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Especial VEJA: …E tudo acabou na mais longa ditadura

Publicado na edição impressa de VEJA Os golpistas em geral tinham um objetivo comum a uni-los todos: acabar com o governo de João Goulart e livrar o Brasil do perigo vermelho. Derrubado Jango e afastado o risco da “comunização”, como se dizia na época, era hora de festejar. A imprensa, em peso, celebrou o golpe, […]

Por Augusto Nunes Atualizado em 31 jul 2020, 03h56 - Publicado em 2 Maio 2014, 08h18

Publicado na edição impressa de VEJA

18- Tanque de Guerra passeia no RJ, um dia após Golpe Militar  Agência O Globo 01.04.1968

Os golpistas em geral tinham um objetivo comum a uni-los todos: acabar com o governo de João Goulart e livrar o Brasil do perigo vermelho. Derrubado Jango e afastado o risco da “comunização”, como se dizia na época, era hora de festejar. A imprensa, em peso, celebrou o golpe, com a solitária exceção da Última Hora. “Fora!”, gritava o Correio da Manhã, ao comemorar a queda de Jango. O ex-presidente Juscelino Kubitschek, então senador, simpatizou com a ideia de ver um general comandando o país até a eleição presidencial de 1965, na qual era favorito. Carlos Lacerda, governador da Guanabara, deu entrevista saudando a vitória militar e não conteve as lágrimas: “Obrigado, meu Deus, muito obrigado!”. A classe média do Rio de Janeiro, aliviada, reuniu milhares de pessoas na Marcha da Vitória, abençoada pelo cardeal dom Jaime Câmara, para quem o golpe contara com o “auxílio divino obtido por nossa Mãe Celestial”.

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Atingido o objetivo que unira a todos e passada a euforia, a carranca da realidade reapareceu. O arco dos aliados pró-golpe não tinha mais o elo sólido em comum, e logo começaram pressões – e contrapressões – para endurecer e perpetuar o regime. Uma semana depois do golpe, o Correio da Manhã protestava contra a queima de exemplares do jornal nas bancas, numa operação que “possuía todos os requintes de intolerância e barbárie característicos dos regimes totalitários”. Dois meses depois do golpe, JK, que votara a favor do general Humberto Castello Branco para presidente da República, estava cassado. Três meses depois do golpe, Lacerda já percebera que os civis não seriam mais que coadjuvantes no regime militar e chegou a chamar Castello Branco de “Napoleanão”, em referência ao estilo imperial do militar de 1,64 metro de altura. Dois anos depois do golpe, a classe média, assustada com a reação truculenta do regime contra os protestos estudantis, já não reconhecia o governo que apoiara. Em 1968, quatro anos depois do golpe, a indignação popular saiu às ruas do Rio depois do assassinato, pela Polícia Militar, de um estudante de 18 anos. O protesto entraria para a história como a Passeata dos Cem Mil e foi abençoado por dom Jaime Câmara, o mesmo cardeal que, anos antes, louvara os militares vitoriosos. Por fim, no dia 13 de dezembro de 1968, o general Arthur da Costa e Silva, segundo general-presidente, baixou o AI-5, o ato institucional que o autorizava a fechar o Congresso, cassar mandatos parlamentares, censurar a imprensa e governar por decreto.

Com o AI-5, quatro anos, oito meses e treze dias depois do golpe, estava oficialmente proclamada a ditadura militar. Por que o golpe deu origem a um regime moderado inicialmente e acabou na mais longa e brutal ditadura da história do Brasil? Quase sempre, as rupturas fogem do controle. Em seu clássico Anatomia das Revoluções, o historiador Crane Brinton, morto em 1968, mostra que boa parte das revoluções começa com esperança, triunfa sob líderes moderados e, sob o peso das inevitáveis contradições internas, acaba por se radicalizar e naufraga no autoritarismo. O ciclo se repetiu nas revoluções inglesa, francesa e russa, que terminaram, respectivamente, sob o comando de um ditador regicida (Oliver Cromwell), um corso belicista (Napoleão Bonaparte) e um tirano paranoico (Josef Stalin). Nesse processo de radicalização autoritária, Brinton, inspirado na declaração de um revolucionário francês do século XVIII, escreveu o seguinte: “A revolução, como Saturno, devora os próprios filhos”.

Em 1964 não aconteceu uma revolução. Os militares não tinham um conjunto doutrinário capaz de dar ao golpe esse caráter orgânico e profundo. Mas houve uma ruptura que, de certo modo, reprisou o ciclo descrito por Brinton. Triunfou sob o comando de Castello Branco, um militar culto, de formação liberal e avesso ao barbarismo autoritário, e acabou sob o tacão implacável de Emílio Garrastazu Médici – de todos os generais-presidentes o que menos se incomodou com o uso da força bruta. Por volta de 1970, o golpe já esfacelara as instituições nacionais e devorara alguns de seus filhos mais pródigos. Perdera apoio até de um pedaço da elite e dos políticos conservadores.

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O triunfo dos radicais de qualquer ideologia e em qualquer regime decorre de circunstâncias muito específicas, mas, em geral, relaciona-se à organização e ao ambiente. Os radicais são mais disciplinados e mais obstinados que os moderados. Por isso, costumam se organizar com mais competência e empenho. São ainda favorecidos por um ambiente em que toda manifestação de moderação é vista como covardia. No regime de 64, os radicais, sob o apoio ou o silêncio de comandantes militares, endureceram o regime a ponto de implantar o terrorismo de Estado para combater o terrorismo de esquerda. Explodiram bombas e colocaram presos no pau de arara. A direita extremista, que antes do golpe atuava por sua conta e risco, transferiu-se para dentro da máquina do Estado, anarquizando a ordem militar. E a radicalização da linha dura criou um ambiente no qual qualquer gesto de prudência equivalia a sinal de fraqueza.

Subvertido pela tortura e pela anarquia, o regime viveu a ilusão de que poderia eliminar o inimigo na clandestinidade do porão e no silêncio da censura. A tortura e o combate à esquerda armada cumpriram o objetivo imediato, mas apodreceram o regime moralmente. Disso, a ditadura jamais se recuperaria. A pensadora Hannah Arendt explicou: está fadada ao fracasso toda política de Estado cujo objetivo seja fazer seus adversários “desaparecer em silencioso anonimato”. A força bruta descarnou o regime. Até hoje, meio século depois do golpe, num Brasil em quase tudo diferente do de 1964, os comandantes militares não admitem que “fugitivos”, “desaparecidos” e “suicidas” foram, na verdade, assassinados. Sendo uma instituição baseada na ética, na honra e na lealdade, as Forças Armadas ainda precisam reconhecer para a sociedade que esse passado é condenado também pelos militares.

Colaboradores: André Petry, Augusto Nunes, Carlos Graieb, Diogo Schelp, Duda Teixeira, Eurípedes Alcântara, Fábio Altman, Giuliano Guandalini, Jerônimo Teixeira, Juliana Linhares, Leslie Lestão, Otávio Cabral, Pedro Dias, Rinaldo Gama, Thaís Oyama e Vilma Gryzinski.

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