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Por Coluna
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De sapatos, de botas ou de pés na lama

É preciso calçar as sandálias da humildade ou pôr a mão na consciência

Por Deonísio da Silva
Atualizado em 10 fev 2019, 11h13 - Publicado em 10 fev 2019, 11h13

Deonísio da Silva

“Cadê as botas, Pezão?”, perguntou Dilma, literalmente na lama e calçando botas. “Não tem bota do meu número”, disse ele, também na lama, calçando sapatos 48. “Na Petrobras tem”, disse ela.

Era fevereiro de 2011 e o diálogo deu-se em Nova Friburgo, na região serrana do Rio, quando morreram 916 pessoas e desapareceram 345.

Na verdade foram 1.261 mortos, pelo menos, pois desaparecido é um eufemismo que as autoridades usam para designar mortos ainda não encontrados e assim diminuir o número e esconder um pouco os mesmos sempiternos descuidos nas catástrofes que se repetem sempre, como previsto, visto, conferido, registrado e repetido sempre. Às vezes, não muda sequer o lugar onde ocorreu a anterior, chamem-se Mariana, Brumadinho, Rio de Janeiro ou identificados por qualquer outro nome.

No dia seguinte à conversa na lama, o então governador recebeu dois pares de botas número 48. Era um presente da Petrobras. A empresa cumpria ordem da então presidente da República.

Mas algumas mudanças houve, passados oito anos! A presidente que deu as botas foi desbotada, o governador que as recebeu está preso, e presos estão também Lula e Sérgio Cabral,  respectivamente padrinho de uma e de outro.

Outros personagens referenciais daqueles anos estão amarrados a tornozeleiras eletrônicas nas canelas, como se os adereços fossem canos de botas.

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Nos palácios, onde outrora, por práticas semelhantes às de tratar a coisa pública como se privada fosse, estavam canteiros de flores vermelhas em formato de estrela, a cor agora é outra.

Não brilham mais as estrelas dos partidos que os levaram ao poder por meio de coligações combinadas no “breu das tocas”, segundo a “fantasia dos infelizes” para “o que não tem vergonha nem nunca terá”, segundo as belas figuras de linguagem da canção O que será, sucesso do cantor e compositor Chico Buarque.

Os crucificados de Sexta-Feira Santa, no Monte da Caveira, o Monte Calvário, estavam descalços, detalhe jamais esquecido por nenhum pintor. Calçados estavam o centurião romano e os soldados. Calçavam coturnos ou sandálias.

Seguiu-se o Sábado de Aleluia, quando o Céu foi inaugurado por um ladrão. “Hoje mesmo estarás comigo no Paraíso”, diz Jesus a Dimas, o bom ladrão, enquanto Gestas, o mau ladrão, continua a praguejar, rumo a seu destino, sem reconhecer o Salvador.

Que tenhamos tido bons ladrões, reconheceu ninguém menos do que o prodigioso Padre Antônio Vieira, imperador da língua portuguesa, título que lhe foi concedido por Fernando Pessoa, pois grandes reconhecem outros grandes. E medíocres preferem cercar-se de seus semelhantes, afastando-se dos que poderiam salvá-los em hora adversa.

Hoje são vistos como bons ladrões os delatores que, arrependidos, denunciaram seus chefes ou cúmplices. Os maus ladrões são os que perseveraram no erro, pois isto é coisa diabólica.

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Mas a vida impõe uma condição. É preciso descalçar botas e sapatos, calçar as sandálias da humildade ou pôr os pés no chão e a mão na consciência.

Tocar a terra com os pés, elevar os olhos, bater a palma da mão na fronte para perguntar onde estava com a cabeça, eis gestos cuja origem se perde na memória do tempo.

Por soberba, em vez disso, todos os dias o que mais vemos é o seguinte: apesar da abundância de provas, condenados proclamam sua inocência e o fazem por meio de defensores regiamente pagos para ajudá-los a continuar de botas em outras lamas.

Fazem isso calçados de sapatos de grife! Resistem a calçar as sandálias da humildade ou pôr os pés no chão.

*Deonísio da Silva
Diretor do Instituto da Palavra & Professor
Titular Visitante da Universidade Estácio de Sá
https://portal.estacio.br/instituto-da-palavra

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