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Por Coluna
Com palavras e imagens, esta página tenta apressar a chegada do futuro que o Brasil espera deitado em berço esplêndido. E lembrar aos sem-memória o que não pode ser esquecido. Este conteúdo é exclusivo para assinantes.
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Ninguém responde ao general

Se continuarmos assim, abrigados em tribos, acreditando apenas no que queremos acreditar, será cada vez mais difícil a vida de quem não habita os extremos

Por Fernando Gabeira
Atualizado em 30 jul 2020, 20h20 - Publicado em 17 set 2018, 14h54

Fernando Gabeira (publicado no Blog do Gabeira)

De novo na estrada, no centro de Minas, a 700 quilômetros do Rio. Deixei um clima político bastante polarizado. A série de entrevistas com candidatos mostrou como o mesmo trabalho pode parecer contrário ou a favor do entrevistado, dependendo do ângulo do espectador.

Eu mesmo fui criticado por não ter respondido ao general Mourão sobre heróis e tortura. As pessoas talvez desconheçam a fronteira entre uma entrevista e um debate.

Como jornalista, ouço as pessoas, registro no meu caderno ou gravo as opiniões colhidas. Às vezes, refaço a pergunta, apenas para obter mais transparência nas ideias e projetos. Quando a entrevista é em conjunto, trata-se de um ritual coletivo que tem como objetivo oferecer uma visão mais completa do personagem, dentro de um determinado prazo.

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Se alguém diz “heróis matam”, não posso contestá-lo. E se o fizesse, diria apenas que heróis também matam, a julgar pela História, inclusive da esquerda e das lutas anticoloniais.

Heróis morrem pela liberdade, ora lutando pelos irmãos de cor, como Martin Luther King, ora pela paz, como Mahatma Ghandi. Herói apenas salvam vidas, como a professora Helley Abreu, na escola incendiada em Janaúba.

Às vezes, heróis não matam nem morrem. Simplesmente dedicam-se a ajudar os outros. Conheci Noel Nutels no aeroporto de Belém, e ele me contou como cuidava dos índios, sobretudo de seu pulmão. Fiquei impressionado com ele até hoje. Isso tem mais de meio século.

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Não conheci Nise da Silveira pessoalmente. Mas quando vi o que fez pelos doentes mentais, livrando-os do choque elétrico e despertando sua visão estética, compreendi que sua vida também teve um grande propósito.

Quanto à tortura, sou bastante tranquilo ao condená-la. Hoje, o Brasil subscreve acordos internacionais que a varrem de nossas práticas cotidianas. Não significa que cessaram: apenas são ilegais.

Ao defender a tortura em nome de grandes ideais, a direita cai na mesmo equívoco da esquerda. Adota o lema: os fins justificam os meios.

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Na minha cabeça, essas coisas são claras. Como tenho a possibilidade de me expressar por artigos e uma longa existência por trás de cada opinião, estou à vontade percorrendo o Brasil, ouvindo as pessoas.

Não me importam se racionais, sensatas, delirantes ou alucinadas: gosto de ouvi-las. O alívio de voltar a elas se deve à sua leveza e complexidade. Uma leveza que não atrai torcidas contra ou a favor, como um candidato. E uma complexidade que não nos seria possível antever, se Shakespeare fosse um escritor com viseiras ideológicas.

Não acho que valha a pena agora uma discussão sobre 1964 ou sobre a Guerra do Paraguai. O agora é muito delicado.

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Esta semana tentei usar a França para formular uma hipótese. Lá, depois de um período de barricadas de esquerda, sobrevém um governo de ordem. De Gaulle venceu as eleições depois do Maio de 68. A tendência no Brasil foi a do fortalecimento de uma visão que deseja ordem e seriedade na condução do governo.

Minha dúvida ainda se apoia nessa referência à França. De Gaulle representava um tipo de autoridade. Le Pen e sua filha Marine, da direita, apenas chegaram ao segundo turno das eleições. A ascensão de seu movimento não foi suficiente para ganhar o governo.

Sei como é precário comparar um país com outro. Mas o que posso fazer, senão usar também algumas memórias?

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Ninguém sabe do futuro. É possível usar como exemplo a vitória de Trump. Mas ele tinha uma condição especial: milionário, apoiado por uma rede de TV, integrado, com um pouco de desconforto, num grande partido.

O que restou dessa passagem mais longa pelo Rio, respirando o clima eleitoral, candidatos, equipes, planos, sai um pouco apreensivo.

O clima de radicalização está levando as pessoas a lerem apenas notícias com as quais concordam. Cerca da metade das intervenções na rede negava a facada em Bolsonaro. Se continuarmos assim, abrigados em tribos, acreditando apenas no que queremos acreditar, será cada vez mais difícil a vida de quem não habita os extremos.

Para os intelectuais, é um perigo de morte. Se você acha que sabe tudo, que tem a correta visão do mundo, não precisa ler os outros, confrontar argumentos, corrigir erros, a tendência é a fossilizacão.

E nem para os fósseis a vida está fácil no Brasil, Luzia que o diga.

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