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José Nêumanne: Um cometa no abismo do cosmos

Neil Ferreira nos priva de um convívio inteligente e feliz, mas fica seu brilho que ilumina

Por Augusto Nunes Atualizado em 30 jul 2020, 20h41 - Publicado em 9 nov 2017, 07h02

Publicado no Estadão

Neil Ferreira era um gênio. Ninguém precisa ser um redator de escol nem um publicitário de primeira linha para ter autoridade suficiente para fazer uma sentença tão exagerada e tão decisiva quanto esta. Bastava ser um cidadão comum, um Zé Mané qualquer, um humilde, mas imodesto filho de Deus, como o autor destas linhas de despedida e elogios, para saber que essa frase não é apenas definidora, mas também definitiva. O que dizer do redator premiadíssimo no Brasil e no exterior por seus textos originais, simples e elegantes? Talvez o máximo de sua obra seja o leão que nas suas mãos virou símbolo do Imposto de Renda. Há no rei dos animais uma identificação com a atividade que desde então ele passou a simbolizar que o cliente – no caso, a Receita Federal, o governo da República, o conjunto de todos os agentes fiscais do Brasil – talvez nem tenha percebido: era típico de Neil esconder a ironia e até o deboche no alarido do óbvio. O felino-mor é majestoso e poderoso e também o rei dos predadores. E o que há de mais predador para o cidadão e consumidor brasileiro do que o bafo do fisco na sua nuca? Essa é a marca do gênio: o leão do Imposto de Renda equivale como ideia perfeita ao garoto da Bombril, criado por seu discípulo Washington Olivetto. Mas o supera numa distinção que consagra a marca. Virou a Brahma que define a cerveja, mesmo a produzida pelo competidor, como no causo de Vicente Matheus agradecendo as Brahmas que a Antarctica lhe teria mandado. Ou o Gillette que deixou de ser um cidadão impresso na embalagem da lâmina de barbear para virar a gilete, substantivo comum feminino dos dicionários. Nem São Lucas, o publicano que se fez evangelista, conseguiu superar a fera no imaginário de todos quantos penam sob as garras dos implacáveis cobradores de deveres fiscais.

A diferença do criador do símbolo do soberano da selva que assusta todo brasileiro pagador em dia de suas obrigações é que Neil Ferreira era gente. Esta pode parecer uma obviedade mais ululante do que todas as outras que mestre Nélson Rodrigues, redator de sua predileção, imaginou ou descreveu. Mas não é: Neil não era gente apenas por pertencer ao reino animal e ser um mamífero dotado de capacidade de raciocínio e livre-arbítrio. Era gente no sentido mais comum que existe. Ele era simples, não apenas no sentido de um cara célebre que se destacou dos outros pelo enorme talento individual, mas tratava seus dessemelhantes como se fossem não apenas semelhantes, mas iguais. A simplicidade nele não era hábito comezinho, mas dever de casa permanente. E quando isso se juntava à capacidade de criar, a coisa ganhava uma dimensão que não podia ser comparada com nada. Ou seja, o redator que fazia dupla com o diretor de arte José Zaragoza na badaladíssima DPZ, o mais fulgurante think tank da propaganda brasileira no auge da época em que ainda havia publicidade não apenas como negócio, mas também como arte, empenhava a modéstia como forma muito eficaz de comunicação. Assim, alcançava o panteão de desejos e ambições do homem comum pelo simples fato de ser um deles.

Neil era um brasileiro indignado, que não contemporizava com nada que ofendesse o rigoroso campo ético no qual atuou a vida inteira como missão máxima. Seu talento inato de vender produtos e ideias com palavras e imagens, uma modalidade estética, se submetia e se completava com o rigor de uma cidadania comprometida com a ética, que não admitia deslizes nem variações. Seu ramo é o negócio de dourar pílula? Neil era inimigo dos placebos e preferia oferecer ouro em pó a seus parceiros, clientes e patrões no trabalho. Punha ao dispor deles um brilho que não ofuscava, mas servia para fazer enxergar melhor tudo o que estivesse ao redor. Agora que não haverá mais oportunidade de ouvir suas ideias do bem nem o papo salpicado de graça e picardia, todos os que convivemos com ele teremos de nos contentar com as lembranças do charme da simplicidade que nos legou num convívio que ele nunca se cansou de tornar cada vez mais profícuo. Ele foi, mas fica. Como um cometa que mergulhou no abismo do cosmos, mas deixou seu brilho em nossas retinas escancaradas.

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