Assine VEJA por R$2,00/semana
Imagem Blog

Augusto Nunes Materia seguir SEGUIR Seguindo Materia SEGUINDO

Por Coluna
Com palavras e imagens, esta página tenta apressar a chegada do futuro que o Brasil espera deitado em berço esplêndido. E lembrar aos sem-memória o que não pode ser esquecido. Este conteúdo é exclusivo para assinantes.
Continua após publicidade

Não iremos para o beleléu

Quem educa o soberano? Principalmente os professores do ensino médio, que são educados pelas universidades

Por Deonísio da Silva
Atualizado em 19 Maio 2019, 11h25 - Publicado em 19 Maio 2019, 11h25

Deonísio da Silva

Beleléu designa morte e outras perdas irreparáveis. A palavra foi trazida para o português por escravos bantos vindos sobretudo de Moçambique e de Angola. Por influência da educação ministrada por padres jesuítas e outros letrados cristãos, beleléu mesclou-se a inferno.

Ela tem variantes ou expressões de domínio conexo, tais como cafundó do judas, caixa-prego, onde o vento faz a curva etc. E também o brejo, este último o único lugar onde a vaca tosse, porque o brejo é úmido e ela pode ficar resfriada.

Quem vai para o beleléu talvez vá também para as cucuias, nome de antigo cemitério na Ilha do Governador, no Rio, na praia da Cacuia, assim chamada pela presença de um pássaro com este nome, de cuja designação formou-se a variante cucuia.

Continua após a publicidade

O Brasil parece ter tomado o rumo de tais localidades nessas últimas semanas. O mar está proceloso e o comandante discute com a tripulação, em vez de cuidar do leme. Mas parece que na equipe ainda há quem cuide…

Muitas questões não são bem formuladas e por isso não podem ser bem respondidas. Vou acrescentar um quadro pequeno, mas que acho esclarecedor. Professor universitário há 44 anos, 22 dos quais numa universidade federal, seis numa faculdade de padres franciscanos e 16 numa universidade privada, venho notando algumas singularidades nos três modelos de instituições, à luz de leituras e pesquisas, das quais destaco as seguintes.

Na primeira, o reitor era designado pela hierarquia da ordem religiosa à qual pertencia. Professores, funcionários e alunos não eram sequer consultados. Nenhum frade queria ser reitor. Quando designado, recebia o cargo e os encargos como missão.

Continua após a publicidade

Tal como o reitor de meus tempos de seminário, quando o bispo ou o superior provincial, conhecendo os padres alocados na diocese ou na ordem, escolhia um deles cujo perfil lhe parecia mais apropriado, também naquela instituição o superior da Ordem designava um dos professores para o cargo.

Na universidade pública onde ensinei por mais de 22 anos, o presidente do sindicato dos professores seria vice-reitor e depois reitor. Os dois seriam depois sucedidos pelas lideranças que os sucederam no sindicato. Era um círculo vicioso que resultou em sérios problemas.

“E la nave Va”, a nave ia, como resumiu no título de um filme o genial cineasta italiano Federico Fellini; ou “A luta continua”, como então se proclamava nas disputas internas.

Continua após a publicidade

Na reitoria, o reitor não se considerava representante do Estado, que pagava todas as contas com o dinheiro do público, inclusive seu salário e vantagens pecuniárias do cargo, mas, sim, representante do partido político ao qual pertencia. Não era sequer representante das referências solares da docência e da pesquisa da comunidade que o elevara ao topo da lista sêxtupla.

Curiosamente, o mesmo modelo, que colocava medíocres nas reitorias públicas, produziu também bons reitores, que mudaram muito o modo de gerir a universidade e levaram adiante férteis projetos. Paulo Renato Sousa, reitor da Unicamp e depois ministro da Educação, foi um deles, sucedendo no cargo a Murilo Hingel, professor do ensino médio. Da Era Vargas, a referência é Gustavo Capanema.

Por que, ministro ou reitor, a pessoa se distingue ou não no cargo em circunstâncias muito semelhantes? Talvez por que, como se diz no Grande Sertão: Veredas, de João Guimarães Rosa, o maior romancista brasileiro do século XX, “em jagunço com jagunço, o poder seco da pessoa é que vale”. Entre ministros reitores também. A diferença era o homem, a diferença era a pessoa, o estilo era ele, dado que o reitor é a referência solar de qualquer universidade.

Continua após a publicidade

Por fim, na universidade privada, o reitor cuida da parte acadêmica. Quem dirige a instituição tem outro perfil e quem designa o principal deles é o dono da universidade, que, se a instituição está na bolsa de valores, são os acionistas.

Ditas estas poucas coisas, é preciso destacar que o povo do ensino é um povo ferido.  O governo federal, se formular mal a questão universitária, o que parece estar acontecendo, perderá aqueles que conquistou na campanha que elegeu o grupo ora no poder.

Aliás, talvez até os eleitores de Bolsonaro não aprovem o modo como a questão universitária tem sido conduzida. Desvio houve, como talvez nunca antes tenha havido, do contrário como explicar que haja reitores e outros dirigentes universitários do alto escalão presos ou foragidos, e tantas denúncias do Ministério Público?

Continua após a publicidade

Mas foi uma notória minoria e que seja então punida. O que não se pode punir é a universidade brasileira. Além do mais, é célebre o bordão “o povo é soberano”, ao que o ministro João Calmon acrescentou: “então, eduquemos o soberano”.

Quem educa o soberano? Principalmente os professores do ensino médio, que são educados pelas universidades.

*Deonísio da Silva
Diretor do Instituto da Palavra & Professor
Titular Visitante da Universidade Estácio de Sá
https://portal.estacio.br/instituto-da-palavra

Publicidade

Matéria exclusiva para assinantes. Faça seu login

Este usuário não possui direito de acesso neste conteúdo. Para mudar de conta, faça seu login

Domine o fato. Confie na fonte.

10 grandes marcas em uma única assinatura digital

MELHOR
OFERTA

Digital Completo
Digital Completo

Acesso ilimitado ao site, edições digitais e acervo de todos os títulos Abril nos apps*

a partir de R$ 2,00/semana*

ou
Impressa + Digital
Impressa + Digital

Receba Veja impressa e tenha acesso ilimitado ao site, edições digitais e acervo de todos os títulos Abril nos apps*

a partir de R$ 39,90/mês

*Acesso ilimitado ao site e edições digitais de todos os títulos Abril, ao acervo completo de Veja e Quatro Rodas e todas as edições dos últimos 7 anos de Claudia, Superinteressante, VC S/A, Você RH e Veja Saúde, incluindo edições especiais e históricas no app.
*Pagamento único anual de R$96, equivalente a R$2 por semana.

PARABÉNS! Você já pode ler essa matéria grátis.
Fechar

Não vá embora sem ler essa matéria!
Assista um anúncio e leia grátis
CLIQUE AQUI.