quase todos os setores da economia nacional foram atingidos.

Isso não quer dizer que nunca mais haverá greve de caminhoneiros. Simplesmente não podem ser devastadoras como esta.

A segunda ideia: como as coisas acontecem sem que sejam detectadas no País. As manifestações de 2013 começaram por causa dos 20 centavos a mais no preços das passagens. E surpreendentemente evoluíram para um protesto geral.

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Onde estávamos todos? Talvez mais concentrados no jogo político de Brasília do que propriamente nas tensões sociais. Onde estava o governo, que recebeu uma indicação clara da greve e a subestimou?

Se fosse um pouco mais franco e transparente, pelo menos avisaria à sociedade que algo de muito grave estava para acontecer. Se não quisesse nos defender, ao menos acionaria nossos instintos de autodefesa. Não são necessariamente negativos como uma corrida aos supermercados. Havia muito o que fazer para salvar vidas, garantindo oxigênio, material de hemodiálise, enfim, artigos decisivos para a saúde pública.

As refinarias foram bloqueadas. Como, assim, as refinarias podem ser bloqueadas simultaneamente? Os grevistas chegaram primeiro, embora tenham avisado que iriam desfechar o movimento.

Compreendo a revolta difusa contra políticos que vivem no mundo da lua. Creio que ela é inevitável no Brasil de hoje, em que a sociedade já esgotou sua cota de tolerância.

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O governo Temer está preocupado em fugir da polícia e influenciar as eleições. Ele merece uma dose de caos para cair na real. Mas a sociedade, não. Ela já vem sofrendo ao longo desses anos de crise, corrupção, assalto às empresas públicas, como a Petrobrás.

Existe alguma fórmula para evitar que um governo fraco fique de joelhos sem que para isso o próprio País também tenha de se ajoelhar?

O que me ocorre, as ideias ainda não voltaram todas às prateleiras: é um instrumento de Estado, uma lei talvez, que defina que o País não pode parar, independentemente das hesitações do governo.

Ao governo caberia negociar, mas dentro de um quadro em que estradas e refinarias não poderiam ser bloqueadas. Isso subordinaria as próprias negociações.

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Por mais rastejante que fosse o governo, por mais concessões que estivesse pronto a oferecer, não estaria ao seu alcance permitir que o País parasse.

Finalmente, uma ideia que me faz lembrar 2013: uma revolta política despojada de uma visão real do que fazer, para onde ir.

Não se deve ignorar a presença no movimento de grupos que defendem a intervenção militar. Mesmo ignorados, estão crescendo. É preciso encará-los. Eles estão vendo a mesma decadência política que nós. Só que propõem uma saída absurda, não só pelas condições internas, mas também pelo isolamento internacional que isso representaria para o Brasil.

Foi num precário processo democrático que chegamos até aqui. E por meio dele vamos encontrar uma saída.

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Já vi caminhoneiros precipitarem a queda do governo de Salvador Allende, no Chile. Estava defronte ao Palácio de La Moneda quando os aviões o sobrevoavam, anunciando o golpe. Augusto Pinochet acabou como alguns políticos brasileiros, alquebrado, de bengala, sempre nos colocando o dilema: cadeia ou prisão domiciliar para morrer em casa?

Voltar ao passado não é uma solução. É uma espécie de morte viver a História como uma repetição mecânica.

Não deixa de ser estranho ver tanta gente usando a rede social, que ampliou o potencial humano de livre expressão, pedindo uma ditadura militar. É como usar uma boia para se afogar com ela. Já não é apenas viver a História como morte, mas como suicídio.

Estamos num ano eleitoral. O País em frangalhos, uma esfera política desmoralizada, é nessa aridez que teremos de plantar a flor da mudança.

Um poeta consegue plantá-la no asfalto. Nossa tarefa não é tão difícil: derrubar pelo voto a maioria dos picaretas, eleger gente nova e empurrá-la para uma aliança com alguns sobreviventes, para que a inexperiência não venha a pesar tanto nas suas decisões.

Conviver com este governo e com todo o universo político é bastante doloroso. Mas não há alternativa. Em outubro já haverá um novo presidente, um novo Parlamento. Podem não ser ideais. Mas a lição destes anos é de que as más escolhas podem levar o País à desintegração.

Os adeptos do voto nulo deveriam parar um minuto e refletir sobre isso. Não existe outro mundo. Você pode deixar os políticos de lado, mas eles têm o poder de arrasar seu cotidiano.

Por favor, nada de suicídios, como a intervenção, nem masoquismo, como o voto nulo. Pelo menos, vamos tentar sair dessa maré.

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