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Heraldo Palmeira: Mundo tecnológico

Quem pode achar normal ter o Google, que não passa de uma potente ferramenta de pesquisa, como sabedoria coletiva?

Por Augusto Nunes Atualizado em 18 nov 2017, 11h21 - Publicado em 18 nov 2017, 11h21

Bons tempos aqueles em que nos juntávamos em patotas para conversar. Calçadas e pracinhas eram quase templos de ser feliz. Também havia lugar para papel, lápis e canetas registrando interesses, bordando bilhetinhos apaixonados. Até hoje sou viciado em Bic Cristal azul e caderneta, para rabiscar minhas pequenas relevâncias. E olhe que sempre fui rapidíssimo nos teclados, herança do curso de datilografia e das máquinas de telex – tecnologias hoje confinadas no dicionário ou na memória dos mais velhos.

Assisti à explosão da comunicação digital que apelidamos de redes sociais, um conjunto de estímulos virtuais sabiamente desenhados para orientar o consumo e a toada. Algo que encanta mais os jovens, naturalmente atraídos para as bugigangas eletrônicas vendidas como ferramentas capazes de matar o tédio da vida moderna. Algo que tem apressado desnecessariamente a vida comum, como se fosse possível enfiar tanta coisa dentro do passar inflexível do tempo.

Vi como fui tratado quase como peça de museu quando afirmei peremptoriamente meu interesse comedido por tais “modernidades”. Vi como quase todos discordaram quando eu disse que essa febre era uma boa porta de entrada para neuroses e isolamento social. E para doenças que ainda nem conhecemos direito, mas que começam a se manifestar e a preocupar os operadores de saúde, já atônitos e sem a menor ideia de antídotos e de gastos futuros que serão exigidos com tratamentos para as tecnopatias.

Os aplicativos foram aparecendo como panaceia para todos os males. Tudo muito moderno, às vezes parecendo até além do que realmente precisamos, cobertos de opções e perguntas quase sempre de difícil compreensão para quem fala o idioma comum.

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Afinal, quem aguenta esse cipoal de coisas que vivem numa nuvem que não se vê, perseguem nossos passos digitais e saltam sem convite nas nossas telas oferecendo tudo no mundo, e ainda encheram nossas vidas de novas regras de comportamento? Quem pode achar normal ter o Google, que não passa de uma potente ferramenta de pesquisa, como sabedoria coletiva?

Uma simples passada no supermercado torna-se um inferno de opções: tipo de nota fiscal, com ou sem CPF, programa de pontuação, quantas sacolas… Resolva comprar café, leite, xampu ou papel higiênico! São tantas alternativas que a gente pensa estar numa comédia de horrores – as redes sociais espalham versões engraçadíssimas a respeito dessas “experiências”, expressão idiota metida a profunda, inventada para designar o velho ato de comprar.

E não adianta apelar para vendedores, pois a ajuda será monossilábica, impaciente e cheia de gerúndios. É da lógica digital não acumular conhecimento, somente informações. É da lógica digital apenas processar o que vai se acumulando no semideus Big Data.

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Não surpreende. O Big Data está baseado em cinco “Vs”: valor, variedade, velocidade, veracidade e volume. Impossível digitalizar humanidades indispensáveis para a existência do homem e arquivadas pra sempre no velho mundo analógico.

Ai de nós se o sinal do celular sumir no nevoeiro e perdermos o acesso para a tal nuvem, tão indefinida como os rostos e vozes dos negócios de hoje. Simplesmente, a vida para como um burro empacado, sem qualquer backup que nos mantenha em cena.

A tal nuvem que acumula cada vez mais informações de todos e emite aquela voz cada vez menos digitalizada, que não consegue responder às perguntas mais simples feitas fora do roteiro programado pelos gênios da tecnologia, quase sempre analfabetos para o que não seja tecnologia.

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Alguém pode ser feliz conversando com vozes que, quando xingadas, repetem platitudes do tipo “Desculpe, não consegui entender sua demanda” e ainda pedem para você repetir? Sinceramente!

Tempos chatos, em que as pessoas vão recusando mais e mais telefonar, conversar, esclarecer, olhar, afagar… Tudo deve ser feito via posts e mensagens, algo profundamente irritante, incompleto. Atitude de exclusão numa época em que o discurso de inclusão vai se tornando outra chatice sem par, porque quase nunca sai do trololó. Algo que nos constrange até diante de velhos amigos, a quem agora precisamos indagar, por escrito, se podem falar.

Continuo acreditando que é da natureza humana a sociabilidade plena, o afeto, a contemplação, a transformação pelo conhecimento que não dispensa legados, os compartilhamentos presenciais, o dom de ouvir o outro, o prazer imenso da troca de olhares, a extraordinária comunicação contida nos gestos, as mensagens profundas dos semblantes, a convivência, as brincadeiras, as coisas simples, as felicidades.

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Não nego a saudade dos tempos em que equipamentos tinham botões on/off precisos, estavam ligados ou desligados, não programavam funções porque roçaram no bolso, alguém passou um dedo sem querer ou alguma entidade resolveu atualizar o sistema.

Renego as tecnologias? Claro que não. Ou não estaríamos aqui, trocando informações e ideias diante de uma tela iluminada. Apenas defendo seu uso coerente, secundário, complementar, pois o papel central jamais deixará de ser nosso. Não há como fugir do fato de a inteligência artificial ser resultado da inteligência natural, sem possibilidade de ordem inversa.

Quem duvidar pode aguardar sentado até ser apresentado ao conjunto de máquinas capazes de idealizar um cérebro – serve até mesmo um daqueles cérebros de azeitona que infestam e apoquentam nosso cotidiano. Aposto que a posteridade herdará o fóssil de um crédulo que morreu esperando.

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Sinceramente, não me surpreende ver um vídeo como este circulando no mundo digital e pregando contra ele, protagonizado por um jovem. Não o divulgo como se eu tivesse razão. Apenas feliz por ver que o óbvio está óbvio.

Talvez eu não esteja mais por aqui quando a humanidade chipada cansar de tanta tecnologia, de tanta prepotência digital e voltar a ser apenas um bando de gente curiosa e afetiva. Afinal, mesas de bares foram feitas para pessoas, não para robôs.

Alguém aí consegue imaginar a cervejinha estupidamente gelada trocada no cardápio por algum óleo lubrificante sintetizado do grafite bi-carbonizado na fonte, capaz de atingir baixíssimas temperaturas ao simples contato com o ar? E descer mais macio do que o som da palavra avelã?

Imagine a chatice de fazer um pedido por telepatia ao garçom! Prefiro erguer o indicador e ele saber exatamente do que se trata: “mais uma”, que deve vir estupidamente gelada, se possível com a garrafa “mofada”. Chega de “experiências”. Basta-nos ser o que somos, simples humanos. Analógicos, com apoio digital.

Aproveite sua cerveja, relaxe. Afinal, nada está sob controle. E nunca estará.

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