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Por Coluna
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“Dopping identitário” e outras notas

No debate que se seguiu à eliminação do favorito time de Bernardinho pelo de Tiffany, seus defensores desafiaram: o que Tiffany pode fazer? Parar de jogar?

Por Valentina de Botas
Atualizado em 30 jul 2020, 19h51 - Publicado em 2 abr 2019, 07h15

Valentina de Botas

Em relação às mulheres, seus ombros são mais largos, braços e pernas maiores, têm densidade óssea 25% maior, capacidade pulmonar 33% maior, força muscular 40% superior. Vantagens que não evitaram o desempenho apenas mediano de Rodrigo Pereira Abreu como jogador de vôlei. Como jogadora, diante das mulheres que disputam a Superliga, Tiffany impôs sua superioridade biológica na forma de uma trapaça hormonal cuja punição e controle são previstos no Regulamento da competição. No debate que se seguiu à eliminação do favorito time de Bernardinho pelo de Tiffany, os defensores da mulher que joga como homem desafiaram: o que Tiffany pode fazer? Parar de jogar?

Doze dias depois que um dos seis tiros, disparados em sua direção por John Hinckley, ricocheteou na porta da limusine e atravessou sua axila esquerda, alojando-se no pulmão a uma polegada do coração, evento que completou 38 anos no último sábado, Ronald Reagan assumiu a Presidência dos Estados Unidos e formaria com Margaret Thatcher e o Papa João Paulo II (que sofreria um atentado quase dois meses depois de Reagan) a felicíssima trindade que demoliu o nefasto comunismo. A carreira de ator de quase três décadas foi bem-sucedida, mas ele sabia que não conquistaria um Oscar e resolveu fazer outra coisa: história. Não há muito o que acrescentar ao que Ana Paula Henkel, uma das grandes jogadores de sua geração, já disse em sua postura corajosa, firme, honesta, instruída e instrutiva a respeito de atletas trans invadirem pódios que a lisura nas competições interdita, só arremato: sim, Tiffany, vá fazer outra coisa ─ por exemplo, uma história pessoal sem dopping identitário.

 

Todos a favor do bem

As recentes prisão e soltura de Michel Temer deram continuidade ao debate entre os garantistas que privilegiam a observação do estado de direito democrático (garantias individuais) e os lavajatistas que defendem incondicionalmente a Lava Jato. Simpatizo com o primeiro grupo porque receio que lavajatistas incondicionais tomem a Lava Jato, e não a lei, como referência. O debate, natural e desejável, está dado, e encaro isso com desassombro. O espantoso é que analistas, talvez como cidadãos expressando justa indignação por tudo o que nossa política tem de suja, vejam nos integrantes da Lava Jato almas sem máculas, homens perfeitos sem interesses pessoais, motivados só pelo cumprimento da lei. Tanto não são que houve um Rodrigo Janot sabotando o país e que só não está preso porque a Lava Jato se impôs como referência, desbancando a lei. Perguntar ou afirmar que alguém é contra ou a favor da Lava Jato ilustra tal realidade. Ora, ela merece todo o apoio quando segue a lei e repúdio quando a contraria. Ela não é um valor absoluto ─ a lei é. Inverter isso é uma armadilha em que uma deformação combate outras porque faz da coisa uma luta entre o bem e o mal, aí todos se consideram guerreiros das trincheiras do bem.

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Boa notícia: Há boas notícias

Evito o termo “povo”, entidade abstrata moldável na discurseira demagógica de quem, quase sempre, não sabe onde ele mora, o que faz ou como se alimenta. Também não sou porta-voz de ninguém, só falo por mim. Farei uma quase exceção para relatar minha sensação em meio às últimas polêmicas, que embora inúteis para o país, não param de ser geradas na usina de tuítes do presidente e do filhopresidencialismo que as usam como rota de fuga para não enfrentar as angústias reais do Brasil: a maioria das pessoas não está preocupada com o golpe de 1964 e suas trevas, com as tendências ou escolhas sexuais de cada um, com o que excreta nas redes sociais um filósofo-escritor de porta de banheiro de rodoviária; a maioria das pessoas quer emprego, pagar os boletos e voltar sã e salva para casa. Para essa maioria, a boa notícia: há boas notícias.

Não me refiro ao ministro Sergio Moro, de quem o Brasil só espera boas notícias e que, quando juiz aliou coragem e habilidade para finalmente apresentar o país à civilização fazendo a lei ser aplicada doa a quem doer. Agora ministro, Moro elaborou um pacote anticrime que tem ao menos uma virtude inegável: esfrega na cara do sistema jurídico-legal, e na instância devida ─ a legislativa ─, seus circunlóquios (excedentes às garantias individuais) que, aliados à ineficiência policial/investigativa, deixam impunes 92% dos assassinatos e muitos corruptos. A tramitação desse pacote simultânea à da reforma da Previdência não é uma boa ideia porque se trata de dois projetos complexos, com pontos passíveis de questionamentos legais; a simultaneidade desvia o foco um do outro.

No embate entre Bolsonaro e Rodrigo Maia, adeptos da tese de que a aprovação da reforma é de exclusiva responsabilidade do Congresso afirmaram que o presidente da Câmara emperrou a tramitação do pacote anticrime porque estaria apavorado com a perspectiva de ir preso. Não sei se é assim ou se afirmação é só efeito tóxico do todos contra todos que põe o presidente a salvo de si mesmo e ensaia um antagonismo artificial para a demonização do Legislativo típica de governos autoritários, o que sei é que não há nada no pacote anticrime que deixaria Maia mais perto da cadeia do que as leis vigentes deixariam e, de acordo com o próprio Bolsonaro, ele e Maia acertaram que a reforma teria prioridade. O projeto anticrime merece atenção num grupo de estudos porque sua complexidade envolve a Constituição e outros códigos, além de o próprio texto conter erros formais; afinal o Brasil é aquele país onde há mais de 5 milhões de leis e Moro não conhece todas que o escopo do projeto pode envolver. 

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As boas notícias vêm da audiência de Luiz Henrique Mandetta na Comissão de Assuntos Sociais (CAS) do Senado e de uma entrevista de Tarcísio de Freitas, ministros da Saúde e da Infraestrutura respectivamente. Soube delas pela imprensa, aquela uma que persegue Bolsonaro. A lucidez desses ministros sobre os problemas de suas pastas e o traçado inteligente de suas ações dão esperança ao país exausto e desconsolado de 13 milhões de desempregados. A audiência e a entrevista estão disponíveis na internet, eu as recomendo vivamente. Procurei no Twitter do presidente alguma alusão a elas. Nada, além da depredação rancorosa da imprensa, insinuações paranoides no cansativo nós vs eles, ataques genéricos ao Congresso, acusações difusas para que Bolsonaro pareça o único homem confiável do Brasil. Ou seja, na guerra estúpida do governo contra a paz, até as notícias boas que ele produz são desprezadas como as críticas construtivas pelo presidente que prefere elogios destrutivos.

 

Outono na avenida

“Na Paulista, os faróis já vão abrir e um milhão de estrelas começam a invadir os jardins onde a gente aqueceu uma paixão, manhãs frias de abril. Você sabe quantas noites eu te procurei nestas ruas onde andei? Se a Avenida isolar seus casarões, quem reconstruiria nossas ilusões?”, diz a linda canção de Eduardo Gudin na voz melíflua de Eliete Negreiros. Domingo passado não era abril ainda nem era manhã, mas uma tarde dourada de outono que fazia reluzir o áspero colosso (a cidade de São Paulo na descrição definitiva do jornalista Augusto Nunes) na sua praia mais famosa, fechada para carros como todos os domingos. Havia um pequeno protesto do PCO e outros perturbados para o fim do “governo ditatorial e fascista de Bolsonaro”. Fiquei intrigada com uma ditadura cujo chefe fascista não manda prender os manifestantes.

Se eles olhassem além de seus quintais sombrios, a realidade estilhaçaria sua demência: casais hétero e homossexuais alheios a perigos imaginários, amigos em abraços, famílias tirando fotos, mulheres e homens sozinhos sem sobressaltos, de apresentações de capoeiristas a cover de Elvis Presley, tudo sob a observação da polícia que estava ali para proteger os domingueiros urbanos, inclusive os boçais que a acusavam de agente da ditadura do Doria e do Bolsonaro. Ri alto, mas é triste que a oposição seja tão patética que não perceba o perigo real do governo: a mediocridade. Havia também um grupo homenageando o golpe de 1964 para que ninguém pense que a delinquência é questão de ideologia. Mantive distância dos dois grupos minoritários, me refugiei no dourado da Avenida. Se eu tivesse um coração puro, sem as impurezas como os temores que uma luta desigual decanta nele, eu diria uma prece para que o outono, no ciclo que assinala a transitoriedade de tudo, faça ecoar em todos nós, com gentileza, o som do duradouro.

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