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Marcos Troyjo: O menino do réveillon e o futuro da desigualdade

O país precisa gerar excedentes necessários a maciços investimentos em capacitação e, assim, combater o futuro da desigualdade

Por Augusto Nunes Atualizado em 30 jul 2020, 20h37 - Publicado em 6 jan 2018, 22h37

É difícil permanecer indiferente ao instantâneo do fotógrafo Lucas Landau que retrata um menino na praia de Copacabana durante o último réveillon.

“A fotografia abre margens para várias interpretações; todas legítimas”, afirmou o fotógrafo numa rede social. Concordo com ele.

Para mim, a imagem convida a uma ideia de exclusão e desigualdade — também de renda ou cor de pele, mas sobretudo de oportunidades.

Por que a nação continua tão socialmente injusta e desigual? Pesa ainda sobre o Brasil de hoje a influência de séculos de deturpações socioeconômicas. O país foi o último das Américas a abolir a escravidão.

O modelo de monocultura da exportação foi concentrador de rendas. Nossa industrialização se deu de mãos dadas com protecionismo, inflação galopante, míope apego ao mercado interno e dívida externa.

Nosso aumento populacional foi bastante acentuado. Na Copa do Mundo de futebol de 1970 cantávamos “90 milhões em ação”. Hoje somos mais de 200 milhões de habitantes.

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A incontinência macroeconômica dos anos 70 e 80 gerou vírus hiperinflacionários dos quais apenas os mais ricos puderam se proteger, consolidando assim mais desigualdades.

No limite, não fomos capazes em mais de cinco séculos de história de implantar um modelo socioeconômico que gerasse os excedentes de poupança e investimento necessários ao desenho de uma sociedade ao mesmo tempo justa, dinâmica e promotora de oportunidades.

As distâncias sociais nos países mais ricos, como os que fazem parte da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), são muito menores do que na grande maioria das nações emergentes.

Há no entanto distâncias crescentes em países como os EUA —que concentram mais renda no topo da pirâmide social do que outras economias avançadas.

No entanto, a alta produtividade do trabalhador e do capital americano, além de suas muitas vantagens competitivas em termos de inovação e ambiente de negócios, acabam refletindo num PIB per capita cerca de cinco vezes maior que o brasileiro — proporção que vem se mantendo ao longo das últimas décadas.

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Entre os emergentes, o Chile e a China — para não falar da Coreia do Sul, que já emergiu e hoje tem renda per capita superior à média dos países da OCDE — são os casos mais eloquentes de sucesso na melhoria de indicadores sociais. Esses países cresceram e multiplicaram oportunidades.

No Brasil, a legislação trabalhista e a previdência são exemplos da inadequação à mais prosperidade e desenvolvimento de oportunidades.

A primeira não incentiva a formalização, dado o alto custo que implica para quem emprega e também para quem é empregado. Salários poderiam ser mais altos se o desembolso real por parte do empregador não fosse tão elevado em razão dos chamados “encargos sociais”, que nada mais são do que mecanismos de transferência de riqueza da sociedade para o governo.

A “hiperproteção” almejada pela legislação trabalhista acaba por deixar o trabalhador ainda mais vulnerável. O mesmo vale para a previdência, em completo descompasso seja com a ideia de combate a privilégios ou a dinâmicas profissionais e demográficas que hoje operam no mundo.

Ambas são retrato das muitas situações no Brasil em que o caminho para o inferno é pavimentado por boas intenções. O maior beneficiário de uma simplificação ainda mais ambiciosa da legislação trabalhista no Brasil seria o próprio trabalhador. O mesmo vale para a reforma da Previdência.

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Fala-se do Bolsa Família como gerador de oportunidades. Contudo, mecanismos de tal tipo não configuram programas de desenvolvimento social, mas de assistência social. Servem para o alívio da pobreza. Não tocam na formação de capacidades ou aumento de produtividade — verdadeiros instrumentos do aumento de renda e do desenvolvimento social ao longo do tempo.

O menino do réveillon olha para o horizonte com fascinação, mas também desalento. É um bom retrato de um novo tipo de desigualdade que vem por aí, e que não tem a ver com questões de raça ou renda.

Há em curso no mundo uma Quarta Revolução Industrial (4RI), cuja principal matéria-prima é o talento. Este, no passado, ganhava sinônimos específicos em diferentes esferas. No plano individual, “vocação”. No empresarial, “nicho” ou “core business”. No da economia internacional, “vantagens comparativas”. Todos relacionados a alguma forma de dom ou aptidão “natural”.

Na 4RI essas “naturalidades” são implodidas. Assistimos a ascensão de indivíduos multifuncionais, empresas transetoriais e países metacompetentes.

Advogados que utilizam métodos quantitativos com a mesma fluência que interpretam leis, companhias do agronegócio que lançam aplicativos de GPS, ou países manufatureiros (como a China) que se tornaram grandes produtores de alimentos.

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Toda essa metamorfose passa pela preparação do indivíduo a desempenhar papel produtivo nessa nova economia e sociedade. Torna-se necessário multiplicar dramaticamente o número de pessoas expostas à famosa “Regra das 10 Mil Horas” de foco, treinamento e educação sugerida pelo psicólogo Anders Ericsson e mais tarde popularizada pelo Malcom Gladwell no best-seller “Outliers”.

Qual o problema? Muitos jovens chegam à idade de 25 anos distantes das “10 mil horas”. Muitos ficam abaixo de mil. Decreta-se assim, perversamente, sua “incompatibilidade precoce” com o que se pode realizar em termos laborais e empreendedores na 4RI.

Percebam o agravante. Quando o velho Marx redigiu os primeiros capítulos do “Capital” em meados do século 19, a expectativa média de vida ao nascer do país mais avançado do mundo — a Inglaterra — era de 39 anos. Hoje, mesmo num país de renda média como o Brasil, a expectativa já se aproxima dos 80 anos.

Ou seja, se até os 25 não houve o desenvolvimento de talentos multidimensionais, o que farão com suas vidas produtivas dos 25 aos 80 anos?

Serão pouco úteis às oportunidades da 4RI e, portanto, contingente demográfico à disposição de pirataria, contrabando, comércio ilegal de armas, tráfico de entorpecentes, “gatos” de água, TV a cabo, eletricidade, degradação ambiental, subempregos informais etc.

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Em países de desenvolvimento médio, como o Brasil, se nada for feito para quebrar tal inércia, isso implicará:

i) na melhor hipótese: orçamentos e atenção cada vez maiores para fins como segurança pública, seguro-desemprego, alívio da pobreza etc. Enorme pressão fiscal incidirá sobre governos;

ii) na pior hipótese: aumento de conflitos e contingentes populacionais envolvidos em disputas por mercados ilícitos e territórios – de que a guerra na comunidade da Rocinha é triste exemplo.

Ficará portanto evidente a incremental correlação entre 4RI e o recrudescimento de tensões como nas favelas do Rio ou na periferia de São Paulo. Serão acrescidas às mazelas sociais e distributivas do passado o potencial excludente da 4RI.

Neste ano eleitoral, eis o que realmente importa para o médio prazo do Brasil: o país precisa gerar excedentes necessários a maciços investimentos em capacitação e, assim, combater o futuro da desigualdade.

Só assim o menino do Réveillon vislumbrará um horizonte de mais potencial, onde seu país não seja um “injusticeiro” de oportunidades.

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