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Por Coluna
Com palavras e imagens, esta página tenta apressar a chegada do futuro que o Brasil espera deitado em berço esplêndido. E lembrar aos sem-memória o que não pode ser esquecido. Este conteúdo é exclusivo para assinantes.
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Heraldo Palmeira: Meninos do mundo

Resgataram o moleque morando no meu coração. Quem sabe, isso quer dizer amor? Quem sabe o que há por saber? Onde é que vai dar? Quem sabe...

Por Augusto Nunes Atualizado em 30 jul 2020, 20h39 - Publicado em 9 dez 2017, 11h51

A temperatura lá fora rodava o zero grau do termômetro, a gente se preparando para os quatro negativos prometidos para o fim de semana. A lareira da sala espalhando o mistério do fogo pelos cinco sentidos e afagando nossas sensações térmicas. As labaredas crepitando felicidade pela eternidade daquela noite portuguesa.

O som da casa era universal, vínhamos de diversas partes do mundo. De repente, o som dos relógios, o pulsar do tempo na música, e a gente ali vivendo a transformação, o presente como pêndulo de passado e futuro mudando segundo a segundo. O que seria o momento seguinte está sendo agora e num piscar já se foi, virou lembrança.

Em casa, novamente em casa
Eu gosto de estar aqui quando posso
Quando chego em casa
Cansado e com frio
É bom pra esquentar meus ossos
Ao lado da lareira

Aquele caldeirão de afetos que desconhece fronteiras e idiomas. A linguagem dos sinais, da comida, dos doces, do café, do tabaco, do vinho, dos sorrisos, dos olhos, das mãos, da madeira sendo colocada no fogo, dos cliques fotográficos, dos abraços, dos silêncios, dos cheiros e beijos… Soa universal, é inteiramente compreensível até de boca fechada. Até quando se abre em frases mal construídas em idiomas alheios – pouco importa. E a luz dourada, tênue, discreta como só caberia assim.

Pensei no tempo em que estive sozinho, em que quis rever amigos e recordações. Mas os caminhos da vida nos afastaram, perdemos tudo aquilo que um dia doeu de tanta saudade. E também aquelas pessoas, que já não são as mesmas. Nos tornamos estranhos quando fomos ficando pela estrada e sumimos nos nossos passados mútuos.

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A grama era mais verde
As luzes mais brilhantes
Com amigos por perto
As noites eram maravilhosas

Mas a vida roda em mistérios insondáveis. Basta acreditar nisso, acredite. Até parece magia! A solidão de uma viagem escolhida solitária virada de ponta-cabeça. Um outro país, vão surgindo pessoas que nunca vi antes (será?), que deviam ser distantes porque estranhas, mas nunca foram estranhas. Nem distantes. Caminhos de vida renovados.

Uma mulher adorável que saiu de alguma página de um livro bom, o sol das noites com sol, atrai o mundo para o seu mundo. Foi assim que cheguei. E mais não conto, pois as regras dos reinos encantados não permitem. É preciso encontrar o caminho.

De repente, despencaram no meu coração meninos do mundo – minha pequena frota dos dois lados do oceano vai aumentando – que me renovam, que me tomam pela mão. E saímos em folia pelas ruas, pelos bosques gelados, como se tivéssemos a mesma idade. Pregando peças, caminhando em nossos silêncios e solidões, saciando nossas curiosidades pela natureza, nossas necessidades do Divino. Nossos interesses pelas artes, pelo movimento das pessoas, pelas esquinas da vida, pelas histórias que escrevemos, por quem somos, pelo passado que parece que sempre existiu entre nós. Que diabos é isso? Estou garimpando as respostas.

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Eu juro que você já me viu
Sim, você já me viu aqui antes, antes
E então não diga
Não diga o contrário
Esta voz, esta voz em especial
Sim, você já a ouviu antes, antes
Não é à toa
Que a estrada parece tão longa
Porque eu já fiz tudo isso antes
Você sentiu essa sensação
Você já sentiu isso antes, antes

Vejo os suaves David e Barča – que pode ser Bárbara, mas prefiro o som de Bartcha, é mais a carinha dela. São amigos, saem de vez em quando, juntos ou não, da pequena aldeia onde vivem na República Tcheca, e rodam em busca do futuro. Vão crescendo como gente grande, tentando, aprendendo.

Ele me emociona falando que enxerga em mim o pai idealizado – ora “my big daddy” ora “mi papá”, que ele diz me olhando com ternura, beijando meu rosto e tentando caprichar num português particular –, e generoso faz jantares delicados para todos nós. Ela bota o olho talentoso em ação para criar fotos lindas por onde passa, virou my sweet baby e começou a me matar de saudade muitos dias antes de seguir viagem. Ele ainda fica mais um pouco por aqui.

Joana é tuga legítima, virou de sangue no primeiro contato. Sentimos a mesma coisa, como se a ligação existisse desde sempre. Sonhos à flor da pele, linda, tentando encontrar as saídas. Acho que não vai demorar, ela já percorre chão por aí faz tempo, está rondando o terreiro do amanhã.

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Bárbara, a caçulinha bárbara, uma grande tuga a caminho, força descomunal da natureza. Esvoaçante, multidisciplinar, um vulcãozinho ainda rodando naquele delicioso desalinho confiante de quem tem todo o tempo pela frente. Para piorar a confusão, completamente contaminada pela arte. E humor à flor da pele.

Pensei nos meus meninos (de sangue) do mundo, que estão no Brasil. Na minha Débora, pedaço adorado de mim. A cara de moleca que vai ficando muito mais forte do que eu, minhas aflições serenadas. Que me permite simplesmente seguir sem pressa alguma. É indescritível vê-la sempre naquela grandeza de montanha, em movimentos precisos de relojoeiro.

Pedro, do mundo como a pedra e o vento, local em qualquer lugar, sempre andando na direção dos melhores sopros. Refinado, apuradíssimo, casual como a vida, meu geniozinho de estimação haja lâmpada, haja luar.

Júlia, a caçulinha do outro lado (de onde estou agora) do Atlântico, a bárbara de lá, emoção pura, sempre tirando onda, dona do pedaço, minha canção mais nova, minha glória de ser padrinho – e, por minha conta, pedacinho silencioso de pai.

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Antes de chegar em casa passei pelos açoites do frio na rua semideserta, envolta na neblina que deixa tudo sobrenatural. Mas estava lá em cima, acima de tudo, um luar imenso dando cartas no céu, como um chamado. Talvez a guiar as estrelas que fugiram para algum lugar mais quente.

Vou seguir o chamado
E onde é que vai dar?
E onde é que vai dar?
Não sei…
Céu abriga o recado
Que é pra eu me guardar
Mudanças estão por vir
Esperar ser proclamado
O grande final,
O grande final feliz!

Fiquei pensando como seria estar ali em solidão. Dei de ombros, minha viagem solitária virou multidão. Pessoas adoráveis que ficaram no calor dos trópicos. Pessoas adoráveis brotando do frio. Sobre minha cabeça quase um luar do sertão. Não demora, encontro as estrelas sumidas.

Há um menino
Há um moleque
Morando sempre no meu coração
Toda vez que o adulto fraqueja
Ele vem pra me dar a mão
Bola de meia, bola de gude

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Os meninos do mundo, meus meninos, resgataram o moleque morando no meu coração. Quem sabe, isso quer dizer amor? Quem sabe o que há por saber? Onde é que vai dar? Quem sabe…

Ah, meus meninos… Vou carregá-los sempre! E daí pra quando eu não estiver mais por aqui? Eles estarão e serão por mim. E me enxergarão pirilampo fingindo ser estrela debaixo da lua, já está combinado.

Pensei no tempo e era tempo demais
Você olhou sorrindo pra mim
Me acenou um beijo de paz
Virou minha cabeça
Eu simplesmente não consigo parar
Pensar além do bem e do mal
Lembrar de coisas que ninguém viu
O mundo lá sempre a rodar
E em cima dele tudo vale
Quem sabe, isso quer dizer amor
Estrada de fazer o sonho acontecer

Olhei para a mulher saída da página de um livro bom, demos uma piscadela, fizemos um brinde sem precisar levantar taças, felizes pelos meninos se divertindo. Estrada de fazer o sonho acontecer. Que outra cara eu poderia ter, senão feliz?

Trechos de:
Time (David Gilmour-Nick Mason-Richard Wright-Roger Waters)
High hopes (David Gilmour-Polly Samson)
Condolence (Benjamin Clementine)
O chamado (Marina Lima-Giovanni Bizzotto)
Bola de meia, bola de gude (Milton Nascimento-Fernando Brant)
Quem sabe isso quer dizer amor (Lô Borges-Márcio Borges)

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