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Lula, o sujeito oculto do grampo

Dissolver com jato d’água a operação mais popular da História passou a unir delinquentes e seus advogados de ternos de grife

Por José Nêumanne
Atualizado em 30 jul 2020, 19h40 - Publicado em 11 jun 2019, 11h10

José Nêumanne (publicado no Blog do Nêumanne)

Uma memória vívida que tenho de minha infância é a leitura ávida da revista O Cruzeiro, que meu pai carregava do Rio ou de São Paulo para o sertão, aonde transportava cargas em seu caminhão Jandaia, da Chevrolet, e em cujas bancas comprava revistas para nosso regalo. O caminhoneiro Anchieta Pinto gostava tanto do Amigo da Onça, do desenhista pernambucano Péricles, que colecionava a série semanal, charge por charge. Eu preferia a série desenhada por Carlos Estêvam e intitulada As Aparências Enganam. Com capricho de gênio, o autor elaborava uma cena terrível no escuro e no quadro seguinte a iluminava mostrando o panorama oposto. O que assustava, então, passava a encantar. Este episódio dos posts do aplicativo de mensagens telefônicas Telegram, protagonizado pelo ministro da Justiça e da Segurança Pública, Sergio Moro, e o coordenador da Operação Lava Jato, Deltan Dallagnol, apresenta aparências e enganos que fazem lembrar a mesma ideia engenhosa do contraste trevas-luz.

O sonho da esquerda inconformada com as condenações de Luiz Inácio Lula da Silva, seu maior líder e único ídolo capaz de lhe garantir a volta ao poder para nele se regalar, é repetir o caso célebre da Operação Castelo de Areia, capitaneada pela empreiteira de obras públicas Camargo Corrêa. A história é conhecida, mas merece ser recontada em rápidas pancadas no teclado. A corrupção pública e notória, mas nunca processada nem punida, parecia desmanchar sob uma onda de provas capaz de dissolver a fortificação que garantia a incolumidade das grandes construtoras atuantes no Brasil. Mas bastou uma chicana para o castelo ruir: no Superior Tribunal de Justiça (STJ) todo o processo foi arquivado porque um desses geniais advogados abonadíssimos descobriu que sua origem tinha sido uma denúncia anônima. Descrito o pecado original, tudo ruiu. O artífice da obra demoníaca foi um criminalista de talento e ambição enormes, Márcio Thomaz Bastos. Morto o gênio da chicana, a História se repetiu, mudando os corruptos, mas mantendo a corrupção. Com Bastos fora de cena, a Ação Penal 470 inaugurou a punição dos poderosos da política e dos nababos da empreita sob a denominação aparentemente burocrática de mensalão.

Carolina, a personagem da canção de Chico Buarque, ainda não tinha deixado seu plantão na janela, quando a punição se esvaiu por entre os dedos: o operador Marcos Valério até hoje purga pena, mas os mandantes políticos em geral foram indultados pela companheira Dilma e perdoados pelos amigões do Supremo Tribunal Federal (STF), à exceção do petista José Dirceu e do aliado Pedro Corrêa. Eles tinham delinquido cumprindo pena na Papuda, em Brasília. E só por isso não escaparam da punição.

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O mago Bastos, que tinha sido ministro da Justiça no primeiro mandato presidencial de Lula, já não dava as cartas para os parceiros do PT no pôquer do poder quando surgiu em 2014 a Operação Lava Jato, sediada em Curitiba. Esta conseguiu o que nunca foi alcançado antes: agora mesmo o político mais poderoso e mais popular da atualidade, Luiz Inácio Lula da Silva, e o mais próspero empreiteiro, Marcelo Odebrecht, cumprem pena. Nenhum vive no inferno presidiário brasileiro – o primeiro ocupa uma sala da Polícia Federal (PF), em Curitiba, e o outro arrasta uma tornozeleira na mansão do Morumbi. Mas ambos cumprem pena quebrando a regra geral de antes destes tempos: a da prisão exclusiva para pobres, pretos e prostitutas.

Dissolver com jato d’água a operação mais popular da História passou a unir delinquentes e seus advogados de ternos de grife. A esquerda, que tinha assaltado em seu mandarinato todos os cofres públicos em sociedade com o Centrão, não descansa um minuto enquanto não se vingar do ex-juiz e dos procuradores de Curitiba, que se tornou capital do combate à corrupção no Brasil contemporâneo. Para garantir a impunidade a aliança pela roubalheira reuniu os 300 picaretas que Lula contou no Congresso num pronunciamento histórico. E passou a contar com a ajuda movida a propina da falsa oposição do ninho tucano. Neste momento essa armada sibilina reúne-se no Congresso Nacional, sob o comando solícito de Rodrigo Maia, na Câmara, e Davi Alcolumbre, no Senado, para transformar o pacote anticrime e de combate à corrupção do ex-juiz num novo castelo de areia. Não será talvez uma tarefa impossível e vem acompanhada de outras ações.

A bola da vez está com o gringo Glenn Greenwald, ganhador do Prêmio Pulitzer, o mais importante de literatura e jornalismo em seu país de origem, os Estados Unidos, dono de fama mundial por ter divulgado o vazamento do traidor dos segredos da maior potência política e militar do mundo, o escândalo dos WikiLeaks, Edward Snowden. Editor do jornal online The Intercept Brasil, divulgou mensagens trocadas no aplicativo Telegram com o intuito fictício de soltar Lula, mas real de se vingar de Moro e Dallagnol. O primeiro petardo disparado domingo (9/6), à noite, alcançou seus objetivos, criando um grande rebuliço na caverna de Ali Babá em que se transformaram as cumbucas do Congresso Nacional, a virada para cima para receberem propinas e a emborcada para se esconderem da polícia. Mas ele mesmo não se fez de rogado e assegurou ao Uol que há ainda muito mais a revelar. Não é impossível. Talvez não seja possível, porém, comprovar que as mensagens divulgadas ou a serem divulgadas foram obtidas de forma legal, ou seja, com autorização da Justiça. Criminosas, como parecem ser, podem criar transtornos que prejudiquem a reputação do ex-juiz e do procurador, mas de nada servem para anular o julgamento de Lula. É uma espécie de Castelo de Areia, mas com sinal inverso, pois, assim sendo, de nada podem servir ao pretenso objetivo final.

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O próprio pretenso beneficiário não ajuda. Dallagnol não pode ser responsabilizado pela condenação de Lula porque procurador não condena, denuncia. Moro não foi o único juiz a apená-lo. Como revelou o título de um editorial histórico do Estado8 a 0, a condenação do ex-sindicalista é obra coletiva, ou colegiada, no jurisdiquês vigente. Por isso, Fernando Henrique Cardoso, que tem sido um baluarte pela libertação do ex-agente Barba do xerife Tuma, já definiu com precisão a tentativa de envenenar a Lava Jato: “Uma tempestade em copo d’água”. O ministro do STF Marco Aurélio Mello, pródigo em proclamar a culpa alheia, limitou seu prognóstico a um enigmático “a ver”, versão da célebre sentença de um ministro da Justiça no regime militar, Armando Falcão: “O futuro a Deus pertence”. O pretenso beneficiário do WikiLeak tupiniquim é um turista do Código Penal: réu sete vezes, empatou com a seleção fracota de Tite esmagando o mísero futebol hondurenho, que levou um gol a menos ao ser comparado com o número da goleada de desembargadores e ministros que mantiveram sua prisão de farsa até o próximo julgamento do STF.

Pode ser que a equipe de Paulinho da Força e Valdemar Costa Neto ainda possa comemorar algum tempo as mensagens infelizes do ex-juiz e dos procuradores. Mesmo que o crime da colheita da prova envenenada não permita que ambos sigam suas carreiras no ministério de Jair Bolsonaro e na força-tarefa que abalou o mundo do furto político no Brasil, ainda lhes restará uma saída. Talvez seja mais prudente que não subestimem a astúcia do cidadão que votou no capitão Bolsonaro para tirar do PT a chave dos cofres e evitar a paralisação da Lava Jato nos próximos dias. Moro e Dallagnol talvez possam ter a reputação manchada no mundo das togas e dos fraques. Mas é útil lembrar que ambos poderão tornar-se indigestos na competição pela disputa de mandatos políticos pelo voto popular. Há quem acredite que o próprio chefe do governo anunciou Moro no STF com um ano e meio de antecipação para retirá-lo da disputa sucessória de 2022.

A depender da reação do populacho que o aclamou desde 2016 até o domingo 26 de maio, o escorregão da comunicação pelo aplicativo russo Telegram poderá levá-los até a tomarem banho de faixa verde-amarela no lago do Palácio do Planalto daqui a três anos e meio. O lance de The Intercept Brasil, vai saber, estaria assim apenas antecipando o acaso (apud Mallarmé).

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