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Por Coluna
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De Damasco a Curitiba

Certas seitas costumam triunfar e no momento a de Curitiba está sob ataques de todos os lados, lícitos e ilícitos, depois de muitos triunfos notáveis

Por Deonísio da Silva
Atualizado em 23 jun 2019, 11h29 - Publicado em 23 jun 2019, 11h29

Deonísio da Silva

“A letra mata, mas o espírito vivifica”, disse São Paulo em sofisticada interpretação jurídica e religiosa, depois de cair do cavalo e mudar radicalmente de ideia e de vida por não ter resposta à pergunta: “por que me persegues?”.

Tornado subitamente cego diante da figura que lhe apareceu no caminho de Tarso, na Turquia, para Damasco, na Síria, aonde ia perseguir membros ali estabelecidos de uma seita que já prejudicava muito a aliança entre Roma e Jerusalém, tinha dois bons motivos para combater os cristãos. Ele, como seus pais, era judeu e seguia a lei de Moisés, mas era também cidadão romano.

Contam as narrativas cristãs que Saulo, seu nome hebraico, ficou completamente cego por causa do clarão no meio do qual estava a figura que lhe apareceu quando foi derrubado pela montaria.

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Como de hábito, viajava escoltado por soldados romanos e já integrara o grupo que apedrejara Estêvão, o primeiro daqueles que seriam chamados cristãos, a ser morto por causa da nova fé.

Saulo ou Paulo vivia em Tarso, local, aliás, onde Cleópatra e Marco Antônio se encontraram pela primeira vez e se apaixonaram para viver um grande amor, que entretanto terminaria no suicídio de ambos.

A cidade tinha este nome porque seus habitantes estendiam as mercadorias — queijos, frutas e outros alimentos — sobre cipós trançados, para perderem a umidade. Havia ali muitos tecelões e Saulo/Paulo era um deles. “Tarsós, em grego, designa também a planta do pé, mas por comparação mútua a superfícies planas e com aparência de elementos entrelaçados. Além do mais, a raiz remota da palavra tarso é o indo-europeu “ters”, secar. Não é improvável que o Inglês “tear”, lágrima, tenha o mesmo remoto étimo, por comparação do rosto com aquilo que seca ao verter líquidos.

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Quando adolescente, Saulo/Paulo tinha sido enviado a Jerusalém para estudar, mas voltara para Tarso, de onde depois de convertido partiria para suas famosas viagens, não mais para combater aqueles que perseguira, mas para ajudá-los a espalhar a boa nova, o Evangelho, por cidades que acabariam celebrizadas nas catorze epístolas escritas aos habitantes por ele convertidos nesses lugares. Foi em Antioquia, uma destas localidades, que os seguidores da nova seita foram designados cristãos pela primeira vez.

Paulo de Tarso perseguia uma seita insurgente no contexto, constituída de seguidores de um contemporâneo seu, mas nascido em Belém da Judeia e criado em Nazaré, condenado pelo sinédrio judaico e crucificado pelos invasores romanos por volta do ano 30 de nossa era.

De perseguidor da seita fundada por Jesus Nazareno Rei dos Judeus (como resumido no INRI dos crucifixos atuais), tal como explicado em hebraico, em grego e em latim numa tabuleta afixada na cruz em que foi executado, para todos entenderem (a região usava estas três línguas), Paulo tornou-se um de seus principais defensores, ao elaborar a teoria que ainda no século I propôs a reorganização dos valores essenciais da existência na civilização ocidental.

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Saulo ou Paulo foi preso duas vezes. Como era cidadão romano, não podia ser julgado e muito menos crucificado em Jerusalém, e foi enviado a Roma.

Na primeira condenação, no ano 58, o navio que o levava à capital do império naufragou e ele obteve prisão domiciliar. Mas na segunda e última, no ano 64, ele foi levado a Roma e ali foi julgado e condenado à morte.

Naquele ano, Roma tinha sido incendiada e o imperador Nero atribuíra a culpa aos cristãos, dos quais Paulo e Pedro já eram os principais líderes. Ambos morreram no mesmo ano de 67. Pedro, sendo judeu, foi crucificado. Paulo, sendo cidadão romano, foi decapitado.

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O que nos dizem esta história e esta pequena reflexão? Que uma nova interpretação da lei, não apenas a lei, pode mudar tudo, ainda que proceda de uma das mais remotas províncias.

Na defesa do ex-presidente Lula, um de seus advogados, criticando a interpretação da lei dada pelo juiz Sérgio Moro, referiu-se a Curitiba como “essa região agrícola do Brasil”, manifestando seu duplo desconhecimento, em Direito e em Brasil.

Curitiba não é a Damasco de nossos dias, mas ali surgiu, não uma pessoa, mas um grupo de pessoas, que passou a interpretar e vivificar a lei de outro ponto de vista. Como disse o linguista Ferdinand de Saussure, “o ponto de vista cria o objeto”.

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Em Curitiba temos uma nova seita de convertidos. Acusados ou condenados tornaram-se delatores de seus companheiros de lavagem de dinheiro e de desvio de verbas para corrupção e estão ajudando os homens da lei, ao menos daqueles que interpretam a lei de outro modo, bem diferente do tradicional, que inocentava os acusados por recursos diversos, sendo um dos mais eficientes o decurso de prazo, a prescrição. Esses novos intérpretes da lei têm pressa de julgar: para absolver (raramente) ou para condenar (mais frequentemente), mas em todo caso sempre rapidamente.

No antigo e tradicional modo de julgar, era essencial que ministros de altos tribunais pedissem vistas dos processos e sobre eles se sentassem pelo tempo necessário a jamais privar os acusados da liberdade.

Certas seitas costumam triunfar e no momento a de Curitiba está sob ataques de todos os lados, lícitos e ilícitos, depois de muitos triunfos notáveis. Prenderam poderosos empresários, ministros e até um ex-presidente da República.

Do resultado desta luta depende o futuro do Brasil.

*Deonísio da Silva
Diretor do Instituto da Palavra & Professor
Titular Visitante da Universidade Estácio de Sá
https://portal.estacio.br/instituto-da-palavra

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